De volta ao cambriano: Dividindo o evento
Entre o público leigo ainda existe bastante confusão sobre o que foi a 'explosão cambriana'. Por este motivo tenho abordado esta questão em diversas ocasiões, com mais ênfase em um artigo introdutório sobre o tema (veja “A Explosão Cambriana: Uma introdução”), mas alguns esclarecimentos adicionais podem ajudar a dissipar alguns mal entendidos que assolam mesmo alguns cientistas.
Aqui aproveito a discussão do zoólogo Andrew Parker. Ele explica que existem duas formas de resumir o que foi a 'explosão cambriana'. A primeira delas, e que segundo ele é inadequada, simplesmente encara este evento como o surgimento dos vários filos animais, com seus distintos planos corporais etc, que é, mais ou menos, a versão canônica. Porém, na outra abordagem, que Parker considera mais precisa e que é apoiada por certas evidências fósseis e principalmente por várias análises filogenéticas, é a de que este evento foi mais circunscrito, sendo apenas a grande radiação adaptativa espontânea das partes do corpo externas, especialmente as 'esqueletizadas', em todos os filos* que já tinham seus planos corporais internos básicos formados*. Em seu livro em 'In the blink of an Eye', Parker, mostra esta distinção em duas figuras.
Em (A) podemos ver que tanto os planos corporais como as partes externas se diversificaram durante mais ou menos ao mesmo tempo ao longo de todo o processo de divergência das linhagens .
Já em (B), que segundo Parker é o modelo mais apropriado, a figura identifica mais precisamente o que foi a explosão cambriana: A evolução simultânea das formas externas em todos os filos, portanto, 'desacoplando' o processo de cladogênese do de disparidade morfológica externa. Parker então chama a atenção para o seguinte detalhe:
“A evidência atual sugere que "evento" Pré-cambriano - a evolução dos planos corporais internos o - não foi explosivo, mas gradual, com duração de dezenas ou centenas de milhões de anos. Isto é provavelmente porque o "evento" Pré-cambriano envolveu um
animal evoluindo de uma forma anterior, e assim por diante - uma condição sem vínculo com a explosão cambriana. O"evento" Pré-cambriano foi mais um impulso na evolução do que uma explosão. É possível que a explosão cambriana tenha acontecido em um momento no tempo, mas não tão o "evento" Pré-Cambriano. Para resumir, a velha interpretação da "explosão cambriana" é, na verdade, a combinação da explosão cambriana e "surto" o Pré-Cambriano. Em geral, o surto foi o evento genético principal e a explosão foi mais impulsionada por algum fator externo.”
A hipótese de Parker é que a explosão cambriana propriamente dita teve como principal causa uma corrida armamentista evolutiva envolvendo predadores e presas que teria sido impulsiona originalmente pela evolução dos olhos que desta maneira teriam propelido a co-evolução de 'armaduras' protetoras e estratégias de evasão e detecção de presas e predadores [Veja também "Ver ou não ver? Eis a questão do fanerozóico?"]. Porém, neste post, entretanto, quero chamar a atenção para a divisão que Parker faz destas duas fases da evolução dos animais com simetria bilateral que permite compreender que a evolução da organização interna dos diversos filos, pelo menos de seus representantes basais, e a evolução de suas partes externas ocorreram em períodos e com velocidades bem diferentes.
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*Esta proposta é uma forma de ideia de 'pavio de queima lenta' (veja "O 'pavio filogenético' e a 'explosão cambriana' não se fundem.") que já comentei em outras ocasiões, mas além deste fato é importante reconhecer que, mesmo em relação a evolução dos planos corporais internos, ao analisar os organismos do cambriano estamos lidando em muitos casos com formas basais, os chamados 'grupos tronco' que ainda não tinham evoluído muitas das características diagnósticas dos filos modernos, algo que devo abordar de novo em outro artigo.
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Referências:
Parker, Andrew. In the Blink of an Eye: How Vision Sparked the Big Bang of Evolution. Cambridge, MA: Perseus Pub, 2003. 316 p