Como pode a Biologia Evolutiva explicar por que desenvolvemos câncer?[1]
O título acima é o tema de uma edição especial da revista de acesso livre Evolutionary Applications da editora Wiley que reune artigos sobre a aplicação da teoria evolutiva na investigação do câncer. Como é enfatizado no release de impresa da editora, a cada dia, mais de 500 bilhões de células serão substituídas em nossos corpos e, felizmente, graças a mecanismos regulatórios evoluídos ao londo do tempo por meio da seleção natural, as mutações celulares que provocam muitas dessas substituições são mantidas em cheque, evitando que as células que sofrem estes danos dẽem origem ao câncer. Porém, nem sempre isso dá certo e é exatamente esta relação, entre evolução dos organismos vivos e luta dos organismos contra o câncer, que é explorada por este conjunto de artigos, além dos próprios paralelos entre a progressão tumoral e a dinâmica ecológica e a evolução por seleção natural [1].
Desde a década de 1970 que alguns cientistas têm tentado descrever o processo de desenvolvimento do câncer adotando uma perspectiva evolutiva, tendo como base processos como a seleção celular somática que conduziria a malignidade que permitiria essas células ‘renegadas’ contornar os sistemas de controle organísmico e genético da proliferação celular, como por exemplo, através da neoangiogênese, da evasão do sistema imunológico, metástases ou por meio da resistência a agentes quiomioterápicos. Porém, só há relativamente pouco tempo, as aplicações de biologia evolutiva - na compreenção e no desenvolvimento de estratégia de controle da progressão das neoplasias e de prevenção de falhas terapêuticas - têm sido investigadas de maneira mais organizada e sistemática [2].
Esta edição especial é fruto de uma colaboração entre pesquisadores do Consórcio de Evolução Darwiniana do Cancer, da França, e do Centro de Evolução e Câncer da Universidade da Califórnia, em San Francisco. Como diz um dos participantes, Athena Aktipis, Universidade da Califórnia, em San Francisco [1]:
“O câncer está longe de ser uma doença única bem definida que podemos identificar e erradicar”. “É altamente diversificado e teoria evolutiva nos permite considerar o câncer como um ecossistema extremamente complexo e em evolução. Esta abordagem pode aumentar a compreensão, o tratamento e prevenção de um número de tipos diferentes de cancro. ”[1]
Algumas das questões discutidas nesta edição que podem ser iluminadas pela biologia evolutiva são:
Por que desenvolvemos câncer, apesar dos poderosos mecanismos do corpo de supressão do câncer?
Como os princípios evolutivos como a seleção natural, mutação e deriva genética, trabalham em um ecossistema cânceroso?
Como podemos usar a teoria da evolução para minimizar a taxa de câncer em todo o mundo?
“Em nenhum lugar a diversidade de câncer é melhor revelada do que nas muitas razões pelas quais permanecemos vulneráveis a ele”, disse Aktipis. [1]
“A medicina evolutiva nos permite ver explicações para as características que deixam organismos vulneráveis à doença.”, ela completa.[1]
Entre estas explicações evolutivas que podem iluminar o estudo e prevensão do cãncer estão inclusas o papel de fatores ambientais, tais como a relação entre a disponibilidade de tabaco e o câncer de pulmão, a co-evolução com patógenos de evolução rápida; as restrições em relaçãao ao que a seleção pode fazer; os chamados trade-offs ou soluções de compromisso devido a existência de multiplas demandas adaptativas muitas vezes antagônicas, como por exemplo a existente entre a capacidade de reparação dos tecidos e o risco de câncer; ou o s oriundos dos conflitos entre o sucesso reprodutivo e o envelhecimento e deterioração da saúde; assim como oss custos e benefícios de processos como a resposta imune e a inflamação [1].
Atkins continua: “Uma abordagem evolutiva pode explicarr e unificar as muitas possibilidades de pesquisa sobre o câncer, permitindo-nos ver o câncer como um ecossistema”, e conclui. “Tal como uma floresta depende das características individuais das árvores, assim como as interações de cada árvore com o seu ambiente, de forma semelhante os tumores podem ser constituídos por células geneticamente distintas, que dependem tanto das interações célula-a-célula dentro do tumor, bem como das interações do tumor em si com o corpo. ” [1]
Caso queira uma introdução mais geral sobre a questão e outras referências, aconselho esta resposta de nosso tumblr.
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Literatura Recomendada:
Wiley, How Can Evolutionary Biology Explain Why We Get Cancer? AlphaGalileo Foundaation News Release, January, 2013
Thomas, F., Fisher, D., Fort, P., Marie, J.-P., Daoust, S., Roche, B., Grunau, C., Cosseau, C., Mitta, G., Baghdiguian, S., Rousset, F., Lassus, P., Assenat, E., Grégoire, D., Missé, D., Lorz, A., Billy, F., Vainchenker, W., Delhommeau, F., Koscielny, S., Itzykson, R., Tang, R., Fava, F., Ballesta, A., Lepoutre, T., Krasinska, L., Dulic, V., Raynaud, P., Blache, P., Quittau-Prevostel, C., Vignal, E., Trauchessec, H., Perthame, B., Clairambault, J., Volpert, V., Solary, E., Hibner, U. and Hochberg, M. E. (2013), Applying ecological and evolutionary theory to cancer: a long and winding road. Evolutionary Applications, 6: 1–10. DOI: 10.1111/eva.12021
Literatura Recomendada e Adicional gratuitamente disponível no site da revista Evolutionary Applications (January 2013; volume 6, Issue 1). Alguns exemplos:
Daoust, Simon P.,Fahrig, Lenore, Martin, Amanda E.,Thomas, Frédéric . From forest and agro-ecosystems to the microecosystems of the human body: what can landscape ecology tell us about tumor growth, metastasis, and treatment options? Evolutionary Applications, 2013; 6 (1): 82 DOI: 10.1111/eva.12031
Greaves, Mel . Cancer stem cells as ‘units of selection’. Evolutionary Applications, 2013; 6 (1): 102 DOI: 10.1111/eva.12017
Nunney, Leonard The real war on cancer: the evolutionary dynamics of cancer suppression. Evolutionary Applications, 2013; 6 (1): 11 DOI: 10.1111/eva.12018
Foo, Jasmine, Leder, Kevin, Mumenthaler, Shannon M. . Cancer as a moving target: understanding the composition and rebound growth kinetics of recurrent tumors. Evolutionary Applications, 2013; 6 (1): 54 DOI: 10.1111/eva.12019
Grande abraço,
Rodrigo