Conservação e mudança do humano
A evolução orgânica tem ocupado merecido espaço no jornal. O tema de fato é quente, não só pela crescente afirmação da biologia como “ciência da vez”, mas pelo momento de dupla celebração: o bicentenário de Darwin e os 150 anos de sua obra maior, A origem das espécies. Mas como o assunto é suficientemente controverso (entre especialistas) e pouco debatido (na sociedade), as notícias tendem a ser espetaculares e superficiais, bastando, para sua legitimação, a menção à autoridade científica.

Cito a recente matéria “Evolução humana chegou a seu ápice, diz geneticista” (O Tempo, 10/10/2008), não por ser mais problemática que as outras, mas por servir na medida para o que estou dizendo. O texto apresenta o biólogo Steve Jones anunciado “o fim da evolução humana”. Mas essa é uma tese antiga de Jones, e, em outras versões, de muitos outros. Quem já ouviu falar do movimento eugenista, que, patrocinado pela Rockfeller Foundation, barrou a entrada de milhares de imigrantes nos EUA para não “degenerar a raça”, conhece uma das piores versões.
Jones não é eugenista, pois não advoga o “melhoramento da espécie”, apenas diz que tal melhoramento não ocorrerá mais. Ainda assim, a matéria peca em não situar o discurso do cientista. Ele não diz (nesse programa da BBC, ou antes) que a humanidade parou de evoluir, mas que o “mundo ocidental”, graças aos avanços tecnológicos, está permitindo a “sobrevivência do mais fraco”. Ele faz, inclusive, uma comparação interessante, ao dizer que a disseminação da AIDS foi tão contida entre os chimpanzés quanto será pelos povos africanos, pois ambos, ao contrário de anglos, saxões e europeus, são naturalmente selecionados para a resistência ao HIV!

Eu até admiro o amor de Jones pela divulgação da ciência, mas sigo inúmeros outros cientistas em não engolir essa história de “ápice evolutivo”. Isso não depende de ajuntar fatos, mas do que se entende por evolução. Para Jones, se os fracos procriam, não há seleção natural. Mas como diz meu amigo Chris Stringer (principal efensor da origem africana da humanidade), quem desse uma espiada nos europeus há 50 mil anos veria uma raça de seres altos, fortes e de cérebro grande ser desbancada por criaturas franzinas recém-chegadas da África: nós. Evolução não é ficar mais forte, mais inteligente ou (como se diz no jargão do laboratório) mais “complexo”. Milhares de espécies de parasitas evoluíram a partir de seres melhor equipados. Trata-se, antes, da conservação ou mudança do modo de vida, sempre em correspondência com o ambiente. Muda a relação, surge uma nova linhagem. Não muda, todas estão bem, obrigado.
Jones tem razão numa coisa. Humanos têm o incorrigível hábito de migrar por todo o globo e procriar desavergonhadamente entre si, sem ligar muito pra raça, religião ou preferência política do parceiro. Isso cria uma estabilidade evolutiva - um “fluxo gênico” - mas cria outra coisa, também: a convivência incessante entre povos os mais variados, partilhando, desse jeito, seus modos de vida. Nada mais promissor.

Artigo de Beto Vianna publicado no Jornal O Tempo, 11/10/2008