Como distorcer a genética e a biologia evolutiva: Muita ignorância e pouca humildade
Este artigo surgiu de um dos meus encontros com propaganda criacionista na internet e é o segundo do tipo, sendo que o primeiro foi postado em nossa página no tumblr e é intitulado “Receita criacionista: Presunção e ignorância” e que, como esse, também havia sido motivado por outro desses encontros, no mesmo site de perguntas e respostas.
Existe um certo padrão nestas propagandas. Geralmente começam por perguntas supostamente destinadas às pessoas de bom senso, que aceitam a realidade da evolução biológica e da assim chamada "Teoria Evolutiva". Porém, na realidade, tem como alvo os que não conhecem o mínimo de biologia evolutiva e que já tendem a simpatizar com os criacionistas. Uma pergunta em particular valia-se de um vídeo ["As Moscas-das-frutas e as Mutações Genéticas"] como fonte que, em tese, serviria de suporte para uma série de outras perguntas que deveriam deixar os ‘evolucionistas’ sem respostas e embaraçados, mas que na realidade só deveriam embaraçar ao autor da pergunta e o do vídeo criacionista.
Meu alvo aqui, entretanto, não são diretamente os criacionistas, mas sim os leigos que podem se impressionar com este tipo de retórica e que, portanto, precisam ser alertados sobre o vídeo que não passa de uma simples coletânea de informações distorcidas retiradas de seu contexto e conclusões absurdas baseadas em argumentação por asserção que insistem em dois pontos básicos: (i) o suposto fato da genética provar que uma espécie não pode dar origem a outra espécie; e (ii) a asserção que mesma genética já teria provado que mutações são quase sempre ruins e, portanto, impediriam a evolução em grande escala. Essas duas afirmações, de cara, já mostram o nível de equivocação e confusão dos autores e podem ser facilmente refutadas.
De maneira muito simplificada, a genética não prova que espécies 'só dão origem à mesma espécie'. A especiação, que é o surgimento de uma linhagem a partir de outra, é um fenômeno muito bem documentado, ocorrendo geralmente pela separação e isolamento de duas populações de uma mesma espécie que passam a acumular diferenças na medida que evoluem de maneira independente. A especiação é estudada tanto em laboratório em espécies com gerações curtas - como microorganismos, insetos e outros invertebrados, além de vertebrados de pequeno porte como peixes, anfíbios e lagartos - quanto no campo, através da investigação de conjuntos de espécies próximas distribuídas em clinas ou em anel e a análise das suas zonas de contato e hibridização. Existem vários estudos que mostram populações em processo de diferenciação genética em curso, evidências de especiação recente corroborados por dados fósseis, geológicos, biogeográficos e de fontes históricas, evidências diretas de especiação completa e rápida por poliploidia e experimental em populações de laboratório, especialmente de insetos. E, na realidade, boa parte dos principais estudos sobre inviabilidade de híbridos, esterilidade e genes associados a especiação que levam ao isolamento reprodutivo – a base do processo de especiação de acordo com o chamado conceito biológico de espécie – foram e são conduzidos em moscas de fruta (ou moscas do vinagre), isto é, nas famosas drosófilas. Um dos experimentos clássicos demonstrando especiação alopátrica em moscas drosófilas , mas especificamente Drosophila pseudoobscura foi realizado em 1989 por Diane Dodd. O experimento consistiu na divisão de uma única população inicial de moscas, com uma das populações sendo alimentada com alimentos à base de amido e o outra com alimentos à base de maltose. Depois que as populações haviam divergido por muitas gerações, os grupos foram novamente misturados e foi possível observar que as moscas continuaram a preferir acasalarem-se com outras moscas da subpopulação da qual faziam parte e não com as moscas da outra, lembrando que todas eram descendentes de moscas da mesma população original e que portanto não possuíam qualquer preferência anteriormente [1].
Dodd, Diane M. B.. Reproductive Isolation as a Consequence of Adaptive Divergence in Drosophila pseudoobscura Evolution. 1989;43:1308-1311.
Mallet, J. What does Drosophila genetics tell us about speciation? Trends Ecol Evol. 2006 Jul;21(7):386-93. Epub 2006 Jun 9. Review. PubMed PMID: 16765478.
A outra questão é que as mutações induzidas em laboratório, as quais o vídeo faz menção, são muito mais drásticas do que as normalmente encontradas em populações naturais, sendo resultado da exposição deliberada a agentes mutagênicos, como radiação ionizante e vários produtos químicos. Além do mais, essas mutações são escolhidas a dedo em função de seus efeitos mais drásticos e estabilidade de herança sem a qual estes estudos, especialmente os feitos no começo do século XX, jamais teriam sido possíveis. Segundo o geneticista evolutivo Richard Lewontin podemos classificar em, pelo menos, quatro tipos as mutações em termos de sua penetrância e o grau de expressividade [2], com as mutações mais clássicas, estudadas pelos geneticistas que trabalham com Drosófilas e outros organismos-modelo, sendo do nível 4, as mais herdáveis, estáveis e qualitativamente óbvias. Na natureza, contudo, o efeito das mutações é muito mais variável, dependendo do pano de fundo genético dos organismos que são acometidos por elas, isto é dos genomas e epigenomas desses seres, além do próprio contexto ecológico-funcional que, por sua vez, depende dos estados bioquímicos, fisiológicos, morfológicos e comportamentais dos organismos e da sua relação com o meio abiótico e biótico, especialmente com os outros indivíduos da mesma população que compartilham com eles o mesmo ambiente, o mesmo pano de fundo genético mas mutações (ou melhor estados alélicos distintos) diferente.
É importante ressaltar que aquilo que normalmente chamamos 'mutações' são, falando de maneira muito simplificada, alterações do material genético herdáveis por linhagens celulares descendentes, que, no caso da grande maioria dos sistemas biológicos, esse material é o DNA. Do ponto de vista evolutivo, entretanto, os principais tipos de alteração genéticas herdáveis são aquelas que ocorrem nas células germinativas, os gametas, por que estas podem ser passadas às futuras gerações.
Contudo, este termo pode ser muito enganador, pois existem vários tipos de mutações, podendo ir das simples substituições de um nucleotídeo por outro, passando pelas deleções e inserções de um ou mais nucleotídeos e pelas inversões, translocações duplicações que podem ser de poucos nucleotídeos ou estenderem-se por grandes segmentos sequência, chegando mesmo a segmentos cromossomos inteiros. As duplicações, em particular, podem também envolverem cromossomos inteiros e até genomas inteiros como no caso da poliploidia, comum em plantas sendo um fator promotor de rápida especiação nestes organismos. Além de terem efeitos diferentes, essas mutações ocorrem com probabilidades diferentes em organismos e em regiões diferentes dos organismos.
O vídeo passa longe do fato de serem reconhecidos três tipos básicos de mutações em relação ao seus efeitos sobre as características que definem a aptidão dos indivíduos: a) as vantajosas; b) as desvantajosas (ou deletérias); e c) as neutras. Com estes termos, na verdade, indicando mais pontos em um contínuo do que propriamente classes estanques. Além disso, com exceção de mutações que afetam grande porções dos genomas especialmente em áreas cheias de genes codificadores e elementos regulatórios, os efeitos da maioria das mutações naturais é pequeno e altamente dependo do contexto genômico e ecológico-funcional e demográfico como já havia comentado [2, 3, 4] [Veja também o artigo “Mutações: A aleatoriedade em sua essência” do evolucionismo.org.]
Isso ocorre por que mutações que, por ventura, ocorram em regiões intergênicas, longe de sequências regulatórias distais e elementos estruturalmente importantes, não deverão ter qualquer efeito sobre o organismo, na imensa maioria das vezes, sendo assim, completamente neutras. Portanto, possuí-las ou não será indiferente, sendo que sua manutenção ou perda dependerá de processos estocásticos como a deriva genética aleatória ou o 'arrasto genético' (“genetic draft”) que opera através do “efeito carona” (“hitchhiking effect”) em que várias loci neutros, e até ligeiramente deletérios, são fixados ou perdidos em função de estarem, respectivamente, mais perto ou mais longe de um alelo em um locus que confira uma vantagem substancial aos seus portadores e que por isso sofre uma “varredura seletiva” (“selective sweep”).
De forma similar, mutações que aconteçam em sequências codificadoras, mas que envolvam a terceira posição de um códon - a unidade do código genético que especifica um determinado resíduo de aminoácido durante processo de tradução de sequências de RNAs mensageiros (mRNAs) pelos ribossomos - muitas vezes não terão efeitos (ou os que por ventura ocorrerem serão muito pequenos), pois não incorrerá na troca de um aminoácido por outro da sequência polipeptídica codificada pelo gene em questão [3]. Também serão menores as chances de efeitos drásticos, mesmo se as mutações acometerem as posições importantes dos códons e alterarem os aminoácidos codificados, caso os mesmos sejam trocados por um aminoácido físico-quimicamentes similares, por exemplo em termos de carga/polaridade e impedimento estereoquímico [5].
A figura acima mostra as consequências funcionais de algumas das mutações que ocorrem nos genes eucariontes, ilustrando a importância das mutações que acometem regiões regulatórias - isto é, que controlam se o gene será expresso ou não e em que quantidade -, nas regiões codificadoras diretamente associadas ao sítios ativos de enzimas (mas em geral apenas as mutações não-silenciosas, especialmente, as que envolvem a substituição por resíduos bem diferentes dos anteriores) e nas junções entre éxons e introns que são importantes para o reconhecimento de onde o RNA pré-mensageiro deverá ser processado para dar origem ao transcrito maduro.
Importante também é o fato que mutações mais amplas em genes que possuam múltiplas cópias terão, geralmente, pouco impacto fenotípico imediato [2]. De fato, estudos com camundongos cujos genes foram interrompidos (“nocauteados”, como se usa no jargão da genética e biologia molecular) mostram que a grande maioria deles não apresentam alterações fenotípicas apreciáveis, o que sugere que deve haver certa redundância e robustez nos sistemas genético-desenvolvimentais [4] [6]. Mas vendo o vídeo você não vai ouvir falar de nada disso.
O interessante é que em um certo ponto do próprio vídeo podemos ouvir a admissão implícita que mutações benéficas ocorrem, quando é dito que a “grande maioria das mutações são prejudiciais” já que isso quer dizer que outras (mesmo que uma pequena parte delas) seriam benéficas ou, pelo menos neutras. Esta admissão pode parecer sutil e inconsequente, mas é exatamente aí que entra a seleção natural (SN) que ao contrário do que é apregoado por criacionistas não é aleatória em um sentido muito importante, já que ela é capaz tanto de livrar-se das mutações desvantajosas como filtrar e amplificar a frequência de mutações vantajosas em uma população ao longo das gerações. Sendo exatamente esse caráter não-aleatório que torna possível transformar as raras e incomuns mutações benéficas mais comuns em uma população já que seus portadores deixaram mais descendentes e, assim, mais cópias dos genes mutados que causalmente contribuem com o sucesso reprodutivo dos indivíduos que os carregam [6].
Este aspecto do processo evolutivo fica mais fácil de compreender se pensarmos nos efeitos das diferentes mutações na aptidão relativa dos seus portadores, o que nos permite dividir a SN agindo sobre elas em dois tipos:
a) Seleção Negativa ou Purificadora
b) Seleção Positiva
Com o primeiro tipo delas sendo o tipo de SN mais disseminado e bem documentado, suprimindo a variação desvantajosa já que os portadores dessas mutações ou morrem cedo (às vezes nem nascem) ou deixam muito menos descendentes que os tipos selvagens ou a média da população. Portanto, caso esses alelos não sejam recessivos e não haja uma frequência muito grande de novas mutações, surgindo constantemente na população, a tendência é sua rápida eliminação e retenção apenas das variantes não-deletérias. Já o segundo tipo de SN é a que age sobre as variantes que trazem vantagens aos seus portadores, ou seja, não só permitindo que os indivíduos que as possuam desempenhem bem suas funções, como desempenhem melhor que os tipos com os alelos selvagens ou mutantes deletérios, neste caso com o primeiros tendo a tendência de deixar mais descendentes do que os demais tipos, e mesmo do que a média, da população [7]. Na realidade estes dois tipos de seleção podem ser inferidos a partir da comparação as variações de sequência intra e inter-específicas analisando sua discrepância da expectativa de neutralidade, isto é, caso as variantes fossem mais ou menos equivalentes em termos do sucesso reprodutivo diferencial conferido [8]. Claro, tendo como base algumas suposições demográficas e de preferência alguma evidência ao nível mecanicístico e ecológico-funcional do papel das diferentes mutações.
O fato de muitos desses efeitos fenotípicos e do seu impacto sobre a aptidão dos indivíduos dependerem do contexto faz com que este processo não seja engessado, mas bastante fluido já que mudanças no ambiente, uma segunda mutação em outra posição do gene ou mesmo em outro locus podem tornar um gene ou alelo mais vantajoso, menos vantajoso neutro e até inútil. Além de existirem situações em que a eficiência da SN, sobretudo em sua forma purificadora, pode ser diminuída ou aumentada, o que pode ocorrer em função do aumento ou diminuição da população efetiva, intensificação do poder da deriva genética que pode levar a perda ou fixação de alelos e genes por simples flutuações ao acaso. Mais uma vez, ouvido e assistindo o vídeo você não aprenderá nada disso.
Estas informações são de amplo conhecimento dos biólogos evolutivos e estão disponíveis em artigos científicos, sites, blogs e livros-textos, mas infelizmente a maioria das pessoas que espalham as asneiras contidas no vídeo e fazem propaganda contra a teoria da evolução nem se dão ao trabalho de estudar o assunto por meio de fontes adequadas ou tentar compreender um pouco melhor a moderna genética de populações, os modelos de evolução molecular, os estudos em filogenia e genômica comparativa, sem mencionar os princípios básicos de ecologia de populações e comunidades, biogeografia e paleontologia e paleobiologia.
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A pergunta que servia de desculpa para várias perguntas e comentários que usavam o vídeo como fonte era a seguinte:
“Você ainda é um crente da teoria da evolução, que não passou pelo método científico?"
A teoria da evolução parece simples de entender, mas não é. Se trata de um ensino equivocado que se tornou de certa forma um dogma, um amuleto para certos cientistas e ateus. A teoria por si só não deve ser considerada como algo ainda comprovado. Nem deve ser aceita sem questionamento como faz a maioria. Mas ainda tem cientistas que invocam o tempo, o acaso e a natureza, como causas que dão origem e formas aos seres vivos, causas "burras" e incapazes na verdade. Seria uma tentativa de colocar Deus de fora. Veja as limitações da teoria da evolução:”
Como pode ser percebido, desde o começo, já encontramos falácias e os famigerados argumentos por asserção em que o autor simplesmente faz afirmações e não as corrobora com evidências e nem indica fontes, a não ser o patético vídeo já comentado. A confusão entre teoria científica e especulação é clara, o que facilita a negação da evolução biológica ser um fato como a gravidade, já que não observamos a gravidade, apenas as maçãs caindo e os planetas mudando de posição no céu noturno, fenômenos, a partir dos quais, inferimos o fato da gravidade. A gravidade é considerada um fato científico que surge como uma conclusão consensual advinda de muitas linhas de evidência que a tornam a melhor explicação abdutiva para uma série de observações diversas que sem ela seriam arbitrárias e sem sentido.
O mesmo vale para a descendência com modificação e ancestralidade comum que constituem-se na essência do processo de evolução biológica. Ainda que possamos observar diretamente algumas das instâncias evolutivas, e até experimentar com elas, uma parte substancial do processo evolutivo, especialmente o envolvendo grandes períodos de tempo e grupos mais distantemente aparentados, é inferida por múltiplas linhas de evidência indiretas, como as que vêm da biogeografia, morfologia, fisiologia, bioquímica e embriologia comparativa e sistemática, bem como da genética molecular, genômica e proteômica, além da boa e velha paleontologia. Mas esta corroboração indireta não a torna menos factual, já que mesmo observações diretas podem estar equivocadas e, de maneira geral, a evolução é tão bem corroborada que pode ser considerada mais factual do que muitas observações diretas feitas em situações ambíguas. Já o termo "Teoria" se refere ao arcabouço teórico-matemático e conceitual sobre o qual está calcada a moderna biologia evolutiva que diz respeito aos modelos, hipóteses, princípios, métodos de investigação, cadeias de argumentos etc que visam explicar os processos e padrões evolutivos.
O comentário sobre a evolução, na realidade sobre a ciência de modo geral, só apelar para causas ‘burras’, mostra a confusão conceitual do autor e sua ignorância do chamado naturalismo metodológico que aceita sim causação inteligente, mas de origem natural, baseada em modus operandi plausíveis e engendrada por seres espaço-temporalmente delimitados, imperfeitos e com os quais temos experiência direta ou, pelo menos, com os quais possamos usar os seres com que temos experiência direta como base para a formulação de modelos, hipóteses e delineamento dos testes sobre os que não temos. A arqueologia, as ciências forenses, a psicologia comparativa, a etologia etc, além das demais disciplinas das ciências humanas e sociais em que os agentes inteligentes são diretamente conhecidos, são exemplos desse tipo de estratégia. Para saber mais sobre os equívocos do autor e dos movimentos criacionistas sobre o tema, sugiro o artigo aqui do evolucionismo, “A vacuidade do Design Inteligente” que concentra-se na pobreza do Criacionismo do Design Inteligente e a total inefetividade da analogia com o Design. também recomendo os artigos aqui do evolucionismo"Conceitos problemáticos em evolução parte II: Causa e Acaso e Conceitos problemáticos e evolução Parte I: Propósito e "Design" " que entram um pouco mais nas dificuldades que os leigos, especialmente com um certo viés religioso mais tradicional, têm ao tentar compreender certos conceitos da biologia evolutiva.
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Respondendo as afirmações e perguntas que se seguem:
“1. Não há nenhum respaldo científico que verificasse a ocorrência da evolução da espécie (sem experimentação)”
Errado! Existe grande consenso entre os especialistas sobre a factualidade da evolução, calcado em uma gama enorme de evidências observacionais e experimentais sendo documentadas nos últimos 150 anos [veja Talk Origin, Understanding Evolution e Phylotintelligence].
“2. Os fósseis não tem nenhuma evidência de dupla espécie.”
Dupla espécie? Não sei o que ele pode querer dizer com essa expressão já que ele nem cita uma fonte específica, mas pode ter sido apenas um erro ao copiar e colar ou ao copiar, traduzir e colar. De qualquer maneira já discutimos sobre especiação e traduzi dois artigos sobre fósseis de transição e as confusões que os criacionistas cometem ao falar do assunto que podem ser encontradas aqui e aqui:
“3. Foi confirmado em testes as leis de conservação genética por Mendel, que mostram que os descendentes são sempre da MESMA espécie dos antecedentes e que variam no MESMO genoma da espécie.”
Afinal que confirmação é essa? Como já disso, no começo do texto, existem várias evidências de especiação, isto é, de populações que separadas evoluem isolamento reprodutivo em vários níveis e não há nada nisso que vá contra a genética moderna. Não existe 'lei da conservação genética' e o que mais se aproxima disso é o famoso teorema de Hardy e Weinberg um dos alicerces da genética de populações que na realidade demonstra que os sistemas de herança mendeliano podem suportar a evolução por seleção natural, como mostraria mais tarde Fisher [11]. A confusão pode vir do fato que o teorema (às vezes chamado de “Lei de Hardy-Weniberg”) estipula que em certas condições bem específicas - isto é, na presença de cruzamentos panmíticos (aleatórios), população infinita (ou pelo menos muito grande) e na ausência de mutações, deriva, migração e seleção - a constituição genética da população é preservada ao longo das gerações, o que tem como principal consequência o fato que - diferentemente dos sistemas de herança por mistura que eram o modelo padrão para a hereditariedade nos tempos de Darwin (e que lhe deram grande dores de cabeça na época) - a variação poderia surgir e ser mantida, não se diluindo por mistura. Isso mostra que a ideias de evolução e SN eram, em principio possíveis, e que as críticas advindas dos argumentos sobre hereditariedade por mistura, como os de Fleeming Jenkings, não eram relevantes. Apesar das pressuposições por trás do modelo de Hardy-Weinberg serem um tanto irrealísticas, estudos mostram que ele é suficientemente robusto para que possamos utilizá-lo para estimar as frequências gênicas/alélicas e genotípicas de maneira simples uma a partir da outra, mesmo em populações naturais que são finitas, sujeitas a mutação, recombinação, deriva, seleção natural, seleção sexual etc; o que faz com que haja mudança transgeracional e abra a possibilidade para a divergência de linhagens, isto é, evolução. Claro, quanto mais elas se desviarem dos pressupostos, menos o teorema será efetivo, mas ao mesmo tempo estes desvios podem ser usados exatamente para saber se está ocorrendo ou não evolução em dada uma população.
Griffhs, Antony J. F. et al. Introdução à genética. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, 740 pg
Hartl, D. Princípios de Genética de Populações 3ª Edição Ribeirão Preto:Funpec, 2008. 217 pg
“4. Foi provado que mutações artificiais ou cegas não acrescentam informações ao genoma, apenas variam ou perdem caracteres, se tornando, portanto predominantemente prejudiciais.(vídeo):”
Quem provou isso, afinal? Quando? E onde esta suposta prova foi publicada? O vídeo só traz afirmações sem fontes. Além disso, o autor não diz o que ele entende por informação genética, um conceito bastante esquivo e dado a absusos.
Já comentei no Tumblr (traduzi o artigo do site da New Scientist “Mitos sobre a evolução: Mutações só podem destruir informação” e, principalmente aqui) e no formspring sobre o assunto, explicando como o trabalho de pesquisadores como o do biólogo computacional Tom Schneider, do físico teórico Christoph Adami e do geneticista Jack Szostak aplicam, de forma bem sucedida, a Teoria da Informação (tanto de Shannon como a versão algorítmica de Kolmogorov/Chaitin) em biologia evolutiva mostrando que as medidas derivadas da teoria da informação crescem sim durante a evolução por seleção natural. Além disso, em uma perspectiva mais coloquial é mais do que bem estabelecido que vários processos e mecanismos dão conta do aumento do número, tipo e das funções de genes, tais como duplicação gênica, cotação funcional, embaralhamento de éxons, retrotransposição de genes, fusão e fissão de genes, origem de novo, transferência horizontal etc. Processos explicados em maiores detalhes nos artigos da série “A origem de Nova informação genética”- Parte I e Parte II.
5. Seleção natural é apenas sobrevivência de uma dada espécie, não prova a evolução. O tempo e a "necessidade" dos seres vivos (adaptação) não são suficientes para explicar a mudança em uma nova espécie.
Como já mencionado a SN não é “apenas sobrevivência de uma dada espécie”, mas é sim o principal mecanismo pelo qual a evolução adaptativa se dá e envolve a reprodução diferencial de indivíduos em função da posse de certas características herdáveis que trazem vantagens ecológico-funcionais em um dado ambiente, provocando assim a variação das características hereditárias das populações ao longo das gerações, isto é, EVOLUÇÃO. Portanto, este processo não PROVA a evolução, mas a possibilita. Além do mais, nenhum cientista afirma que só a SN é suficiente para produzir novas espécies. A especiação é um fenômeno complicado e depende de vários processos, entre os quais as mutações, a recombinação, a deriva genética aleatória e os vários processos de isolamento reprodutivo sejam eles geográficos ou ecológicos. Nestes últimos casos a SN divergente para especialização ecológica ou a a seleção sexual para sistemas de reconhecimento entre parceiros podem ter um papel crucial na especiação.
Outro ponto importante é a questão do tempo. De fato, o biólogo evolutivo Sean B. Carroll dedica um capítulo inteiro de seu livro “The Making of the Fittest: DNA and the Ultimate Forensic Record of Evolution” à matemática da teoria evolutiva, mostrando como as estimativas das taxas de mutação, dos tamanhos das populações, das intensidades das pressões de seleção - associadas as análises do registro fóssil e o conhecimento das idades dos diversos estratos - permitem descobrir quando determinados grupos aparecem e como eram suas características originais e, em conjunto, mostram que o tempo não é problema para a evolução. Ao invés de simples asserções, como fazem os criacionistas ou cálculos baseados em caricaturas do processo evolutivo, que não levam em conta seus mecanismos e as estimativas da frequência das mutações, Carroll fornece uma série de exemplos da aplicação dessa matemática.
Carroll, S.B The Making of the Fittest: DNA and the Ultimate Forensic Record of Evolution New York: W. W. Norton & Compan, 2006. 288 pgs.
No ano de 2010, um artigo publicado do Proceeding of National Academy of Science, escrito pelo geneticista teórico Warren J Ewens e pelo matemático, falecido em janeiro deste ano, Herbert Wilf, mostrou por que existe tempo suficiente para a evolução. Os autores usaram um modelo simples de evolução adaptativa (levando em conta mutação e seleção) que captura o caráter essencialmente paralelo desse processo. Bem diferente das caricaturas criacionistas que supõem que o processo de evolução por SN envolvendo múltiplos loci só pode ocorrer com todos os loci tendo que evoluir de uma só vez - caso contrário começar-se-ia do zero cada vez que uma mutação não fosse tão vantajosa - os resultados mostram que não só os criacionistas entenderam tudo errado, ao encararem a evolução como um jogo aleatório de tudo ou nada, como, além disso, estão ordens e ordens de magnitude distantes das estimativas sérias dos tempos necessários para a evolução por SN baseadas em um modelo que captura minimamente os principais mecanismos de evolução por SN e em valores biologicamente plausíveis para os parâmetros usados nele.
Como o que importa são os diferenciais reprodutivos relativos, a evolução de vários alelos e loci se dá mais ou menos ao mesmo tempo com os organismos mais bem sucedidos a cada geração contribuindo mais para a próxima geração em termos de prole a partir do impacto liquido dos diversos loci na adapação e é está característica que torna a evolução mais semelhante a um processo em que cada letra de uma posição em uma sequência qualquer pode ser 'adivinhada' de maneira independente e uma vez selecionada, tende a ser mantida, enquanto as demais letras podem continuar a variar até que tragam uma vantagem. Este resultado é, em linhas gerais, análogo ao ‘supersimplicado’ programa Weasel de Dawkins que também mostra como os criacionistas equivocam-se ao lidar com a evolução por seleção natural, esquecendo seu caráter de retenção e amplificação de raridades.
Wilf HS, Ewens WJ. There's plenty of time for evolution. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010 Dec 28;107(52):22454-6. Epub 2010 Dec 13. PubMed PMID: 21149677; PubMed Central PMCID: PMC3012492.
6.A improbabilidade de mutações aleatórias fazerem surgir uma nova aptidão e um novo genoma perfeito e funcional, sem nenhuma ordem ou design.
Essa é uma das afirmações típicas dos criacionistas e que, como disse e repito, não passa de argumentação por asserção, baseada na incredulidade pessoal. A afirmação sem estimativas e sem qualquer indicação do modelo que teria sido usado é vazia e, como já vimos, destoa das estimativas feitas a partir de modelos mais adequados e publicadas na literatura científica. Se não bastasse essa ignorância, ainda existe a demanda, por parte do criacionista, que os novos genomas sejam perfeitos, quando, para começo de conversa, nenhum genoma é perfeito, já que estão em contínuo fluxo de mudanças, existindo ampla variação populacional e inter-específica, com boa parte dela sendo neutra ou ligeiramente deletéria, além de muitas delas estarem associadas a sequências parasíticas genômicas. Além do mais, os genomas originais só precisam ser 'bons o bastante', e dependendo do tamanho da população, apenas ligeiramente melhores, em termos das vantagens reprodutivas conferidas por ele ao organismo, do que os dos outros indivíduos na população. Isso sem mencionar que, na realidade, processos estocásticos como a deriva genética associada a perda de eficiência da SN em pequenas populações pode ser crucial para a evolução da complexidade biológica como tem mostrado o grupo de Michael Lynch. Sobre este interessante tema, aconselho os artigos sobre estes trabalhos "Além da seleção natural ou a importância da evolução neutra.“ e “O preço da complexidade” que foram postado aqui no evolucionismo.org.
7. A teoria da evolução natural não sabe explicar o surgimento de várias espécies no período Cambriano.
Mesmo que isso fosse verdade, ainda assim, seria de pouca relevância, pois qualquer campo científico não explica cada detalhe de seus objetos de estudo, caso contrário seria obsoleto. É exatamente o fato de existirem questões em aberto e que estão sendo investigadas é que faz um campo ser cientificamente ativo. Esta afirmação é ainda mais irrelevante por ser totalmente equivocada já que a SN não é o único fator postulado e investigado como explicação para a "explosão cambriana". Afinal, um evento de tão grandes proporções certamente envolveu um conjunto de fatores interligados entre os quais alterações das relações ecológicas e demográficas entre as linhagens ancestrais de organismos com simetria bilateral que alteraram as pressões de seleção, mas certamente não foi só isso.
Os biólogos evolutivos e paleontólogos têm sim proposto, e testado através de dados comparativos, várias hipóteses e modelos para explicar a origem de várias linhagens de animais bilaterais ‘esqueletizados’ durante o começo do período Cambriano, com muitos desses cenários, inclusive, baseados na SN agindo em um contexto de uma 'corrida armamentista coevolutiva' decorrente de intensificação de predação ativa e concomitante evolução de esqueletos rígidos, dentes e sistemas visuais, com tudo isso associado a processos intrínsecos aos organismos, como o surgimento de inovações genômicas e desenvolvimentais cruciais (como o “kit de ferramentas” genético-desenvolvimental dos animais bilaterais) e fatores externos aos organismos, como a vicariância por causa da fragmentação de habitats em função de alterações geológicas e climáticas, a liberação das restrições metabólicas e fisiológicas por causa do maior aporte de O2 e de outros nutrientes que teriam aliviado a seleção negativa etc. [Veja sobre isso: “É a evolução geneticamente previsível”, Partes I, II].
O que não existe ainda é um consenso sobre quais seriam as explicações mais corretas, nem sobre muitos dos detalhes de como isso exatamente teria ocorrido, além de restarem controvérsias em relação as estimativas de quando exatamente os primeiros eventos teriam se dado, e quanto a famosa explosão durou (de 5.000.000 a 50.000.000 de anos). Todas perguntas tratáveis, apesar de serem de difícil investigação, especialmente na paleobiologia por que o registro fóssil é escasso e muita informação está para sempre perdida.
Conway Morris S. The Cambrian "explosion": slow-fuse or megatonnage? Proc Natl Acad Sci U S A. 2000 Apr 25;97(9):4426-9. PubMed PMID: 10781036; PubMed Central PMCID: PMC34314.
Marshall, Charles R. Explaining the cambrian “explosion” of animals Annual Review of Earth and Planetary Sciences Vol. 34: 355-384, may 2006 DOI: 10.1146/annurev.earth.33.031504.103001.
Marshall CR, Valentine JW. The importance of preadapted genomes in the origin of the animal bodyplans and the Cambrian explosion. Evolution. 2010May;64(5):1189-201. Epub 2009 Nov 20. PubMed PMID: 19930449.
Nielsen C, Parker A. Morphological novelties detonated the Ediacaran-Cambrian "explosion". Evol Dev. 2010 Jul-Aug;12(4):345-6. PubMed PMID: 20618429.
Peterson KJ, Cotton JA, Gehling JG, Pisani D. The Ediacaran emergence ofbilaterians: congruence between the genetic and the geological fossil records.Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2008 Apr 27;363(1496):1435-43. PubMed PMID: 18192191; PubMed Central PMCID: PMC2614224.
8. A teoria da evolução não sabe explicar como surgiram as aptidões.
Como assim? A teoria de evolução por SN de variantes fenotípicas geradas por mutações ao acaso é a explicação padrão para a adaptação ao ambiente em contínua mudança. A SN agindo cumulativamente ao longo de várias gerações consegue dar conta de várias das principais adaptações, mas além da SN existem outros fatores, processos, mecanismos e determinantes que explicam de maneira ainda mais completa esse bom ajuste entre os organismos e seu meio. Por exemplo, a cooptação funcional de estruturas preexistentes - sejam elas produtos diretos ou indiretos de adaptações anteriores ou de restrições desenvolvimentais, processos de auto-organização e/ou flexibilidade fenotípica - é um exemplo destes outros fatores. Estes processos conjuntamente com a SN e fatores estocásticos que aumentam a tolerância às mutações ligeiramente deletérias também, contribuem para explicar este processo de “produção do apto” [10].
O próprio livro que mencionei "The Making of the Fittest" discute essa questão em termos mais simples. Além do mais, já são mapeadas várias mutações que desempenham um papel crucial neste processo, como as envolvendo duplicações, embaralhamento, translocações e inserções de segmentos gênicos associados ao controle do desenvolvimento, especialmente elementos cis- e trans- regulatórios, além da própria modularidade dos organismos e dos sistemas em desenvolvimento. Os artigos do evlucionismo sobre Evo-Devo da série “É a evolução geneticamente previsível” (partes I, II e III, além do mais recente sobre resultados experimentais que confirmam as intuições de mais de 60 anos de Alan Turing, “Viva Turing ou como os camundongos conseguem seu palato enrugado.”) são uma ótima dica, por exemplo.
Carroll, S.B. The Origins of Form. Natural History, 2005. 114(9):58-63.
Carroll,S.B., Prud'homme, B., and Gompel, N. Regulating Evolution. Scientific American 2008 May: 32-39.
9. A teoria da evolução não sabe explicar a origem e divisão dos sexos, nem a evolução sexuada simultânea.
Aqui, mais uma vez, o autor confunde as coisas e parece completamente ignorante sobre os modelos para a origem e manutenção do sexo, associados a predação, controle de parasitas genômicos, coevolução parasita-hospedeiro, quebra de ligação entre mutações desvantajosas, atenuação de competição intragenômica etc. Essas hipóteses são todas testáveis e têm vários níveis de evidência e argumentos em seu favor, permitindo a continuação das investigações que é fundamental para uma disciplina científica [Vejam nossos artigos sobre o tema, como "Rainhas, besouros e fungos 'degenerados" e "Por que genes imunitários que nos prejudicam persistem?" e esta resposta do Tumblr]. Sugiro também os seguintes artigos e lins, "The Advantages of Sex" de Matt Ridley, os artigos da Nature Reviews cujo foco é a Evolução do Sexo, a video-aula de Stephen C. Stearns, biólogo evolutivo da Universidade de yale e e a introdução a edição especial da revista Science, “The Evolution of Sex” escrita por Elizabeth Culotta e Pamela Hines e este interessante vídeo do youtube.
A morfologia comparada dos seres vivos é uma tentativa primitiva de explicar a evolução gradual, já que nenhum dos itens anteriores mostraram evidência.
Isso nem faz sentido, pois a morfologia comparada é umas das linhas de evidência que corroboram a realidade da ancestralidade comum e da descendência comum e quando os itens anteriores (tirando os que nem fazem sentido) estão em acordo com a gigantesca montanha de evidências científicas.
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Detalhes Adicionais
Darwin depois de elaborar sua teoria, foi honesto em dizer que ela poderia ser questionada. Ele afirma na seguinte frase" se pudesse ser demonstrado um órgão complexo.... minha teoria estaria destruída". Mas ainda tem cientistas que invocam o tempo, o acaso e a natureza, como causas que dão origem e formas aos seres vivos, causas "burras" e incapazes na verdade. Seria uma tentativa de colocar Deus de fora.
O que ele chama de causas ‘burras’ é o feijão com arroz das ciências naturais, o campo mais bem sucedido das ciências modernas que dá suporte aos demais campos do conhecimento principalmente em termos de tecnologia. Não há qualquer demonstração da relevância e fertilidade de ser levar em conta supostas causas “inteligentes” não-naturais sem primeiro ter evidências diretas para os agentes que estariam por trás delas ou, pelo menos, sem que propostas claras de diagnóstico e teste das mesmas fossem oferecidas, que não fossem a simples negação das evidências da biologia evolutiva e da ciência moderna como um todo. Veja por exemplo o artigo a “A vacuidade do Design Inteligente!” e o excelente artigo de Emile Zuckerkandl.
Zuckerkandl E. Intelligent design and biological complexity. Gene. 2006 Dec 30;385:2-18. Epub 2006 Aug 5. Review. PubMed PMID: 17011142.
A biologia evolutiva é um dos campos mais prolíficos das ciências modernas e a evolução é aceira como fato pela imensa maioria da comunidade científica, com a oposição restante tendo um viés ideológico e sendo em sua maioria vinda de pesquisadores fora das áreas de ciências da vida e geociências que lidam não diretamente com a evolução e suas consequências. Também é absurdo negar que a moderna biologia evolutiva tem uma enorme relevância prática seja nos estudos sobre resistência a agentes quimioterápicos por parte de vírus, bactérias e protistas e células tumorais, além da evolução da resistência a pesticidas por parte de ervas daninhas e insetos, como na investigação da dinâmica ecológica e populacional de espécies de vetores de doenças, espécies invasoras, agentes polinizadores e dispersores de semente etc, portanto, sendo um campo de conhecimento fundamental no controle de doenças emergentes e seus vetores e na biologia da conservação, como por exemplo, ao estudar o impacto da pesca nas populações de peixes e mudanças de suas características biológicas por conta disso. A biologia evolutiva também inspira novos campos da pesquisa aplicada como a computação evolutiva e a evolução dirigida de biopolímeros in vitro, apenas para citar dois exemplos. Por isso tudo, negar a realidade da evolução e a importância da biologia evolutiva não é só um triste ato de ignorância, mas uma atitude inconsequente e perigosa, pois não podemos prescindir desse tipo de conhecimento.
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Referências:
Freeman, S; Herron, J. C. 2009. Análise Evolutiva. 4a. ed. Porto Alegre: ArtMed Editora, 831 pg
Futuyma, D.J. Biologia Evolutiva. 3ª Edição. Ribeirão Preto: Funpec, 2009. 830 pg
Hartl, D. Princípios de Genética de Populações 3ª Edição Ribeirão Preto:Funpec, 2008. 217 pg
Lewin, R. Evolução humana. São Paulo: Atheneu, 1999, 526 pg.
Mayr, E. 2009 O Que é a Evolução Rio de Janeiro: Rocco Editora, 342 pg.
Ridley, M. 2006. Evolução. 3a. ed Porto Alegre: ArtMed Editora. 806 pg
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Nota 1: Recomendamos as páginas do site Talk Origins Archive sobre especiação, "Observed Instances of Speciation" e "Some More Observed Speciation Events", além da página da universidade de Berkeley sobre o assunto "Evidence for speciation" no site Understanding Evoluton. Segue uma ilustração do trabalho de Dodd publicado na revista Evolution em 1989 com o experimentos mencionado:
:
Nota 2: Esta informação está na ótima palestra de Lewontin disponível em vídeo sobre o uso de metáforas em genética e evolução "" e a ideia de geral de penetrância e expressividade podem ser econtradas na maioria dos manuais de genética, como por exemplo em Grifths et al. (2000), livro texto clássico disponível online em sua versão em inglês no site do NCBI. A discussão é uma continuação da discussão sobre 'normas de reação' outro conceito não-mencionado no vídeo criacionista e que é de grande importância:
"No exemplo anterior, a base genética da dependência de um gene de outro é deduzida a partir claras razões (ratios) genéticos. No entanto, apenas uma pequena proporção dos genes no genoma prestam-se a tal análise. Uma propriedade importante é que a mutação não exiba uma redução da viabilidade ou a fertilidade em relação ao tipo selvagem de modo que a frequência de recuperação de classes de mutantes e de tipo selvagem não são assimétricos
Outra propriedade é que a diferença na norma de reação (ver Capítulo 1) entre o tipo selvagem e os mutantes deve ser tão dramática que não haja sobreposição das curvas de reação para o tipos mutante e o selvagem, e, portanto, possamos utilizar com segurança o fenótipo para distinguir genótipos mutantes dos do tipo selvagem com certeza de 100%. Nesses casos, dizemos que esta mutação é 100% penetrante. No entanto, muitas mutações mostram penetrância incompleta. Assim penetrância é definida como a percentagem de indivíduos com um dado genótipo que apresentam o fenótipo associado com que o genótipo. Por exemplo, um organismo pode ter um genótipo particular, mas não pode expressar o fenótipo correspondente, por causa de modificadores, genes epistáticos, ou supressores no resto do genoma ou por causa de um efeito de modificação do ambiente. Alternativamente, a ausência de uma função de um gene pode ter efeitos intrinsecamente muito sutis, que são difíceis de medir em uma situação de laboratório.
Outra medida para descrever a gama de expressão fenotípica é chamado expressividade. Expressividade mede o grau ao qual um dado genótipo é expresso ao nível fenotípico. Diferentes graus de expressão em diferentes indivíduos pode ser devido a variação na constituição alélica do resto do genoma ou a fatores ambientais."
Griffiths AJF, Miller JH, Suzuki DT, et al. An Introduction to Genetic Analysis. 7th edition. New York: W. H. Freeman; 2000. Penetrance and expressivity. (Trecho online disponível aqui).
"Sempre que possível, os geneticistas evitam estudar os genes que têm penetrância apenas parcial e expressividade incompleta (ver Capítulo 4) por causa da dificuldade de fazer inferências genéticas a partir de tais características. Imagine o quão difícil (se não impossível) teria sido para Benzer estudar a estrutura fina do gene em fagos, se o único efeito dos mutantes rII fosse uma redução de 5 por cento na sua capacidade para crescer em E. coli K em relação ao tipo selvagem. Em sua maior parte, então, os estudos da genética apresentados nos capítulos anteriores tem sido os estudos de substituições alélicas que causam diferenças qualitativas no fenótipo."
Griffiths AJF, Miller JH, Suzuki DT, et al. An Introduction to Genetic Analysis. 7th edition. New York: W. H. Freeman; 2000. Introduction. (Trecho online disponível está aqui)
Nota 3: O termo mutação pontual originou-se antes do advento das técnicas de sequenciamento do DNA e portanto antes de ser possível descobrir as bases moleculares de um evento de mutação. Atualmente, mutações pontuais tipicamente referem-se a alterações envolvendo um único par de bases do DNA ou um pequeno número de pares adjacentes. Essas mutações em geral são caracterizadas em relação ao seu impacto ao nível da expressão de proteínas. Ao nível do DNA existem dois tipos principais de mutações pontuais substituições de bases em que um nucleotídeo é trocado por outro e adições e deleções de bases, em que nucleotídeos são acrescentados ou subtraídos do DNA. O primeiro tipo pode ser subdividido em outros dois tipos, as transições e transversões que dizem respeito a substituições de purinas por outras purinas (A → G ou G → A) ou de pirimidinas por outras pirimidinas ( C → T or T → C) e entre purinas e pirimidinas e vice-versa (pirimidina por uma purina: C → A, C → G, T → A, T → G; purina por uma pirimidina: A → C, A→ T, G → C, G→ T), sendo as primeiras mais frequentes que as últimas.
As consequências funcionais dessas mutações como já aludido dependerão de onde no genoma essas alterações tiverem lugar. Por exemplo, quando essas mutações recaem nas regiões codificadoras de um gene podemos subdividi-las em três categorias que são consequências diretas de dois aspectos do código genético: a) sua degeneração e b) a existência de códons que especificam a parada do processo de tradução:
Substituições silenciosas: A mutação modifica um códon transformando-o em outros, mas que especifica o mesmo resíduo de aminoácido do códon anterior. Essas mutações são também chamadas de mutações sinônimas.
Mutações senso errado (“Missense mutations”): O códon é modificado em outro que codifica um resíduo de aminoácido diferente do especificado pelo códon anterior, portanto, modificando a sequencia primária do polipeptídeo codificado pelo gene.
Mutações sem sentido (“Nonsense mutations”): O códon é trocado por um códon que marca o termino da tradução, ou seja, um chamado códon de parada, o que durante a tradução dará origem a uma proteína truncada, incompleta.
As substituições silenciosas não alteram o aminoácido codificado, deixando a sequência intacta sendo seu impacto praticamente nulo, talvez apenas relevante em situações onde a escassez do RNA transportador específico para do novo códon para o novo aminoácido, podendo, com isso, lenificar a tradução e trazer consequências sutis nos níveis da proteína ou em seu padrão de enovelamento. No entanto, não há quase informações sobre quais seriam estes impactos e mesmo quão relevantes eles seriam para a aptidão dos indivíduos. Já a severidade dos efeitos de mutações 'missense' e 'nonsense' ido dependerão do polipeptídeo em questão e diferirão caso a caso. Mutações do tipo senso errado em que causam a troca de um resíduo por outro quimicamente semelhante terão em geral impacto muito pequeno e mesmo que troquem por um resíduo diferente seu impacto dependerá de qual porção do polipeptídeo a mutação ocorreu já que regiões nos sítios ativos e sítios alostéricos por exemplo terão muito maior impacto podendo inativando completamente a função da proteína (mutações nulas) do que as que ocorrerem em outras porções, por exemplo, mais externas do polipeptídeo enovelado que provavelmente terão efeitos menores resultando em mutantes apenas parcialmente inativos ou “com vazamentos”. As consequências de mutações sem sentido que resultam em um polipeptídeo truncado são em geral mais severas, como mostra a figura.
Mutações 'nonsense' que levam a terminação precoce da tradução resultando em proteínas truncadas seguramente levarão a fortes alterações na função proteica, produzindo proteínas completamente inativas, a menos que a mutações ocorra muito próxima a final 3' do marco aberto de leitura (ORF) que é a região que especifica os aminoácidos mais no final da proteína , da região carboxil terminal.
As deleções e inserções de um único nucleotídeo tem um efeito similar aos das mutações sem sentido que se estendem para bem longe do sítio onde ocorreu a mutação. O que acontece é que esse tipo de substituição (assim como as deleções e inserções envolvem números de pares de base que não são múltiplos de três) alteram o marco de leitura para a tradução, o que faz com que o RNA mensageiro seja lido pelo aparato de tradução do ribossomos de maneira completamente a partir só local onde houve a adição ou deleção dos nucleotídeos, com as alterações estendendo-se até a região carboxil terminal da proteína. Isso mudará completamente os aminoácidos codificados nesta região, a partir de onde ocorreu a inserção ou deleção. Por isso essas mutações geralmente inativam completamente a função da proteína, a menos que ocorram muito no final da sequência. Claro, casos as deleções ou inserções removam ou acrescentem quantidades de nucleotídeos múltiplos de três apenas removerão ou acrescentarão aminoácidos não interferindo com o resto da sequencia, portanto, aqui de novo as consequências dependerão de onde essas mutações ocorrerem e do número de códons acrescentados ou removidos e dos tipos de aminoácidos por eles especificados.
Fenótipos mutantes que destoam do fenótipo selvagem também podem ser provenientes de alterações em regiões regulatórias de um alelo ou em outros genes que interagem e regulam a expressão de outro gene. Essas regiões regulatórias são segmentos de nucleotídeos de RNA e DNA sobre os quais ancoram-se proteínas chamadas de fatores de transcrição ou repressores (ou que servem de alvo para RNAs regulatório ou enzimas que modificam quimicamente os nucleotídeos ali presentes, como as DNA metilases, alterando sua acessibilidade por fatores de transcrição, repressores e pelo complexo de transcrição, inciadores elongadores etc.) e que são separados uns dos outros e das regiões codificantes por sequências não essenciais, o que torna a previsão dos efeitos de mutações nestes tipos de sequências muito complicados de predizer.
As consequências funcionais de qualquer mutação pontual (substituição, inserção ou deleção) normalmente, nessas porções regulatórias do genoma dependerão da localização específica dos eventos mutacionais e do fato de interferirem ou não com sítio alvo específico para a proteína ou RNA ligarem-se. Entre os exemplos mais comuns podem ser citados os tipos de sítios-alvo para a ligação às proteínas ou RNA são os sítios aceptores e doadores para o processamento (splice) nos introns nos RNAs pré-mensageiros dos eucariontes, sítios de ligação de promotores para RNA polimerase e sítios de ligação para a subunidade 16S RNA ribossômico (sequências Shine-Delgarno) a montante dos sítios de iniciação da tradução em RNAs mensageiros (mRNAs) de procariontes. Este tipo de mutações que perturbem os sítios alvo têm o potencial para alterar o padrão de expressão de um gene em relação a a quantidade de produto expresso, a célula ou tipo de tecido em que é expresso e as pistas ambientais que induzem essa expressão e ao período de tempo em que seus produtos são expressos. Esse tipo de mutação não altera a sequência polipeptídica, portanto, seu efeito é na quantidade do produto proteico do gene, desat forma, não alterando a estrutura da proteína.
Griffiths AJF, Miller JH, Suzuki DT, et al. An Introduction to Genetic Analysis. 7th edition. New York: W. H. Freeman; 2000. How DNA changes affect phenotype.
Nota 4: Existe uma história sobre dois monges caminhando, na Índia, em uma floresta quando os dois avistam um tigre que começa a correr em sua direção fazendo os dois monges saírem em disparada. Em um acerta altura da perseguição, com a cada vez maior aproximação do tigre, um dos monges olha para o outro e resfolegado diz: “Não adianta. Nenhum de nós dois é mais rápido do que o Tigre!” Para o que o outro monge responde, acelerando o passo: “Verdade! Mas eu só preciso correr mais rápido do que você”. Como na evolução por SN, vantagens e desvantagens são relativas e não há necessidade de que mutações benéficas sejam perfeitas ou tragam vantagens absolutas, apenas vantagens relativas que criem diferenciais reprodutivos em favor de seus portadores e que resistam a ação de fatores estocásticos que podem interferir antes que elas possam agir.
Nota 5: Na realidade existem evidências que várias sequências diferentes de uma mesma proteína podem exercer a mesma função, o que pode ser observado pela variação de sequências de DNA e proteínas dentro de uma população que são neutras ou quase neutras e também ao observar a enorme diversidade de sequências entre a mesma proteínas em espécies diferentes, isto é, ortólogos, (e entre proteínas da mesma família que exercem funções as vezes diferentes, os parólogos). De fato poucos aminoácidos em muitos casos são realmente funcionalmente relevantes, muitos conferem estabilidade estrutural e termodinâmica e funcionam mais como um arcabouço mais tolerante a mudanças. Em alguns casos, como no caso de hemoglobinas, existe variação substancial do tamanho das sequências entre as diversas formas de espécies diferentes. Isso pode ser considerado como um exemplo da propriedade “robustez”, como coloca o biólogo evolutivo suíço Andreas Wagner e que não se limita a proteínas com sequência diferentes, mas que mantém o padrão de enovelamento e as relações entre os aminoácidos dos sítios ativos, mas também de proteínas com estruturas diferentes, mas que conseguem dar conta da mesma função (pense nas hemocianinas em comparação com as hemoglobinas) e até biopolímeros diferentes, como as ribozimas.
Bork P, Sander C, Valencia A. Convergent evolution of similar enzymatic function on different protein folds: the hexokinase, ribokinase, and galactokinase families of sugar kinases. Protein Sci. 1993 Jan;2(1):31-40. PubMed PMID: 8382990; PubMed Central PMCID: PMC2142297.
Galperin MY, Koonin EV. Divergence and convergence in enzyme evolution. J Biol hem. 2012 Jan 2;287(1):21-8. Epub 2011 Nov 8. PubMed PMID: 22069324; PubMed Central PMCID: PMC3249071.
Nota 6: Estudos recentes, na realidade, mostram até um perfil de dispensabilidade de certos genes (ou cópias de genes) detectados em estudos até em seres humanos, o que mostra que certa redundância molecular ou sistêmica (às vezes chamada de “degenerecência”) acaba servindo muitas vezes como tampão da variação ambiental e introduzida por mutações, conferindo certo grau de robustez aos sistemas biológicos, no que alguns chamam de “canalização”. Estas propriedades agindo conjuntamente com a modularidade, isto é, a semi-autonomia de certos genes, vias bioquímicas e circuitos genético-desenvolvimentais de outros sistemas com que interagem o que acaba por facilitar a evolução. Recentemente escrevi sobre alguns trabalhos que discutem exatamente a dispensabilidade de certos genes presentes em múltiplas cópias (“Sobre a dispensabilidade de certos genes humanos.”) que tem ajudado a montar um quadro melhor dos efeitos fenotípicos das mutações o que pode nos permitir destrinchar melhor os estudos genômicos e separar as perdas de genes realmente relevantes a nossa saúde daqueles que são de pouco ou nenhum efeito.
Nota 7: A evolução por SN é uma das principais contribuições de Charles Darwin e Alfred Russel Wallace em relação a questão da adaptação, consistindo na dependência da reprodução diferencial da posse, por parte de determinados indivíduos, de certas características fenotípicas herdáveis em um certo contexto ecológico-demográfico. Isto é a maior aptidão desses indivíduos é causalmente correlacionada a certas características bioquímicas, fisiológicas, morfológicas ou comportamentais e aos seus genótipos subjacentes. Portanto, a seleção natural não é tautológica e não equivale a reprodução diferencial, pois caso não haja esta vinculação não há seleção e sim deriva genética aleatória, já que as chances de nascimento e óbito flutuam ao acaso de acordo com uma infinidade de circunstâncias e processos independentes, portanto, nestes casos a reprodução diferencial não seria resultado de seleção.
Como coloca o geneticista Gabriel Dover:
“A seleção natural é uma conseqüência das diferenças no sucesso reprodutivo entre fenótipos individuais distintamente únicos que vivem em uma determinada geração, resultando em uma representação enviesada de genes na próxima geração”
Dover, G. 2012. Darwin and the Idea of Natural Selection. eLS.
Outra confusão comum é atribuir a seleção natural algum tipo de intencionalidade, equiparando-a a algum agente consciente, mas ela é um simples produto de interações ecológicas entre os diversos indivíduos entre si e deles com o resto de seu meio-ambiente que funcionam como os fatores seletivos per se que, como podem variar muito, tornam o processo muito dependente do contexto, variando em relação a intensidade e direção em função de uma série de parâmetros associados a estas interações e dos detalhes dos sistemas de reprodução, acasalamento e estruturação da população, bem como da oferta de variabilidade e das restrições impostas pela física e química, pelo histórico evolutivo pregresso e da forma como organizam-se os organismos de modo geral.
Nota 8: Além da classificação em relação ao efeito sobre as mutações (positiva e purificadora), a seleção natural também pode ser dividida de acordo com o seu efeito sobre a distribuição de caracteres quantitativos em uma população ao longo de várias gerações, o que nos permite dividi-la em seleção estabilizadora (em que os valores extremos de uma distribuição são desfavorecidos); a seleção direcional (em que um dos valores extremos é favorecido e o extremo oposto desfavorecido) e a seleção disruptiva (em que os valores intermediários são desfavorecidos enquanto os extremos são favorecidos) que pode levar há divergência em uma população favorecendo sua divisão.
Nota 9: As duas formas de seleção natural, purificadora e positiva deixam assinaturas moleculares distintas que podem ser identificadas pela analise das taxas relativas de substituições não-sinônimas, isto é, as que envolvem a mudança do aminoácido codificado, em relação as substituições sinônimas, ou seja, que não envolvem a mudança do aminoácido codificado, ω (= dN/dS). Essa razão reflete as pressões seletivas de longo prazo pelas quais passaram os organismos por causa dos fenótipos a eles conferidos por seus genes que acabam que, por sua vez, deixam alteram os seus padrões de abundância relativa de certos tipos de substituições. A maioria dos métodos de detectar essas assinaturas deriva do fato que sob neutralidade, ou seja, caso as substituições estivessem ocorrendo sem impactar funcionalmente significativamente as biomoléculas codificadas e, por isso, não interferindo de maneira apreciável nas diferenças no sucesso reprodutivo dos portadores de uma ou de outra variante - seria esperado que as taxas de variação sinônima e não-sinônima fossem bem semelhantes, aproximadamente iguais, de tal modo que ω = 1[Para saber mais sobre o assunto veja o artigo“Marcas da adaptação: A teoria neutra e as assinaturas moleculares da seleção natural”].
Por outro lado, caso estivesse mudanças que alterassem os resíduos de aminoácidos codificados estivessem causando alterações na função e estrutura das proteínas de modo que seus portadores estivessem em desvantagem em termos de sobrevivência e reprodução, esperaríamos que as variantes não-sinônimas fossem purgadas das populações, diminuindo assim ω (<1), isto é, seleção purificadora. Em contraste, caso estivesse ocorrendo seleção positiva, seriam as variantes não-sinônimas as favorecidas, uma vez que as alterações em resíduos de aminoácidos estariam tendo um impacto positivo na sobrevivência e sucesso reprodutivo dos indivíduos que as portassem, ao alterar a estrutura e função das proteínas codificadas pelo gene em questão, aumentando, assim, ω (>1). Para maiores detalhes sobre os testes de identificação de marcas moleculares da seleção usando modelos de evolução neutros, indico o artigo do evolucionismo, "Marcas da adaptação: A teoria neutra e as assinaturas moleculares d..." em que mais detalhes são dados sobre este tipo de estratégia de análise evolutiva.
Nora 10: Na realidade existem outros fatores evolutivos que juntam-se aos que foram reconhecidos durante a síntese moderna da biologia evolutiva nos anos 40 que têm sido incorporados a biologia evolutiva e garantido sua ampliação. O reconhecimento da deriva genética e da neutralidade a partir dos anos 60 e 70 é um dessas novas aquisições e que mudou os estudos de evolução molecular e genética evolutiva de populações quem vem alimentando vários trabalhos que mostram como fatores estocásticos não-adaptativos podem contribuir com o aumento da biocomplexidade e agir em cooperação com fatores como a seleção natural e sexual. Porém, nos últimos anos alguns pesquisadores tem chamado a atenção para o próprio papel das mutações e para a certa tendenciosidade dos processos mutacionais que produzem mais certos tipos de mutações do que outros e como a organização e composição do genoma faz com que certas partes do genoma mutem mais do que outras, respectivamente, sendo chamados de ‘viés de mutação’ e ‘hotspots’.
O viés mais conhecido é a chamada relação entre as transversões e transiçôes que relacionam-se ao fato de mudanças de uma purina para outra ou de uma pirimidina para outra são mais frequentes do que a de uma purina em uma pirimidina e vice versa. Outro processo que também envolve a forma como os genomas estão estruturados e em como se dão suas dinâmicas é aquilo que o geneticista Gabriel Dover chamou de “Impulso Molecular” (‘Molecular Drive”) que é usado para designar as consequências de uma série de processos que homogenizam e mantém a coesão dos genomas dos organismos vivos, como a conversão gênica e conversão gênica enviesada, que surgem como forma de reparo de certos erros de pareamento e recombinação entre cromossomos homólogos e que podem levar ao fenômeno de “evolução em concerto” que faz com que cópias duplicadas de um gene, mas que podem até ter adquirido funções ligeiramente diferentes, mantenham-se mais semelhantes entre si, do que com genes ortólogos em espécies próximas que desempenham funções muito mais equivalentes. Esses mecanismos causam, portanto, flutuações no número de cópias das variantes dos genes em um indivíduo, conduzindo a uma substituição gradual de uma família original de n genes (A) em um número de N indivíduos por um gene variante (a). É esse processo de propagação de um gene variante através de uma família e através de uma população que é chamado "impulso molecular". Parece que foi exatamente o que ocorreu com a família de genes Hox responsáveis pelo padrão anteroposterior (cabeça-cauda) em animais com simetria bilateral. Esses fatores ou forças seriam até certo nível independentes dos demais fatores evolutivos podendo se opor, reforçar ou simplesmente serem indiferentes a seleção natural, ou a seleção sexual ou ainda a deriva genética.
Stoltzfus, Arlin, and Lev Y Yampolsky. Climbing mount probable: mutation as a cause of nonrandomness in evolution.” The Journal of heredity 100.5, 2009 : 637-647.
Ohta T, Dover GA. The cohesive population genetics of molecular drive. Genetics. 1984 Oct;108(2):501-21. PubMed PMID: 6500260; PubMed Central PMCID: PMC1202420.
Nota 11:Uma complicação adicional e que só foi resolvida nos anos 20 - mais de uma década depois que o teorema foi proposto e, portanto, a genética de populações foi fundada - foi a questão da polêmica que dividia evolucionistas mendelianos/mutacionistas dos biometristas/Neo-Darwinistas, com os primeiros focando em características discretas codificadas por fatores mendelianos, também discretos, e o outros, na herança de características quantitativas que, aparentemente, não eram herdadas de forma mendeliana, mas cuja herança era estimada por medidas de covariância e correlação entre progenitores e ninhadas e entre irmãos, na tradição fundada por Francis Galton. Apenas na década de 1920 foi que Ronald A. Fisher demonstrou que os caracteres quantitativos poderiam ser herdados de maneira mendeliana caso estivessem associados a múltiplos fatores discretos, o que chamados hoje de herança poligênica, e que, atualmente, é a base da genética quantitativa moderna. Este trabalho é considerado o marco inicial da teoria sintética da evolução que logo depois contaria com os trabalhos seminais de Sewall Wrigth e J.B.S. Haldane e um batalhão de outros brilhantes cientistas [Veja por exemplo esta resposta para o formspring].
RANDOM Mutations and Evolutionary Change: Ronald Fisher, JBS Haldane, & Sewall Wright Understanding Evolution. Disponíve Acesso em: 20 de março de 2012.
Ridley, M. 2006. Evolução. 3a. ed Porto Alegre: ArtMed Editora. 806 pg
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Créditos das figuras:
DR JEREMY BURGESS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY
NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY
BILL SANDERSON/SCIENCE PHOTO LIBRARY
MIKKEL JUUL JENSEN / SCIENCE PHOTO LIBRARY
PASIEKA/SCIENCE PHOTO LIBRARY
CNRI/SCIENCE PHOTO LIBRARY
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