Como a evolução seleciona para a verdade:
Aproveitando a passagem, no mês anterior, do filósofo e teólogo Alvin Plantinga pelo Brasil, trago ao evolucionismo.org uma tradução da palestra proferida, no começo deste ano, pelo também filósofo Paul Griffiths, especializado em filosofia da ciência, especialmente, filosofia da biologia e da mente. Nesta palestra é criticada uma das mais conhecidas ideias de Plantinga, o argumento evolutivo contra o naturalismo*.
Embora o argumento tenha sido especificamente criado para atacar a ideia de que a visão de mundo científica - especialmente a inspirada nas descobertas e conceitos da biologia evolutiva - refutaria a necessidade de um criador divino (ao revelar uma inconsistência intrínseca da visão naturalista com a biologia evolutiva), algo que talvez fosse mais adequado a um site de metafísica e/ou filosofia da religião, resolvi traduzir a palestra de Griffiths pelo seu caráter didático.
O texto é um excelente antídoto contra alguns dos equívocos e distorções por trás do uso da biologia evolutiva, e de seus conceitos, por parte de Plantinga e outros filósofos não familiarizados com a área. Na palestra, Griffiths deixa bem claro por que a oposição assumida por Plantinga (entre processos que rastreiam o sucesso reprodutivo e processos que "rastreiam a verdade") é inadequada; assim como revela os problemas do conceito de verdade pressuposto pelo teólogo.
Estas duas suposições acabam por comprometer toda a estrutura argumentativa empregada nos artigos do conhecido teólogo e acabam, simplesmente, expondo seu desconhecimento de como funcionam as ciências, especialmente a biologia evolutiva. Mais do que apontar os erros, equívocos e omissões de Plantinga, a palestra de Griffiths é tremendamente esclarecedora em relação a como funciona a evolução por seleção natural, jogando luz inclusive em outras tentativas recentes de se atacar este princípio, desta vez por um outro filósofo consagrado e um respeitado cientista cognitivo, respectivamente, Jerry Fodor e Máximo Piattelli-Palmerini [1].
O texto nos mostra de maneira bem simples que tipo de questões são investigadas pelos biólogos evolutivos para determinar qual explicação causal é mais adequada para a evolução de uma característica por ação da seleção natural. Alguns termos e conceitos importantes, principalmente os introduzidos por Elliot Sober, enriquecem nosso aparato conceitual e nos permitem compreender melhor o processo de evolução por seleção natural e Griffiths faz um ótimo uso deles. No final do texto, acrescento alguns comentários meus, buscando enfatizar alguns pontos da análise de Griffiths, além de esclarecer outros tópicos relacionados.
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COMO A EVOLUÇÃO SELECIONA PARA A VERDADE:
Autor: Paul Griffiths
Tradução: Rodrigo Véras
Palestra conferida ao Blaackheath Philosophy Forum por Paul Griffiths, sábado, em 14 de maio de 2011.
Resumo:
É amplamente divulgado que, como o filósofo Stephen Stich coloca, “... a seleção natural não se importa com a verdade, importa-se apenas com o sucesso reprodutivo”. Nas mãos do principal teólogo Americano, Alvin Plantinga, isso tornou-se um argumento contra a visão científica do mundo. Caso acreditemos que nossas mentes são produtos cegos da seleção natural, agindo de maneira a maximizar o sucesso reprodutivo, argumenta Plantinga, então não termos base racional para supor que qualquer uma de nossas crenças são verdadeiras. Isso inclui a crença sobre a evolução da mente com a qual começamos, desta maneira a visão de mundo científica é na verdade auto-derrotada. Nesta palestra eu irei traçar as falhas neste argumento até um erro na compreensão da seleção natural e em um conceito inflacionado de verdade. De fato, a teoria evolutiva proporciona fundações sólidas para ambas nossas crenças do senso comum e as derivadas das ciências naturais.
span class="font-size-4">1. Introdução
Pensadores desde o próprio Darwin se perguntam, se a mente é simplesmente uma adaptação evolutiva produzida para garantir o sucesso reprodutivo, poderia ela também ser algo que levaria a verdade:
“Mas, então, comigo surge sempre a terrível dúvida, se as convicções da mente do homem, que tem sido desenvolvidas a partir da mente de animais inferiores, são de algum valor ou de algum modo confiáveis. Poderia alguém confiar nas convicções da mente de um macaco, se é que haveria qualquer convicções em tal mente? ”
Charles Darwin, Carta a William Graham, 1881
O eminente filósofo da religião Alvin Plantinga argumentou que se a mente evoluiu por seleção natural e sem a intervenção de um Deus criador, então não temos razão para supor que qualquer uma de nossas crenças são verdadeiras, em vez de meramente úteis (Plantinga 1991 * ; Plantinga, 1993). Vindo de uma perspectiva muito diferente, o filósofo naturalista Stephen Stich argumentou que "... a seleção natural não se importa com a verdade, importa-se apenas com o sucesso reprodutivo" (Stich, 1990, 62).
Guy Kahane (2011) descreve a forma geral desse tipo de argumento evolutivo cético:
Premissa causal: S acredita que p é explicado por X
Premissa epistêmica: X é um processo “fora do rastro”
Logo, S acredita que p é não-justificado
Um processo “fora do rastro" ("off-track") é um que não “rastreia a verdade” ("track truth"): produz crenças de uma maneira que é insensível a verdade daquelas crenças.
No caso de crenças do senso comum, eu apresento uma resposta muito direta a este argumento: A evolução por seleção natural não é um processo “fora do rastro” no que diz respeito ao senso comum e favorece aos organismos que formam crenças de senso comum verdadeiras. O argumento que a seleção natural rastreia o sucesso reprodutivo ao invés da verdade é um mal-entendimento da seleção natural. Eu explico esse mal-entendido e clarifico em que sentido a evolução rastreia a verdade. Eu então defendo que se crenças do senso comum sobrevivem à tentativas de destronamento, também assim o fazem as crenças científicas.
2. “Seleção de” e “Seleção para”:
Considere o seguinte exemplo de seleção natural: A maioria das rãs usam vocalizações para sinalizar aos co-específicos, mas algumas usam um tipo de exibição visual conhecida como "aceno de perna'. Eles levantam e mantém alta uma das pernas traseiras, “abrem” os dedos dos pés, e acenam com o pé. Às vezes, a membrana entre os dedos dos pés é brilhantemente colorida. O “aceno de perna” é silencioso. Podendo também ser detectado em ambientes ruidosos. Em resumo, vamos chamar esse segundo recurso "à prova de ruído”. Então, podemos perguntar qual destes efeitos foi o "alvo da seleção" (Sober, 1984 )? Será que a seleção natural favorecer um sinal silencioso, talvez porque não atraia predadores, ou favorece um sinal "à prova de ruído”? Esta é uma questão cientificamente inteiramente direta que pergunta se alguma destas propriedades figuram em uma explicação seletiva da característica (caso ambas as propriedades desempenhem um papel na explicação do sucesso da característica, então, seus efeitos são combinados para explicar o efeito total de seleção). Como “acenos de perna” evoluíram independentemente várias vezes em rãs, e sua evolução está associada a espécies que vivem em ambientes ruidosos, corredeiras rápidas, ser “à prova de ruído” foi provavelmente o alvo da seleção (Hödl and Amézquita, 2001). Na terminologia de Elliot Sober houve 'seleção para' ser “à prova de ruído”, mas apenas 'seleção de' ser silencioso (Sober, 1984). Esta conclusão pressupõe que as duas explicações da seleção são alternativas potenciais uma à outra. A 'seleção para' ser “à prova de ruído” poderia ter conduzido à evolução do “aceno de perna”, ou a 'seleção para' ser silencioso poderia ter feito isso, ou ambas as propriedades poderiam ter feito isso. Esta são três hipóteses empíricas distintas.
A distinção diz respeito ao que causa a evolução. As propriedades aqui em questão são competidoras causais: Elas inserem-se em explicações causais competidoras para a mesma coisa. Mas não faz sentido perguntar se o “aceno de perna” foi selecionado para ser “à prova de ruído” ou para aumentar a aptidão, uma vez que estes não são competidores causais. Ser “à prova de ruído” não é uma alternativa a aumentar a aptidão, é um meio para o fim de aumentar a aptidão. Existem outros meios de se alcançar o mesmo fim, e estas são alternativas potenciais, mas não faz sentido considerar o fim em si como um meio alternativo de alcançar o fim.
“Rastreamento da aptidão” não é uma alternativa ao “rastreamento da verdade” por que o rastreamento da verdade é uma propriedade em um nível inferior de explicação. O rastreamento da verdade é uma medida de certos tipos de interação ecológica com o meio-ambiente. É análogo a “eficiência de forrageio” ou a “eficiência respiratória”. Um organismo pode prosperar por que é melhor que seus rivais ao rastrear a verdade da mesma maneira que pode prosperar por que é melhor em forragear ou por que tem um sistema respiratório mais eficiente. Não faz sentido perguntar se uma característica é uma adaptação “para a aptidão”, já que isso é simplesmente repetir a definição de adaptação – uma característica que evoluiu porque aumenta a aptidão.
3. Rastreamento ótimo da verdade:
Não podemos avaliar se os organismos foram selecionados para o rastrear a verdade, a menos que nós saibamos como seria um organismo assim caso tivesse sido selecionado para isso - como se pareceria um "rastreador ótimo da verdade"? Uma definição de um fenótipo ótimo é aquele que seria previsto por um "modelo censurado" da evolução - aquele em que todos os processos evolutivos, exceto a seleção natural, são omitidos (Orzack e Sober, 1994). Assumimos que não há deriva genética, que não há restrições de desenvolvimento sobre o que pode ser produzido por mutação, e assim por diante. Basicamente, podemos imaginar um mundo no qual a seleção natural é toda-poderosa e perguntar como os organismos teriam se parecido em um mundo assim.
Mas mesmo um fenótipo ótimo neste sentido não é completamente sem restrições. O teórico evolucionista John Maynard Smith comentou uma vez que todos os processos de seleção devem ser restritos, ou organismos "viveriam para sempre, seriam inexpugnáveis aos predadores, poriam ovos em uma taxa infinita, e assim por diante." (Maynard Smith, 1978, 32)
A restrição mais fundamental é o custo. Os organismos dispõem de recursos limitados e rastrear a verdade não é a única coisa necessária a fazer para sobreviver. Recursos alocados para formar crenças verdadeiras são recursos não disponíveis para fazer esperma ou ovos, ou para combater os efeitos do envelhecimento ao reparar tecidos danificados. Se o benefício em alocar uma unidade de energia em uma dessas atividades exceder aos benefícios, na aptidão, de alocar esta energia para aumentar a precisão das crenças, então, será onde a energia será alocada. Os cientistas cujo trabalho é usualmente citado para demonstrar o quão ruins somos em rastrear a verdade, há muito, têm argumentado que as falhas da racionalidade podem ser compreendidas como heurísticas que sacrificam estar certo o tempo todo por estar certo a maior parte do tempo a um custo bastante reduzido (Gigerenzer and Todd, 1999; Gigerenzer and Selten, 2001). Uma heurística não garante uma resposta correta o tempo todo, mas estar correta com frequência o suficiente para que não haja por que trocá-la por um método mais confiável, mas mais custoso. Uma heurística não é um método para cometer erros. Embora nosso uso de heurísticas simples mostrem que estamos pesando verdade contra à aptidão, isso quer dizer que rastrear a verdade, um componente da aptidão, está sendo pesado contra outros componentes da aptidão como a produção de esperma. Desta maneira até a “racionalidade restrita” é uma adaptação para rastrear a verdade.
Outra restrição surge a partir da estrutura lógica intrínseca de muitas tarefas. Muitas vezes, é impossível formar crenças verdadeiras sem também formar algumas crenças falsas. Por exemplo, sempre que um organismo necessita tomar uma decisão sob incerteza, então é logicamente impossível reduzir o risco de erros do Tipo Um (aceitar algo que não é verdade), sem aumentar o risco de erros Tipo Dois (rejeitar algo que é verdade) e vice-versa. Organismos, muitas vezes precisam agir antes que as informações conclusivas estejam disponíveis, assim tarefa evolutiva que enfrentam é a de conseguir um “[trade-off]” (balanço/solução de compromisso) ótimo entre estes dois tipos de erro (Godfrey-Smith,1991).
À luz das duas restrições inevitáveis recém identificadas - restrições de custo e restrições intrínsecas às tarefas - o ótimo evolutivo de rastreamento da verdade deveria ser definido como a obtenção de tanta verdade, e tão pouco erro quanto possível, dado os “trade-offs” intrínsecos a eles, com o equilíbrio determinado pelo valor das verdades e o custo dos erros, e com possíveis soluções restringidas pelo custo dos recursos cognitivos. Isto pode ser posto na forma de um slogan:
”Organismos rastreiam a verdade otimamente se eles obtém tantas verdades relevantes quanto eles puderem arcar, e não toleram um custo maior do que o necessário para obtê-las.”
Com esta definição de rastreamento da verdade é incrivelmente provável que as crenças do senso comum sejam produzidas por adaptações cognitivas que rastreiam a verdade. Por “sendo comum” nós queremos dizer aquelas crenças que guiam nossas ações mundanas, e cuja certeza subjetiva foi apelada por G.E. Moore (1925). O exemplo de Moore incluía a existência do seu próprio corpo e de outros corpos humanos e inanimados, todos arranjados no espaço e no tempo, assim como o fato que outros corpos humanos sabiam de coisas similares. Qualquer descrição plausível da evolução desses tipos de crenças em seres humanos e em outros animais terá em seu cerne o fato que os animais podem aumentar sua aptidão ao detectar estados de coisas no mundo e ajustar suas ações a estes estados de coisas.
4. Verdade e limitação epistêmica:
“Eu estou inclinado a ver tudo como um resultado de leis de projeto, com os detalhes, sendo eles maus ou bons, deixados ao trabalho do que poderíamos chamar de acaso. Não que esta noção de modo algum me satisfaça. Eu sinto que todo o assunto é profundo demais para o intelecto humano. Um cão poderia da mesma maneira especular sobre a mente de Newton.”
Carta de Darwin a Asa Gray, 1860.
Darwin está sugerindo uma tese de “limitação epistêmica”. Nós sabemos que existem limitações nas habilidades conceituais da mente de outros animais. Cães jamais serão capazes de dominar o cálculo. Isso leva a suspeita que possam haver verdades que nós mesmos sejamos constitutivamente incapazes de cogitar. O geneticista J.B.S. Haldane compartilhava da mesma ideia:
“Agora, minha própria suspeita é que o universo seja não só mais estranho que supomos, mas mais estranho que podemos supor.” (Haldane, 1927, 286)
Este pensamento pode produzir outra espécie de ceticismo evolutivo: talvez nossas crenças representem uma visão tão limitada das coisas que elas realmente não se qualificariam ao nível de verdades, por mais úteis que sejam. A maneira de evitar esta preocupação é a adoção de uma concepção adequadamente humilde de verdade[2]. Se ter crenças verdadeiras significa ter um esquema conceitual que é adequado para dar uma representação única e total de todos os aspectos da realidade, então ninguém, exceto Deus ou um cientista ideal em algum, igualmente ideal, "fim da ciência", quando não há mais nada à saber, poderia ter uma crença verdadeira. Tomo este como sendo um reduction ad absurdum dessa concepção de crença verdadeira. Em vez disso, deveríamos conceder que os seres humanos e outros animais costumam fazer julgamentos corretos em seus esquemas conceituais limitados. Por exemplo, os seres humanos, muitas vezes com sucesso, julgam que outro ser humano é um um parceiro de acasalamento em potencial, e rãs fazem um julgamento semelhante sobre outras rãs. Em tais casos, o homem tem uma crença verdadeira, e o sapo tem um - um pouco mais primitivo - estado semelhante a crença, que, mesmo que não gostemos de aplicar a palavra "verdade" a tais estados, devemos, pelo menos, admitir serem corretos em algum sentido.
Não deveríamos pensar que nós seres humanos estamos tão à frente das rãs. Seja qual for a autoridade ontológica que possamos atrelar aos conceitos e categorias da ciência, o caminho do senso comum, através do qual os seres humanos vêem o mundo, não tem mais ou menos autoridade ontológica do que as formas pelas quais outros animais vêem o mundo. O físico Arthur Eddington famosamente contrastou o entendimento do senso comum sobre sua mesa de escrever, como um objeto sólido, com a compreensão científica dela, como uma área de espaço quase vazio cujo melhor que se poderia dizer é que a probabilidade do afundamento de seu cotovelo através dela era pequena o bastante para ser negligenciada para o propósito de escrever sua palestra (Eddington, 1930). Uma resposta a fatos dessa natureza é supor que a crença de que a grama é verde ou que as mesas são sólidas são meras ilusões impingidas em nós pelos nossos genes egoístas, e, na realidade, não existem objetos verdes ou sólidos, apenas a radiação eletromagnética e interações quânticas. Mas não há razão para abandonar o mundo do senso comum, desde que estejamos preparados a aceitar que não somos o único animal cujos esquemas perceptuais e conceituais evoluídos podem co-existir com as medições e esquemas conceituais da ciência, e serem explicados por elas. Há realmente coisas vermelhas e coisas verdes, mas também há coisas que têm cor ultra-violeta que não podemos detectar, mas que outros animais podem. Há muitas maneiras de classificar o mundo que não são puramente arbitrárias e é o fato que estas classificações são restringidas pela realidade que explica por que elas têm algum grau de utilidade prática. Também explica por que devemos reconhecer algumas crenças, formadas utilizando-se dessas categorias, como verdadeiras. Seres humanos e outros animais, têm crenças verdadeiras sobre o conteúdo de seus respectivos 'umwelten' [3]- o mundo como é representado no esquema perceptual e conceitual de uma determinada espécie (Uexküll, 1957).
5. Senso comum e ciência:
Um dos triunfos da ciência é que ela nos permite movermo-nos além dos nossos esquemas conceituais evoluídos para esquemas conceituais mais abrangentes, à luz dos quais podemos determinar e explicar os limites do nosso esquema conceitual evoluído, original, e os das outras espécies. Mas isto pode por si mesmo dar origem a mais uma base para o ceticismo evolutivo. Se os seres humanos podem suplementar seu esquema conceitual evoluído com novos conceitos, deveríamos confiar que nossas faculdades cognitivas ainda podem rastrear a verdade neste novo quadro conceitual enriquecido? Nossas faculdades cognitivas foram selecionadas porque elas rastrearam a verdade sobre o Umwelt humano, não por sua capacidade de usar o cálculo, ou para rastrear a verdade sobre as superposições de partículas no nível quântico.
Mas se podemos contar com nossas crenças de senso comum, não precisamos de uma justificação evolutiva separada de nossas crenças científicas. As razões que temos de pensar que nossas conclusões científicas são corretas e que os métodos que utilizamos para alcançá-las são confiáveis são simplesmente os dados e argumentos que os cientistas fornecem para suas conclusões, e por suas inovações metodológicas. Em última análise, tem que enfrentar o mesmo escrutínio do senso comum que qualquer outro acréscimo às nossas crenças. Assim, a evolução não põe em causa nossa confiança em nossas faculdades cognitivas, também não deve minar nossa confiança em nossa habilidade de usar essas faculdades para depurarem-se elas mesmas - para identificar suas próprias limitações, como em ilusões perceptivas ou erros de raciocínio intuitivo comuns. Nem deve minar nossa confiança na adoção de novos conceitos e métodos que não foram eles próprios moldados pela evolução da mente, mas cuja introdução pode ser justificada através das nossas faculdades cognitivas evoluídas e as crenças do senso comum que elas produzem.
Referências:
Beilby, J. K., Ed. (2002). Naturalism Defeated?: Essays on Plantinga's Evolutionary Argument Against Naturalism. Ithaca, NY, Cornell University Press.
Eddington, A. S. (1930). The Nature of the Physical World. Cambridge, Cambridge University Press.
Gigerenzer, G. and R. Selten, Eds. (2001). Bounded Rationality: The Adaptive Toolbox. Cambridge, MA, MIT Press.
Gigerenzer, G. and P. M. Todd, Eds. (1999). Simple heuristics that make us smart. Oxford, Oxford University Press.
Godfrey-Smith, P. (1991). "Signal, decision, action." Journal of Philosophy 88: 709-722.
Haldane, J. B. S. (1927). Possible Worlds and Other Essays. London, Harper and Brothers.
Hödl, W. and A. Amézquita (2001). Visual signaling in anuran amphibians. Anuran communication. M. J. Ryan. Washington, D.C, Smithsonian Institution Press: 121-141.
Kahane, G. (2011). "Evolutionary debunking arguments." Nous 45(1): 103-125.
Maynard Smith, J. (1978). Optimization Theory in Evolution. Conceptual Issues in Evolutionary Biology (2nd edn). E. Sober. Cambridge, Mass., MIT Press: 91-118.
Moore, G. E. (1925). A Defence of Common Sense. Contemporary British Philosophy (2nd series). J. H. Muirhead. London, Allen and Unwin: 193-223.
Orzack, S., E and E. Sober (1994). "Optimality models and the test of adaptationism." American Naturalist 143: 361-380.
Plantinga, A. (1991). When Faith and Reason Clash: Evolution and the Bible. The Philosophy of Biology. D. L. Hull and M. Ruse. Oxford, Oxford University Press: 674-697.
Plantinga, A. (1993). Warrant and Proper Function, . Oxford and New York, Oxford University Press.
Sober, E. (1984). The Nature of Selection: Evolutionary Theory in Philosophical Focus. Cambridge, MA, MIT Press.
Stich, S. P. (1990). The Fragmentation of Reason: Preface to a Pragmatic Theory of Cognitive Evaluation. Cambridge, Mass., Cambridge University Press.
Uexküll, J. v. (1957). A Stroll Through the Worlds of Animals and Men: A Picture Book of Invisible Worlds. Instinctive Behavior: The Development of a Modern Concept. S. C. H. New York, International Universities Press, Inc.: 5-80.
Este é um resumo de uma palestra ministrada no Fórum de Filosofia Blackheath, com base nas idéias desses dois artigos: Griffiths, PE e JS Wilkins (no prelo). “When do evolutionary explanations of belief debunk belief? Darwin in the 21st Century: Nature, Humanity, and God. P. Sloan. Notre Dame, IN, Notre Dame University Press; Wilkins, J. S. and P. E. Griffiths (In Press). “Evolutionary debunking arguments in three domains: Fact, value, and religion. A New Science of Religion.”J. Maclaurin and G. Dawes. Chicago, University of Chicago Press.
* Plantinga usa seu ceticismo evolutivo para atacar a visão de que não há Deus criador. Para uma introdução à vasta literatura filosófica sobre o argumento de Plantinga ver Beilby, JK, Ed. (2002). Naturalism Defeated?: Essays on Plantinga's Evolutionary Argument Against Naturalism. Ithaca, NY, Cornell ¸University Press.
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Notas e comentários:
"Trade-off" é um termo originado da economia, mas amplamente utilizado em biologia evolutiva, especialmente, no que se refere a evolução de características da história de vida dos organismos. O termo é aplicado quando a evolução de características diferentes, mas correlacionadas, em um mesmo organismo, esbarram em algum tipo de conflito entre ambas o que demandaria um balanço com perdas e ganhos, do ponto de vista da aptidão, envolvendo um compromisso entre ambas, por exemplo como a evolução do tamanho e da agilidade de um organismo em um determinado contexto ecológico. Como fica bem evidente na citação utilizada por Griffiths de Maynard Smith, não é possível ter tudo ao mesmo tempo. Assim, compromissos e trade-offs serão sempre esperados. Na verdade, como oikosjeremy comenta sobre um artigo (discutindo por que esperar trade-offs na economia), estas limitações na possibilidade de se otimizar tudo ao mesmo tempo são uma decorrência natural do próprio processo de seleção natural passado que remove a concorrência e limita os tipos alternativos disponíveis:
Versão mais curta: esperamos ver trade-offs, porque eles são um "fantasma da competição passada' (Connell 1980 Oikos 35:131-8). A concorrência entre os genótipos (ou espécies) purga os menos aptos, de modo que apenas os mais aptos, permanecem. E como os fenótipos dos mais aptos são propensos a exibirem trade-offs (ou clusters perto de um ótimo único), mesmo na ausência de restrições.
oikosjeremy [April 27, 2011] Why expect trade-offs in ecology and evolution?(UPDATED) Oikos Blog.
[1] Fodor e Piattelli-Palmerini basicamente recusam-se a aceitar que o que define o sucesso reprodutivo dos organismos (por exemplo, frente aos seus rivais co-específicos) possa variar de situação para situação. Algo que fica claro no exemplo da evolução do "aceno de perna" através da 'seleção para' a propriedade de ser “à prova de ruído” desta característica, em contraste com a propriedade de ser silenciosa. Esta segunda propriedade configura outra possibilidade causal que poderia, em um outro contexto, atrelar maior sucesso reprodutivo aos animais capazes de acenar com as pernas para potencias parceiros, mas que dado as informações existentes não foi a causa da evolução do "aceno de perna", apenas uma propriedade fortuitamente associada a esse comportamento. Fodor e Piattelli-Palmerini, em uma situação um tanto diferente da de Plantinga, cometem um erro semelhante a ele. Não compreender o processo de seleção natural, desconsiderando completamente as maneiras pelas quais os cientistas valem-se deste princípio para investigar a evolução de características funcionas dos seres vivos, acomodando fatos, fazendo predições sobre seu comportamento em certos ambientes e seu impacto esperado no sucesso reprodutivo dos mesmos, criando modelos e teorias explicativas tremendamente elegantes. Fodor e Piattelli-Palmerini, apesar de não duvidarem da tese naturalista, como faz Plantinga, vão além e criticam a seleção natural como um princípio explicativo que para eles deve sempre tomar a forma de uma lei de cobertura. Segundo estes autores, para que a seleção natural funcionasse como tal, deveria definir, de forma independente do contexto, sempre quem é o indivíduo com maior aptidão. Mas como aponta Sober em uma discussão online com Fodor, o tipo de generalidades e comportamento “legiforme” que podemos detectar na evolução não são encontrados em um nível tão alto e abstrato, como querem Fodor e Piattelli-Palmerini. Precisam ser buscados no nível ecológico-funcional e investigados de acordo com a situação e isso não deveria ser encarado como demérito já que a vida é tremendamente diversa e a evolução contingente.
A teoria da evolução por seleção natural é uma teoria eminentemente ecológica e é neste nível, o das interações entre indivíduos e deles com o seu meio em um dado contexto ecológico-demográfico, que as regularidades aparecem e no qual modelos - como o de alocação sexual, predador-presa, etc - nos permitem explicar e testar as explicações evolutivas.
Fodor e Piattelli-Palmerini apressam-se em negar a relevância da prática diária dos biólogos evolutivos, desdenhando de sua capacidade de compreender a própria seleção natural (considerando que tais conhecimentos tratam-se apenas de "mera" história natural), afirmando, de forma idiossincrásica, que a mera definição do princípio de seleção natural, caso fosse uma tese científica, deveria ser capaz de prever sempre quem é o mais apto. Como se hipóteses para serem testadas não precisassem de informações sobre as condições iniciais e de contorno, suposições e hipóteses auxiliares e demais informações contextuais. Como enfatiza Sober, os autores confundem a definição do princípio de seleção natural com a teoria e os modelos de seleção natural.
Os "mais aptos" e as estruturas e comportamentos mais adequados a este conferir esta propriedade, dependerão tanto da variação particular presente em um dado momento, como de sua herdabilidade e das formas alternativas que estas estruturas e comportamentos tomam nos indivíduos rivais, bem como dos detalhes demográficos da população em questão. Apenas a partir do conhecimento destes fatores é que será possível estimar quais indivíduos deixariam mais descendentes, de acordo com o princípio de seleção natural, e, assim, comparar a aptidão esperada com o que de fato ocorre, a aptidão real dos organismos. Testando, desta maneira, as predições de modelos de seleção natural específicos e avaliando se outros fatores evolutivos (deriva genética, restrições de desenvolvimento, trade-offs envolvendo outras características etc) estão presentes e são mais ou menos importantes do que a seleção natural.
Também discuti os problemas dos argumentos de Fodor e Piattelli-Palmerini em uma resposta do formspring e ali são fornecidos vários links sobre o assunto além de um para uma discussão entre Fodor e Sober, bastante esclarecedora e ao mesmo tempo exasperante, principalmente, devido a cabeça dura de Fodor, um em outras circunstâncias excelente filósofo, e por causa da paciência e exasperação de Sober que tenta ao máximo colocar um pouco de juízo no colega.
[2] A concepção clássica de conhecimento às vezes também denominada de concepção tripartite, define a verdade como uma forma de crença, mas não qualquer forma de crença. Especificamente, uma crença que seja ela mesma verdadeira e adequadamente justificada. Em forte associação com esta concepção de conhecimento está uma outra concepção, ainda mais epistemicamente profunda, a da verdade como aquilo que corresponde a realidade, a chamada concepção de correspondência da verdade. Porém, caso tomemos ao pé da letra esta concepção de verdade e a definição tripartite de conhecimento, nos deparamos com um problema muito sério, como chegar à verdade sobre o mundo.
Um longo histórico de debates sobre estas concepções caracterizam a filosofia, desde seu surgimento na Grécia antiga. As críticas a esta definição de conhecimento vão desde aquelas que apontam que esta concepção é por demais exigente – i.e. por prescindirmos de outras maneiras de verificar a veracidade de algo, além das que utilizamos para justificar nossas crenças, que fossem elas mesmas infalíveis (a não ser em situações em que a verdade é fruto de definições e axiomas, portanto, de pouca ajuda para compreendermos os fatos do mundo), jamais alcançaríamos o conhecimento a não com relação a questões triviais - até as propostas que consideram tal definição insuficiente, pois haveriam casos em que possuiríamos a crença verdadeira baseada em uma boa justificativa, mas cuja veracidade não se deveria a justificativa assumida, e a verdade da crença seria uma mera questão de coincidência, como os indicariam os exemplos de Edmund Gettier.
Por isso outras concepções de conhecimento e verdade são investigadas, defendidas e debatidas pelos filósofos, geralmente, reconhecendo a falibilidade de nossas crenças e concentrando-se nos métodos que utilizamos para certificarmo-nos delas e na confiabilidade dos mesmos, principalmente, ao considerarmos seu histórico de "rastreamento da verdade". Como os pragmatistas Norte-americanos e outros filósofos argumentaram, não faz muito sentido prático defendermos concepções de verdade completamente dissociadas dos métodos que usamos para avaliar a adequação de nossas crenças ao mundo a nossa volta. Claro, nesta perspectiva, a avaliação e as justificativas não são jamais consideradas perfeitas e absolutas, e nossas crenças são sempre passíveis de revisão, existindo espaço para o erro. A consciência dessa possibilidade nos tornaria, na verdade, mais vigilantes e cuidadosos a respeito do que consideramos verdade e sobre as maneiras que utilizamos para chegarmos a nossas crenças.
Law, Stephen 2008 Guia Ilustrado Zahar de Filosofia Coleção Guia Ilustrado Zahar [Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges e Revisão técnica: Danilo Marcondes] JZE 1a.ed 352
pp ISBN:978-85-378-0070-6 [veja especialmente “O que é conhecimento?” nas páginas 58-63]
Recomendo também os ótimos artigos disponíveis no porta crítica na rede sobre o tema.
[3] Como Griffiths afirma, o termo “umwelt” foi criado pelo pesquisador Jakob Johann von Uexküll que nasceu em 8 de setembro de 1864 e faleceu em 25 de Julho de 1944 na Estônia, nas proximidades do mar Báltico. O Biólogo de ascendência germânica trabalhou com fisiologia muscular e comportamento animal, sendo um dos pioneiros na abordagem cibernética no estudo dos seres vivos. No entanto, sua mais lembrada contribuição foi à biologia teórica, o conceito de “umwelt” (“mundo em torno”) que pode ser considerado como o marco na criação da chamada Biossemiótica.
O unwelt de um ser vivo seria definido pelas formas que este organismo interage com o meio a sua volta, onde apenas as interações realmente relevantes para a sobrevivência e reprodução seriam as constitutivas de significação para este ser. Desta maneira seria o próprio organismo (de forma não consciente, claro) que definiria o seu “mundo em torno”. Assim, por exemplo (de acordo com a paráfrase de Uexküll por Agambe citada na wikipedia), para um carrapato o seu mundo, o Umwelt, seria constituído apenas por apenas três portadores (biossemióticos) de significância: (i) o odor de ácido butírico, que emana dos folículos sebáceos de todos os mamíferos; (ii) a te (mperatura de 37°C (correspondente a temperatura do sangue de todos os mamíferos); e (iii) a tipologia peluda dos mamíferos. Da mesma forma, o umwelt de uma bactéria envolveria a acidez do meio, as relações entre viscosidade, densidade e temperatura e fatores de escala associados a números de Reynolds muito pequenos, o nível de açúcar e outros nutrientes, além dos sinais químicos (como feromônios) de outras bactéria co-específicas ou não.
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O argumento de Plantinga já havia recebido uma análise superficial no nosso antigo formspring, onde são indicadas referências e links extras para artigos e entradas em blogs de autores, como o próprio Sober, além de Paul Draper, Evan Fales e Stephen Law que destrincham outros problemas na argumentação do renomado filósofo da religião.
Em uma nota mais pessoal e de um leigo, o argumento de Plantinga não prova ou mesmo demonstra ser mais provável que exista um Deus criador que garanta a confiabilidade de nossas faculdades e, portanto, de nossas inferências sobre o mundo que dão base a nossas crenças. No meu entender apenas argumenta que se assumirmos de antemão que existe tal ser, e que ele agiria desta maneira, poderíamos confiar em nossas crenças e estarmos certos de que elas seriam verdadeiras. Entretanto, tal teses não nos imuniza ao argumento cético já que não podemos ter certeza de nenhum dos pressupostos necessários para tanto, tornando tal crença um ato de fé. Mas mais do que isso, quando fazemos essa suposição e ao mesmo tempo aceitamos os resultados das ciências naturais, e algumas de suas implicações, podemos ser confrontados com certas consequências, no mínimo, muito estranhas caso resolvamos encarar as coisas como parece sugerir o argumento Plantinga. Foi exatamente esta possibilidade uma das coisas que primeiro chamaram a minha atenção ao ler pela primeira vez o argumento de Plantinga, e que fiz menção na referida resposta dada no formspring:
"Posso estar simplificando demais e até não ter compreendido direito os argumentos de Plantinga, mas eles parecem sugerir que mesmo que o conceito de Deus seja supérfluo na prática diária das ciências - e até, como alguns sugerem, improvável dado o avanço das ciências - isso, na realidade mostraria que, de fato, Deus existe pois só sobre a premissa sobrenaturalista isso faria sentido e poderia refletir a verdade. O que me soa como uma piada.”
Meu problema com o argumento de Plantinga é que ele precisa, não só pressupor que Deus guiaria a evolução de modo a dar aos seres humanos faculdades, não apenas que aumentassem o seu sucesso reprodutivo, mas que fossem capazes de detectar a verdade - mas que a evolução, por ela mesma (isto é de forma completamente naturalista), não pudesse assim fazê-lo (como Griffiths mostra ser uma conclusão completamente infundada)-, mas, além disso, Plantinga tem que aceitar que este mesmo Deus teria criado um mundo que, dado suas aparências e o modo como nossas faculdades perceptivas e cognitivas funcionam (e como as ciências se estruturam), nos levaria a concluir que estas mesmas faculdades colocariam dívidas sobre nossa capacidade de detectar a verdade. Este simples fato, ao mesmo tempo, levaria muitos cientistas e filósofos a crerem na falta de necessidade de um criador divino (e até na incompatibilidade deste estado de coisas com a existência de um criador sobrenatural benevolente), o que seria reforçado pela escassez de qualquer evidência clara de sua existência ou mesmo a inexistência de um consenso mínimo sobre como obter estes tipos de evidência. Assim, a partir da pressuposição sobrenaturalista de Plantinga muitas das verdades cujo nosso conhecimento das mesmas seriam garantidas pelo ente divino, parecem depor contra a a possibilidade desse conhecimento e mesmo da existência do ente que supostamente as garantiria. Não ganhamos nenhuma nova compreensão da questão ao assumir a existência de um Deus que tenha conferido confiabilidade a nossos sentidos e faculdades mentais. Tal suposição caso levada ao extremo é posta em cheque pelos próprios fatos que mostram com erramos e nos confundimos em várias situações (fatos esses utilizados no próprio argumento); e, caso admitamos nossa imperfeição, tal pressuposição, torna-se irrelevante já que não é capaz de nos dizer quais as faculdades mais confiáveis e nem em que situações poderíamos confiar nelas. Também não resolve a questão epistemológica fundamental sobre como podemos saber que realmente sabemos de algo, dado a concepção tradicional de conhecimento, sendo de fato muito pouco esclarecedora. Ao invés de nos dar bases seguras, o argumento de Plantinga, assume esta segurança e a atribui a uma divindade criadora e benevolente, mas que ao mesmo tempo nos permite manter uma série de crenças contraditórias o que nos leva de volta ao problema de como diferenciá-las e saber quais as corretas. O argumento evolutivo contra o naturalismo, caso minha interpretação esteja correta, seria, então, um golpe também na própria versão sobrenaturalista defendida por Plantinga, a menos que ele forneça razões, independentes, para justificar que apenas as crenças que sustentam a existência da divindade estariam corretas. Obviamente não é assim que pensa Plantinga, mas as razões que o levam a acreditar na superioridade da teses sobrenaturalista - conjugada ao que nos é mostrado pelas ciências, especialmente pela biologia evolutiva - não são claras ou, pelo menos, não são tão divulgadas como o argumento contra o naturalismo em si.
O problema com o argumento de Plantinga pode ter se originado de uma confusão por parte do filósofo entre o naturalismo metafísico e a versão mais difundida entre os cientistas, a metodológica (que deixa questões de cunho religioso de lado), esta última uma crença adquirida a posteriori e não simplesmente pressuposta, como parece querer Plantinga. Isto é, adquirida por causa de seu sucesso em explicar a natureza, sua simplicidade e sua operacionalidade atingida, principalmente, ao não assumir de antemão a existência de entidades metafísicas extras-naturais - completamente fora de nosso controle e de nossa capacidade de explicação, não cerceadas por leis - recorrendo apenas a princípios, mecanismos e leis que possamos utilizar na investigação minuciosa dos problemas científicos e avaliar empiricamente.
O ponto crucial talvez seja que é muito mais simples admitir que realmente somos limitados e o tipo de certeza que querem alguns teólogos e filósofos parece ser apenas uma quimera, sendo essas limitações e enviesamentos perceptivos e cognitivos são melhor explicados pela contingência do processo evolutivo que caso seja "guiado" (seja lá o que signifique isso) não deixou (até o momento) qualquer evidência científica consensual disso. Contudo, como exposto por Griffiths e outros filósofos, essas limitações não significam que sejamos de todo não confiáveis em lidar com a realidade e mesmo em rastrear a verdade (mesmo que de forma imperfeita) e que, a partir dessas faculdades, possamos adquirir conhecimento, pelo menos, nas acepções menos ambiciosas do termo, deixando questões teológico-filosóficas sobre a realidade metafísica última de lado, pelo menos no que se refere a prática e teorização diária dos cientistas.
Créditos das figuras:
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:AlvinPlantinga.JPG (autor:Jonathunder)
CORBIN O'GRADY STUDIO/SCIENCE PHOTO LIBRARY
NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY
[1] Fodor e Piattelli-Palmerini basicamente recusam-se a aceitar que o que define o sucesso reprodutivo dos organismos, por exemplo, frente aos
seus rivais co-específicos possa variar de situação a situação, como o
exemplo da evolução do aceno de perna através da 'seleção para' a
propriedade de ser “à prova de ruído” desta característica e não de ser
silenciosa, outra possibilidade causal que poderia em um dado contexto
atrelar maior sucesso reprodutivo aos animais capazes de acenar com as
pernas para potencias parceiros. Fodor e Piattelli-Palmerini, de forma
um tanto diferente de Plantinga, cometem um erro semelhante, ao não
compreenderem o processo de seleção natural, desconsiderando
completamente as maneiras pelas quais os cientistas valem-se deste
princípio para investigar a evolução de características funcionas dos
seres vivos, acomodando fatos, fazendo predições sobre seu comportamento
em certos ambientes e seu impacto esperado no sucesso reprodutivo,
criando modelos e teorias explicativas tremendamente elegantes. Fodor e
Piattelli-Palmerini, apesar de não duvidarem da tese naturalista como
faz Plantinga, vão além e criticam a seleção natural como um princípio
explicativo, a semelhança de uma lei de cobertura, por que para
funcionar desta maneira deveria definir, de forma independente do
contexto, sempre quem é o indivíduo com maior aptidão. Mas como disse
Sober, o tipo de generalidade e comportamento “legiforme” que podemos
detectar na evolução não são encontrados em um nível tão alto e
abstrato.
A teoria da evolução por seleção natural é uma teoria ecológica e é nestes nível, o das interações entre indivíduos em um dado contexto
ecológico-demográfico é que as regularidades aparecem e no qual modelos,
como o de alocação sexual, predador-presa, etc nos permitem explicar e
testar as explicações evolutivas. Também discuti os problemas dos
argumentos de Fodor e Piattelli-Palmerini em uma resposta do formspring
e ali são fornecidos vários links sobre o assunto além de um para uma
discussão entre Fodor e Sober, bastante esclarecedora e ao mesmo tempo
exasperante, principalmente, devido a cabeça dura de Fodor, um em outras
circunstâncias excelente filósofo, e por causa da paciência e
exasperação de Sober que tenta ao máximo colocar um pouco de juízo no
colega.