Complexidade e o caminhar de um bêbado:
É preciso estarmos conscientes de que a mera observação de que a evolução pode produzir complexidade não nos permite concluir que, necessariamente, a evolução favoreça o seu aumento. A evolução é basicamente um processo de mudança transgeracional, mas essa mudança pode tanto levar a um aumento como a uma diminuição da complexidade. Por exemplo, embora hajam vários exemplos de ganhos de estruturas, em muitas linhagens o que houve foi o contrário, ou seja, a perda secundaria de estruturas complexas, como podemos facilmente perceber ao observar as serpentes.
Mas o que fazer com esta forte impressão, compartilhada até por muitos pesquisadores, de que a complexidade biológica pareceu, de alguma maneira, aumentar ao longo da evolução? Acontece que as coisas são ainda mais complicadas e interessantes. Segundo o biólogo Casey Dunn, na verdade, mesmo que a chance de que a complexidade aumente ou diminua em uma dada linhagem, a medida que ela evolui, seja igual, mesmo assim, deveríamos esperar um aumento global nesta medida. Portanto, essa aparente tendência ao aumento da complexidade pode ser simplesmente um artefato produzido pelo fato corriqueiro da complexidade ter necessariamente começado muito baixa, na origem dos primeiros seres vivos.
Dunn ilustra isso com uma simulação muito simples que depende apenas de três condições:
A complexidade de uma característica pode ser medida em uma escala de 0 a infinito, onde 0 é o mais simples condição possível.
A complexidade pode aumentar ou diminuir por uma quantidade aleatória a cada geração, e a quantidade de mudança é amostrada a partir de uma distribuição normal padrão, de maneira que haja tanta chance dela aumentar como dela diminuir.
A complexidade da característica biológica começa em 0, isto é, na condição mais simples.
Abaixo vemos o resultado de uma simulação implementada por Dunn com 50 linhagens e duas mil gerações. Nela cada uma das linhas finas representa uma linhagem simulada. A posição ao longo do eixo X indica o tempo e a posição ao longo do eixo Y indica a complexidade da característica em questão. A linha azul é a complexidade média das linhagens, enquanto a linha vermelha é a complexidade máxima em todas as linhagens.
Na figura fica bem claro que tanto a complexidade média como a complexidade máxima ‘tendem’ a aumentar ao longo do tempo, embora a possibilidade de aumento ou diminuição desta quantidade dentro de qualquer uma das linhagens mantenha-se exatamente a mesma. Mas por que isso acontece? Dunn explica:
“Basicamente, a complexidade começa em 0, e não tem para onde ir, só para cima. Assim ela vai com o tempo. A tendência em todas linhagens ao longo do tempo é o resultado de uma condição de contorno (complexidade não ser mais baixa que zero), e não uma chance maior de seu aumento do que de sua diminuição.”
Por tanto, não é realmente necessário que, por exemplo, uma maior complexidade seja em geral mais adaptativa e desta forma mais favorecida pela seleção natural. Ela pode aumentar simplesmente como efeito deste passeio aleatório a partir de um ponto de partida minimo, como um bêbado andando erraticamente, saindo das proximidades de uma parede que impede que ele volte além de um certo ponto.
Para saber mais veja também nossos posts “Complexidade por subtração da complexidade”, “Fatores não adaptativos e a evolução da regulação gênica em procariontes.”, “Post no blog: Além da seleção natural II: Complexidade e novas funções por caminhos alternativos”
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Leitura Recomendada:
Maxmen, Amy ‘Evolution, You’re Drunk: DNA studies topple the ladder of complexity.’ Nautilus issue 9, january, 2014.