Caos, Complexidade e Evolução: Mais uma Ponte entre Termodinâmica e Evolucionismo
A afirmação de que e Teoria Evolucionista transgride a Segunda Lei da Termodinâmica é falsa em todos os níveis (Brooks e Wiley, 1986), a própria vida pode ser considerada como uma manifestação da Segunda Lei (Schneider e Kay, 1994). Este texto vem como uma espécie de continuação do texto “Boltzmann e Darwin: a ligação entre átomos e seres vivos". As teorias emergentes da termodinâmica que dizem respeito ao surgimento da vida e evolução prebiótica (Morowitz, 1968; Prigogine et al., 1972; Black, 1978; Wicken, 1980) são exemplos de conciliação entre a evolução biológica e princípios de dirigibilidade termodinâmica. A analogia entre a Segunda Lei e processos evolutivos que são dirigidos por falta de recursos disponíveis (pressões alimentares, por exemplo) e sua modelagem matemática foram propostas em 1992 por Lloyd Demetrius.
A Segunda Lei aplica-se a sistemas submetidos a condições adiabáticas e descreve um aumento na complexidade geométrica do sistema conforme um sistema caminha de um estado estacionário de equilíbrio para outro. O Teorema da Direcionalidade em dinâmica evolutiva refere-se a populações sujeitas a limitações de recursos naturais e descreve um aumento na complexidade dinâmica que caminha de um estado de não-equilíbrio estacionário para outro. Erwin Schrödinger escreveu em seu livro “O que é Vida?” (1944) que a vida podia ser compreendida como dois processos fundamentais: um, “ordem para ordem”, outro, “ordem para desordem”. Ele notou que no caso de “ordem para ordem” as qualidades genes dos pais eram passados para a cria, determinando assim as características da prole. As respostas sobre as características deste processo viriam com a descoberta da estrutura do DNA (Watson e Crick, 1953).
A premissa de “ordem para desordem” foi a tentativa de Schrödinger de ligar Termodinâmica e Biologia, observando o princípio da máxima entropia e notando a aparente contradição com sistemas altamente organizados, os seres vivos. Ele resolveu este dilema olhando para a Termodinâmica de Não-equilíbrio.
Os ecossistemas, de ponto de vista termodinâmico, são vistos como estruturas e processos em não-equilíbrio abertos ao fluxo de matéria e energia. Isto sugere que conforme ecossistemas crescem e se desenvolvem, a dissipação energética total deve crescer e tal é feito pelo desenvolvimento de estruturas e processos para que esta degradação energética ocorra (Schneider e Kay, 1994). Espécies que sobrevivem em ecossistemas servem como funis energéticos que em sua própria produção e reprodução contribuem para processos autocatalíticos que aumentam a dissipação total do ecossistema.
A macroevolução é um processo dinâmico de não-equilíbrio. O padrão geral de como se processa sugere que é resultado de um processo crítico auto-organizado (Bak et al., 1987) e esta conjectura é consistente com o registro fóssil (Solé e Bascompte, 1996). Um ambiente no qual espécies (ou outras unidades taxonômicas) interagem em um ecossistema complexo foi classicamente baseado na teoria ecológica clássica das Equações de Lotka-Volterra (May, 1974).
Até aqui dois assuntos foram abordados: a Termodinâmica da Evolução e Complexidade (sob o ponto de vista da Termodinâmica), este último ligado à biodiversidade e ecossistemas, cujo pesquisador mais destacado é Ilya Prigogine. Como estes assuntos desenvolvem-se de maneira intensa (Wicken, 1983) é mais adequado que sejam tratados um de cada vez. Neste texto o foco é a Complexidade, então tratemos dela.
A análise da complexidade começa com a análise da natureza caótica de biossistemas. É necessário então começarmos com uma descrição dos requerimentos necessários para um sistema ser considerado caótico. Tendo estas informações, a pergunta que naturalmente surge é como a aparente ordem percebida na natureza pode vir de um comportamento caótico. De forma mais simples: a ordem pode vir do caos? Os próprios conceitos que suportam a teoria da complexidade estariam errados se (i) violassem as Leis da Termodinâmica (o que não é o caso); (ii) fossem baseados em uma natureza equivocada dos sistemas estudados. É recorrente no desenvolvimento da Termodinâmica do Evolucionismo que aparentes contradições sejam respondidas, fazendo assim com que a robustez dela seja evidenciada de forma incisiva (Demetrius e Manke, 1995).
Não existe definição matemática universalmente aceita para o caos (Hasselblatt, 2003). Apesar disso, Hasselblatt define as condições para que um sistema seja considerado caótico, que são: (i) deve ser sensível às condições iniciais; (ii) deve ser topologicamente misturado; (iii) suas órbitas periódicas devem ser densas. Antes de avançar neste assunto é necessário que a definição precisa do que é um atrator seja feita. Para tanto é necessário que seja introduzido o conceito de estado fásico, introduzido em 1901 por Willard Gibbs (1839-1903). Compreende-se por tal conceito um espaço no qual todos os estados possíveis do sistema estão representados, com cada estado possível do sistema correspondendo a um único ponto no espaço fásico.
Quando um espaço fásico tem em sua plotagem as variáveis de momentum e posição como função do tempo este é geralmente denominado diagrama de fase, que é utilizado em ciências físicas. Modelos de equilíbrios dinâmicos são normalmente representados usando espaços fásicos nos quais o tamanho de uma população é plotado em função do tamanho de uma segunda e uma terceira populações, sem que o eixo do tempo seja explicitamente representado. Desta forma, neste espaço o equilíbrio consiste em um só ponto.
Um atrator é um conjunto de pontos no espaço fásico que representa a dinâmica de uma população. Atratores de sistemas caóticos determinísticos são geralmente atratores estranhos. Este nome vem porque estes atratores são torcidos e “estranhos”, significando que eles têm dimensão fractal. Um é caótico se, e apenas se, tiver pelo menos um dos expoentes de Lyapunov é positivo (Ruelle, 1989). Estes expoentes são a medida da divergência exponencial de um sistema. A definição dos expoentes de Lyapunov, e de caos podem ser entendidas para definir sistemas barulhentos (Crutchfield, et al., 1982) de vital importância da descrição de populações. Sob a definição dos expoentes de Lyapunov, conseguimos saber se uma parte endógena de um sistema estocástico/determinístico amplifica ou suprime ao longo do tempo os efeitos de perturbações exógenas. De fato a estocasticidade (caráter aleatório) pode mudar um sistema de um regime não-caótico para um regime caótico e vice-versa, fato demonstrado por alguns sistemas epidemiológicos (Rand e Wilson, 1991).
Esta última sentença traz consigo o pensamento da pergunta feita anteriormente: a ordem pode vir do caos? Este é um pensamento válido neste ponto da discussão. A contestação da própria existência da casualidade tem como objetivo invalidar o Evolucionismo. Esta contestação é baseada apenas em erros conceituais ou de entendimento das Leis da Evolução e da Termodinâmica (Collier, 1986). Em sistemas celulares e baseados na lógica Booleana, a demonstração da casualidade que molda sistemas de vários componentes acoplados foi dada por Stuart Kauffman (Kauffman, 1993). Em grandes ecossistemas, tal possibilidade fica evidenciada por Claudia Pahl-Wostl (Pahl-Wostl, 1995). Estes dois livros explicam a relação entre caos e ordem, e o entrelaçamento entre os dois. Ambos são baseados no desenvolvimento da Teoria da Evolução pela óptica da Termodinâmica, dois trabalhos que também demonstram de maneira explícita a não-discrepância entre Termodinâmica e Evolucionismo. Uma citação de Wheeler é conveniente para demonstrar como é válida a idéia de ordem emergindo do caos:
“Na minha visão, tudo na física algum dia seguirá os padrões da termodinâmica e da mecânica estatística, da regularidade baseada no caos, lei sem lei. Especificamente, eu acredito que tudo é construído confusamente nos resultados de bilhões e bilhões de fenômenos quânticos elementares, e que as leis e condições iniciais da física surgem deste caos pela ação de um princípio regulador, a descoberta e a formulação adequada deste é uma tarefa primária.”
J. A. Wheeler em: “Am. J. Phys. 51(5) (1983) 398”.
Confirmando as Teorias de Boltzmann, sobre o princípio da Irreversibilidade Mecânica e suportando o trabalho de Prigogine, a observação de que leis rígidas do universo somente são válidas no limite de um número de partículas (neste caso o estudo foi feito por um astrofísico) tendendo ao infinito, ou seja, em um número macroscópico de partículas (por exemplo, uma colher cheia de água). Isto equivale a dizer que as leis rígidas que descrevem o universo têm uma base de construção estocástica (Sidhart, 1998).
Abrindo um parêntese nesta discussão, o conceito de casualidade está presente no desenvolvimento computacional também. O exemplo mais destacado desta afirmação é o Método Computacional Monte Carlo, que é utilizado extensamente para calcular propriedades termodinâmicas não-dependentes do tempo, em sistemas com um número muito grande de partículas, este método produz resultados equivalentes aos da dinâmica molecular, cujos dados de cada partícula do sistema são calculados em uma seqüência definida (Jorgensen e Tirado-Rives, 1996). O método Monte Carlo também é utilizado para simular fenômenos não-lineares em populações de ecossistemas (Solé e Valls, 1992) (fechando parêntese).
Existem evidências de que sistemas naturais se comportem de maneira caótica?
A resposta é sim. E alguns casos são mostrados a seguir: uma destas evidências é observada na dinâmica populacional de roedores, que vem da análise de séries temporais não-lineares (Turchin, 1993). Outra evidência deste comportamento é a observada na ecologia de plantas, que se processa em ciclos e de maneira caótica (Stone e Ezrati, 1996). Assuntos como o declínio da vegetação do Saara, e o colapso desta região em um deserto e pico recifes de corais caribenhos estudados em 1999 e 2000 (McCook, 1999; Nystrom, et al., 2000) são explicados por modelos caóticos (Scheffer e Carpenter, 2003).
Existem duas hipóteses de como encarar um ecossistema termodinamicamente e sua ligação com o evolucionismo (Schenider e Kay, 1994): (i) ecossistemas vão organizar-se de acordo com a Segunda Lei, aumentando a degradação da exergia (máximo trabalho útil durante um processo termodinâmico, que leva o sistema ao equilíbrio com um reservatório de calor (Pierre, 1998)) em energia que vem para o sistema. O corolário disso é que os ciclos de fluxo de material tendem a ser fechados. Isto é necessário para que um suprimento contínuo de material seja assegurado para processos de degradação de energia; (ii) esta surge como uma conseqüência da primeira: os ecossistemas vão evoluir para adaptar-se de forma a aumentar o potencial de sobrevivência do ecossistema e seus componentes, o que garante a degradação contínua da energia que vem para o sistema. Este processo está sujeito à quaisquer condições evolutivas ou de adaptação que melhorem as chances de sobrevivência, mas só é (em termos energéticos) viável se o seu efeito em rede aumentar a capacidade de degradação energética do ecossistema.
Observando ecossistemas, ambas as hipóteses (ou a hipótese e sua conseqüência) mostram ser consistentes, o que suporta mais uma vez a Teoria Evolucionista, o que aparece de novo é a lista de atributos ecológicos, para que um ecossistema amadureça, que fica expandida em relação à proposta por Odum em 1969. Os modelos baseados em atratores para ecossistemas são mais um avanço científico da Biologia Teórica e confirmam a Teoria Evolutiva, pois mais que modelos e hipóteses existem evidências acerca da natureza caótica de populações diversas que interagem entre si e com fatores abióticos, alguns pouquíssimos exemplos foram citados neste texto.
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Referências
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