Como varrer uma calçada no meio de uma multidão.
Não é nada fácil retirar um objeto de um lugar e colocá-lo em outro lugar. Se estiver em repouso em um referencial inercial é necessário, antes de mais nada, imprimir uma aceleração através da ação de uma força, o que implica um rearranjo na distribuiçao de energia em suas diversas formas e as consequentes modificações nas variáveis termodinâmicas do sistema físico em questão. Como é bem sabido, na estação do Inverno as calçadas e praças das cidades bem arborizadas ficam forradas de folhas sêcas com uma frequência além da esperada por donas-de-casa, prefeituras, etc.., e um breve contacto com esse problema basta para concluir que se trata de uma dor-de-cabeça para ambos na situação em que há uma grande movimentação de pessoas todos os dias e durante todo o dia. Há entretanto, como veremos logo a seguir, além de vassouras e jatos de água, uma outra maneira de resolver o problema que, reconheço, embora demande um tempo maior, pode ser realizado com um grau de eficiência aceitável : random walk !! . Inspirado em dois resultados relativos ao cálculo de probabilidades associadas a um grande número de perguntas que podemos fazer no estudo do ¨passeio ao acaso¨ unidimensional de uma partícula, passo, a seguir, ao assunto que nos interessa. As duas proposições seguintes, que chocam o senso-comum, referem-se ao passeio aleatório simétrico ( i.é., equiprobabilidade para a esquerda e para a direita ), e podem ser rigorosamente demonstradas.
Prop. I ) Em um passeio ao acaso simétrico, a probabilidade da partícula permanecer em um dos lados da origem é maior do que a probabilidade de ficar alternando entre os dois lados ( esquerdo e direito ).
Prop. II ) O valor esperado no tempo do primeiro retorno à origem é infinito.
A mensagem desses dois teoremas é muito clara e colide frontalmente com aquilo que julgaríamos esperar baseados em nossa ¨intuição primeira¨ após supor equiprobabilidades.Para nossos propósitos, a proposição II é ainda mais relevante e significa o seguinte : Sem tecer considerações a respeito da origem de moléculas pré-bióticas ou até mesmo já um pouco mais complexas, a hipótese de distribuição uniforme dessas moléculas por toda a superfície da Terra durante a maior parte do tempo antes do surgimento efetivo dos primeiros replicadores e subsequente aumento quase exponencial da biomassa terrestre é incompatível com a Prop. II , que pode ser interpretada como uma ¨tendência à dispersão¨ : por movimento browniano ou outros processos, a partícula se afasta cada vez mais de seu ponto de partida, a menos que..., e é aqui que entramos com a chave da questão : a menos que encontre uma barreira que a impeça de prosseguir o caminho. Das águas dos oceanos, córregos e lagos quentes da Terra primitiva, a tendência dessas partículas, diferenciadas das moléculas de água por suas massas e propriedades químicas,de permanecerem mais perto umas das outras através de aglomerações próximas à superfícies sólidas ou quase-sólidas implica evidentemente em um aumento significativo na frequência de colisões e no consequente aumento das probabilidades de reações químicas por pura colisão e/ou sob o estímulo de um grande número de outros fenômenos naturais .Se já foram formadas no lugar certo, então muito bem. Se não foram, um dia estarão lá.É flagrante aqui a analogia com a formação do petróleo: acumulando-se nas penínsulas, baias, fissuras de rochas ou qualquer configuração topográfica que implique em restrições na circulação de água e outros fluídos, essas moléculas estão destinadas a se encontrarem involuntariamente umas com as outras dando origem a um mundo de possibilidades muito interessante. É digno de nota também enfatizar o contraste entre visões de mundo adquiridas por modos de pensamento mutuamente excludentes onde alguns deles podem nos colocar, sem que o percebamos conscientemente, restrições à nossa capacidade de imaginação e consequente imagem do mundo.
Retornemos agora à nossa calçada forrada de folhas sêcas e nossa sugestão à dona-de-casa : a rigor, não é necessário intervenção alguma. Basta um pouco mais de paciência e aguardar que colisões involuntárias dos transeuntes em circulação e a ação dos ventos se encarreguem de deslocar a maior parte dessas folhas para os cantos dos muros ou próxima às guias. Aglomeradas, ficará então bem mais fácil recolhê-las e completar o serviço.