Ainda vivos e evoluindo: A diversidade dos modernos Celacantos do leste da costa Africana
Os celacantos são um grupo de peixes de extremo interesse para os cientistas. Para quem não conhece a história, essas criaturas foram consideradas extintas por muitos anos, sendo somente conhecidas através de seus restos fósseis, até que em 1938 um espécimen vivo foi capturado por um barco de pesca na costa leste da África e trazido a atenção do mundo por Marjorie Courtenay-Latimer. Desde então outros espécimens tem sido capturados e filmados em seu ambiente e muitas pesquisas tem sido realizadas com estes incríveis animais.

Um dos fatos mais óbvios e surpreendentes sobre os celacantos é que essas criaturas permaneceram praticamente sem modificações em sua morfologia, pelo menos no que pode ser reconstruído pelos fósseis, por cerca de 70 milhões de anos, desde sua última aparição no registro fóssil (mas mesmo antes disso, não tendo mudado muito desde o Devoniando médio), personificando a ideia de 'fósseis vivos'. Porém, como outras espécies de animais e plantas que existem nos dias atuais - e que podem ser rastreadas através do registro geológico por milhões de anos com poucas modificações morfológicas em relação a seus parentes e possíveis ancestrais mais antigos - a Latimeria chalumnae não ficou completamente congelada no tempo, adaptando-se as condições ambientais e exibindo certa diversidade, apenas manteve muitas características morfológicas em seus estudados primitivos. Mas o ponto importante é que esse (e outros organismos) jamais deixou de evoluir em sentido mais amplo, como já era de se esperar, e como vários estudos vêm confirmando em cada vez maior nível de detalhe.
Seus genes não pararam de mutar e pressões seletivas de natureza ecológico-demográgica e flutuações estocásticas em suas taxas de nascimento e morte não deixaram de afetar as populações desses fantásticos animais através das gerações. Por causa disso o próprio termo 'fóssil vivo' deve ser empregado com cuidado.
Obviamente os mais interessados nestas criaturas são os biólogos evolutivos, pois os celacantos fornecem várias informações sobre a evolução biológica de maneira geral e especialmente sobre as origens de nossa linhagem, a dos vertebrados tetrápodes. Porém, como infelizmente os celacantos pertencem a uma espécie rara e em risco de extinção, ecologistas e especialistas em biologia da conservação mantém-se muito atentos para com estes animais, felizmente, já empreendendo esforços para sua conservação.
Por causa desse interesse primordial na evolução do grupo e nas origens dos vertebrados mais modernos, a maioria dos estudos genéticos até bem pouco tempo com Latimeria chalumnae* concentravam-se basicamente nas suas diferenças para com outros grupos de vertebrados vivos, principalmente os peixes pulmonados que, como os celacantos, tem suas origens próxima ao ponto de bifurcação que deu surgimento a nossa própria linhagem, a dos 'peixes tetrápodes', ou 'peixápodes', como chamam alguns. Esses animais já possuíam as nadadeiras lobadas, diferentes das raiadas características dos teleósteos que são os peixes ósseos que estamos acostumados a pescar e a preparar em nossos jantares.

Assim, os celacantos e os peixes pulmonados, entre os peixes modernos, são os dois possíveis candidatos a espécies representantes do grupo irmão vivo dos tetrápodes, além da possibilidade de que eles sejam mais fortemente relacionados uns com os outros do que os demais vertebrados (essas hipóteses são ilustradas pelas árvores I, II e III da figura abaixo).
Os dados infelizmente têm sido ambíguos neste quesito, com conjuntos diferentes favorecendo hipóteses diferentes. Mais recentemente uma análise feita em 2004 conduzida a partir das seqüências de 44 genes nucleares - que codificam os resíduos de aminoácidos em 10,404 posições nas sequências dessas biomoléculas – buscou resolver esta situação, mas mesmo esse vasto conjunto de sequências, entretanto, não foi suficiente para dar maior apoio conclusivo a nenhuma das três hipóteses. Talvez isso sugira que as linhagens de celacantos, peixes pulmonados, e tetrápode tenham divergido em um intervalo de tempo muito curto para ser detectado, dando a impressão que a as os três grupos tenham divergido ao mesmo tempo de seu ancestral comum, dando origem a uma tricotomia, com é ilustrado pela árvore IV.
Outro estudo, ainda mais recente, publicado no ano passado, empregou métodos Bayesianos sob o modelo de coalescência implementado pelo programa BEST (Bayesian Estimation of Species Trees ou 'Estimativa Bayesiana de árvores de espécies'), para realizar uma análise filogenética de sete táxons relevantes, a partir de um conjunto de dados de 43 sequências de nucleares genes codificadores de proteínas por meio do método jackknife (uma técnica de reamostragem em que são usados subconjuntos da amostra original para avaliar a precisão da estatística estimada) para táxons sub-amostrados. Um estudo anterior feito pelo mesmo grupo e mesmo conjunto de dados usando três métodos filogenéticos bastante usados e três abordagens diferentes em escala genômica, já haviam consistentemente rejeitado a hipótese de que os celacantos fossem os parentes vivo mais próximo dos tetrápodes.
As análises deste novo estudo consistentemente reconstruíram (através de métodos Bayesianos sob o modelo de coalescência) em 17 dos 21 conjuntos de táxons analisados, o clado formado pelos peixes pulmonados e celacantos, como sendo grupos irmãos, com probabilidades posteriores Bayesianas tão altas como 99%. Além disso, o clado formado pelos peixes pulmonados e tetrápodes só foi inferida de poucos conjuntos de dados e nem os clados celacanto-tetrápode nem peixe pulmonados-celacanto-tetrápode foram recuperados de todos os 21 conjuntos de taxons. Os pesquisadores em função desses resultados, concluíram que a hipótese mais plausível é a de que os peixes pulmonados e celacantos formem um táxon monofilético e esse sim seria o grupo mais proximamente aparentado com os tetrápodes.
Mas mais recentemente, outros estudos têm ampliado este escopo, especialmente sabendo que os celacantos dividem-se em várias populações - ocorrendo na costa oriental da África, da África do Sul até o Quênia - estudos sobre a diversidade genética dentro da espécie começaram a ser conduzidos. Um exemplo é o trabalho relatado este mês na revista Current Biology que traz informações pertinentes ao conhecimento da ecologia e portanto a conservação desses animais
O estudo contou com a participação de pesquisadores de diversas instituições da Alemanha, Suíça e Tanzãnia e analisou amostras de 71 espécimens adultos de Latimeria chalumnae de toda a área conhecida de distribuição desta espécie. As informações referentes a dinâmica populacional e ao fluxo gênico podem por exemplo ajudar a determinar a capacidade de sobrevivência das populações celacanto na África e agregar-se aos esforços de conservação.
A variação genética intraespecífica e interpopulacional foi avaliada a partir da análise do padrão de microssatélites, pequenas sequências repetitivas de DNA que variam em comprimento e servem como marcadores genéticos de diversidade. O estudo como esperado revelou uma baixa diversidade o que denota uma evolução mais lenta, com a taxa de heterozigosidade diferindo bastante entre indivíduos, mas de modo geral mantendo-se baixa (0.44 ± 0.18). Mas padrões específicos de variações em certos trechos genômicos que distinguem populações de diferentes localidades, sugerindo divergência e adaptações as condições locais como já era suspeitado. A genotipagem de pelo menos 9 dos 14 microssatélites loci analisados foi possível em 70 espécimens, mostrando níveis significativos de diferenciação. Foram econtrados alelos particulares em 10 dos 14 loci analisados e 12 alelos eram específicos das populações das ilhas Comoros, 3 das populações da África do Sul e 13 da Tanzania.
Análises adicionais foram feitas com DNA mitocondrial, a partir de seqüências de D-loops mitocondriais** provenientes de 62 indivíduos, 13 dos quais eram novos espécimens da Tanzânia. Os resultados confirmaram o padrão geral de baixa diversidade genética que podem ser explicados pela taxa evolutiva muito lenta em Latimeria chalumnae ou por divergência entre os haplótipos*** muito recente, quem sabe, após a espécie de passado por um gargalo de garrafa em que a população sofreu uma drástica redução em seu contingente demográfico.
Os pesquisadores originalmente assumiram que os celacantos da c osta Leste africana derivaram-se da população das ilhas Comores, desde então, diversificando em outras duas populações independentes, respectivamente, na África do Sul e na Tanzânia. Mas apesar desse padrão ter sido confirmado, com as análises de atribuição evidenciando uma subdivisão das amostras em três diferentes populações correlacionadas com três regiões geográficas, respectivamente, Comoros, Tanzânia e África do Sul. Contudo, a história mostrou-se mais complicada, uma vez que as as população de Comores parece estar subdividida em dois diferentes grupos genéticos. Por isso, mesmo que não possamos negar que a taxa de evolução molecular mantem-se lenta, existem evidências que os celacantos ainda estão se diversificando e, portanto, parecem ser capazes de adaptarem-se às novas condições ambientais.
Em seu artigo, os autores chamam nossa atenção pata o fato que inicialmente pensava-se que havia apenas uma única população viável nas ilhas Comores que deveria abrigar cerca de 400 indivíduos, no máximo e durante algum tempo as capturas esporádicas de espécimens de Latmeria localidades como Moçambique e Madagascar eram simplesmente desconsideradas sendo atribuídas a indvíduos desgarrados e acidentalmente transportados por correntes fortes. Mas com o tempo, as descobertas de um número de indivíduos na Tanzânia e África do Sul associada uma investigação mais aprofundada sobre a ecologia dessas localidades mostrou que realmente haviam pequenas populações Latimeria viáveis nestas regiões.
Um estudos anterior, publicado no ano passado na revista PNAS com outras amostras material genético de celacantos, já havia mostrado que a população fora da costa norte da Tanzânia é geneticamente diferenciada das populações do litoral sul da Tanzânia e das ilhas Comores. Neste mesmo estudo, seus autores estimaram que a população localizada no litoral sul da Tanzânia e de Comores devem ter divergido de outros celacantos a pelo menos 200.000 anos atrás. Neste estudo foram analisadas as seqüências de um espécimen da Tanzânia e dois das ilhas Comores e mais em conjunto com mais dois genomas mitocondriais completos e outros sequências de 47 D-loops disponíveis na literatura.
A figura acima, retirada do artigo [Current Biology, Volume 22, Issue 11, 5 June 2012 doi:10.1016/j.cub.2012.04.053] resume os resultados das análises. Em A podem ser vistas as análises de agrupamento genético usando de 2 a 5 grupos (K = 2 a K = 5). Os softwares STRUCTURE e TESS forneceram como o mais provável número de grupos em que poderiam ser agrupados os dados genéticos estando entre 3 e 5, sendo que 4 grupos parece ser o resultado mais informativo. Nesta parte da figura cada coluna representa um indivíduo com a fração de cada grupo (em cores) dada no eixo y. Assim a população das ilhas Comores é dividida em dois grupos diferentes, desde o início (K = 2), sugerindo uma subdivisão bastante grande desta população; com as amostras Tanzânia dividindo-se logo em seguida (K = 3) e com evidências mostrando haver uma população mais geneticamente distinta na África do Sul (K = 4). Em B é mostrada análise de componentes principais (outra técnica de análise multivariada) dos indivíduos, com eixo x (referente ao primeiro componente), sendo é significativa (p = 0,001), mas o mesmo não ocorrendo com o segundo componente, correspondente ao eixo y. As diferentes regiões geográficas são codificados por cores. Em C está representada a rede de haplótipos para todos os 9 haplótipos de DNA mitocondrial identificados na região de controle de Latimeria chalumnae (H1 a H9). Para a comparação é fornecida a conexão com o haplótipo da região controladora do DNA mitocondrial de outra espécie de celacanto da Indonésia, Latimeria menadoensis*. Diferentes cores retratam a área geográfica onde o haplótipo respectivo foi encontrado. E o tamanho dos círculos correlacionam-se com o número de indivíduos em que se verificou este haplótipo particular. Estar presente. Em D podemos observar a distribuição geográfica de haplótipos da espécie L. Chalumnae, com haplótipos diferentes sendo mostrados por cores diferentes e o diâmetro do círculo correlaciona-se com o número de indivíduos investigados neste local.
De acordo com os cientistas, esses dados dão apoio a hipótese de que essas populações devem ter inicialmente vindo das ilhas Comores, mas desde que foram separados divergiram geneticamente de sua população ancestral, principalmente, por que o fluxo gênico constante entre as populações africanas celacanto parece ser bastante improvável devido a distância geográfica entre, por exemplo África do Sul e Ilhas Comores, sendo restrito, pelo menos em uma direção, por causa de fortes correntes marinhas.
No mínimo essas estimulantes descobertas mostram como a evolução não para. Assim, mesmo que seu passo diminua e que certas características mudem muito pouco, de algum modo, os seres vivos estão sempre mudando através das gerações, nem que seja apenas para ficarem como estão, vivos.
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*Existe uma segunda espécie viva do gênero Latimeria, chamada de Latimeria menadoensis de coloração marrom, encontrada nas águas da Indonésia e trazida a atenção da comunidade científica em 1997. Diferente da espécie Latimeria chalumnae de coloração azulada, L. Menadoensis possui tonalidades mais próximas ao marrom e os cientistas acreditam ter divergido da espécie Africana cerca de 30 ou 40 milhões de anos atrás.

**'D-loop' ou 'Displacement loops' ('Laços de Deslocamente') é um tipo de estrutura de DNA na quel as duas cadeias da molécula de cadeia dupla do DNA estão separadas por um estiramento e são mantidas assim afastadas por um terceiro tipo de DNA. Essas estruturas existem nas mitcôndrias em formas semi-estáveis.
***Haplótipos são combinações de alelos (variantes genéticas) em regiões adjascentes (isto é loci próximos um do outro) nos cromossomos que são transmitidas em bloco dada a baixa recombinação, e que por isso não se encontram no chamado equlíbro de ligação, ou seja, com algumas combinações sendo mais comuns do que outras. Os tipos, tamanhos e frequências desses haplótipos são indicadores de divergência evolutiva.
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Referência:
Lampert, K., Fricke, H., Hissmann, K., Schauer, J., Blassmann, K., Ngatunga, B., & Schartl, M. (2012). Population divergence in East African coelacanths Current Biology, 22 (11) DOI: 10.1016/j.cub.2012.04.053
Literatura Adicional Recomendada:
Brouwers, Lucas Coelacanths are not living fossils. Like the rest of us, they evolve Thoughtomics Scientific American Blogs February 6, 2012.
Fricke, H., Hissmann, K., Froese, R., Schauer, J., Plante, R., & Fricke, S. (2011). The population biology of the living coelacanth studied over 21 years Marine Biology, 158 (7), 1511-1522 DOI: 10.1007/s00227-011-1667-x
Shan, Y., & Gras, R. (2011). 43 genes support the lungfish-coelacanth grouping related to the closest living relative of tetrapods with the Bayesian method under the coalescence model BMC Research Notes, 4 (1) DOI: 10.1186/1756-0500-4-49
Takezaki, N. (2004). The Phylogenetic Relationship of Tetrapod, Coelacanth, and Lungfish Revealed by the Sequences of Forty-Four Nuclear Genes Molecular Biology and Evolution, 21 (8), 1512-1524 DOI: 10.1093/molbev/msh150
Créditos das Figuras:
PETER SCOONES/SCIENCE PHOTO LIBRARY
PASCAL GOETGHELUCK/SCIENCE PHOTO LIBRARY
SINCLAIR STAMMERS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
PETER SCOONES/SCIENCE PHOTO LIBRARY
PLANETOBSERVER/SCIENCE PHOTO LIBRARY
http://opencage.info/pics.e/large_11454.asp