Dinossauros 'agachados' e o voo das aves
Os Neornithes, o grupo de animais formado pelas aves modernas, caracterizam-se tanto pela capacidade de voo, associada às penas, como pela posse de membros posteriores bastante recurvados (dando um aspecto agachado aos mesmos) que utilizam para se movimentarem, de maneira bipedal, quando não estão voando. Portanto, descobrir quando (e compreender o porquê) estas características funcionais evoluíram pela primeira vez, na linhagem dos dinossauros que deu origem a aves modernas, é um dos grandes desafios da moderna paleobiologia.
Estas questões que, tradicionalmente, têm se mostrado refratárias a uma solução, ganharam o aporte de novos métodos de simulação computacional que somaram-se a descoberta de vários espécimes fósseis, excepcionalmente, bem preservados. Desta maneira, tem se tornado possível empregar as informações quantitativas sobre a morfologia destes organismos para compreender como a biomecânica subjacente a estas funções teria evoluído[1].
Neste novo artigo da revista Nature, vários cientistas reconstruíram digitalmente os corpos de muitos espécimens de dinossauros que exibem características que parecem ser importantes para desvendar as questões mencionas, de modo que foi possível quantificar as as mudanças e tendências evolutivas associadas as proporções dos corpos destes animais e da posição do centro de massa destes animais, do grupo Archosauria que inclui, além das aves e dos seus parentes dinossauros, os crocodlianos. A ilustração acima é de autoria do ilustrador hispano-mexicano radicado no Reino Unido, Luis Rey.
Os pesquisadores, usando os métodos de reconstrução digital, estimaram as formas corporais, a partir dos fósseis dos restos esqueléticos de 17 arcossauros, entre eles alguns fósseis de espécimens em condições excelentes de preservação, como Microraptor, Archaeopteryx, Pengornis e Yixianornis. Estes espécimens representam fases fundamentais na evolução do plano corporal das aves [1].
Os cientistas puderam, desta maneia, rastrear alterações biomecânicas que ocorreram na linhagem dos arcossauros, desde 245 milhões de anos atrás, por meio da análise de quadrúpedes como os crocodilianos ancestrais, passando pelo Archaeopteryx, de 150 milhões de anos atrás, chegando as aves modernas, como a galinha, Gallus gallus [2]. Ao lado a visao dorsal dos diversos táxons dos espécimens analisados no trabalho.
Os resultados das análises das reconstruções digitais revelaram que - ao invés de uma transição discreta a partir de uma posturas mais em pé, dos grupos basais Avialae (cujo único representante vivo são os Neornithes, mas que também incluía os, já extintos, Scansoriopterygidae) e seu grupo irmão, Deinonychosauria – o processo de transição parece ter sido bem mais gradual. Isto é, primeiro ocorreu a evolução gradual de posturas mais agachadas dos membros traseiros em boa parte da evolução dos terópode, mas com uma certa aceleração desta tendência no grupo Maniraptora, que inclui as apenas, bem como seus parentes mais próximos, como os deinonicossauros [1].
Um outro resultado curioso do estudo é que foram encontradas evidências de que o alargamento dos membros peitorais, juntamente com várias tendências associadas a este mudança, tiveram um impacto bem mais forte na mudança da posição do centro de massa dos terópodes, ao longo da evolução que deu origem as aves, do que a redução da cauda, que era amplamente aceita como o principal fator morfológico correlacionado com esta alteração e, portanto, com a evolução da postura dos membros posteriores das aves.
"Nós nunca duvidamos da hipótese de que a cauda foi a responsável pelas grandes mudanças no equilíbrio e na postura dos dinossauros", disse o especialista em biomecânica evolutiva, John R. Hutchinson coautor do artigo do Royal Veterinary College [2].
"A cauda é a mudança mais óbvia se você olhar para corpos dos dinossauros. Mas conforme nós analisados e reanalisados, e ardorosamente escrutinamos nossos dados, aos poucos percebemos que todos tinham esquecido de verificar qual a influência que os membros anteriores tiveram no equilíbrio e na postura, e que esta influência é maior do que a da cauda ou de outras partes do corpo.", completou [2]
De acordo com os autores do artigos, as evidências que apóiam o início de mudanças morfofuncionais aceleradas na linhagem Maniraptora, mostraram-se intimamente correlacionadas com a evolução de voo. Esta postura mais agachada em que as pernas traseiras fazem uma espécie de zig zag, ajuda a compensar o crescimento dos membros anteriores que, eventualmente, tornaram o voo possível [2].
"O ponto que descobrimos é que se você tem estes grandes antebraços, isso faz mudar a forma como as suas pernas traseiras funcionam também", explicou Vivian Allen, primeiro autor do artigo, da Friedrich-Schiller-University, em Jena, Alemanha [2].
Segundo Allen, existe uma relação estatística muito boa entre o aumento da massa dos membros e a posição do centro de massa de um dinossauro, mas nenhuma relação entre a localização do centro de massa e a massa da cauda [2]. Também de acordo com Allen, que se quisermos imaginar como este processo de adaptação ocorreu, precisamos, primeiro lembrar, que a posição dos pés de um bípede está fortemente correlacionada com seu centro de massa [2]:
"Você pode imaginar uma gangorra", disse ele.
"Se você mover o ponto de articulação da gangorra você também tem que mover a base de sustentação da mesma. Então, você precisa ter os pés muito bem debaixo do centro de massa." [2]
Assim, caso você mude o centro de massa para a frente, como aconteceu na linhagem das aves com a evolução de grandes membros dianteiros, passa ser também preciso mover os pés para frente, o que implica na necessidade que os membros posteriores dobrem as juntas e adquiram a postura mais agachada [2].
Assim, o time de pesquisadores sugere que a evolução do voo das aves está ligado às novidades anatômicas tanto dos membros pélvicos, como dos peitorais, uma vez que seus resultados evidenciam que a evolução de maiores patas dianteiras correlaciona-se, por meio centro de massa do corpo como um todo, a mudanças nas funções dos membros posteriores durante a locomoção terrestre [1].
Como explica, o curador de paleontologia dos vertebrados do Museus Smthsoniano de história Natural, em Washington, EUA, Hans-Dieter Sues, que não participou do estudo:
"Estudos anteriores haviam se concentrado nas mudanças no comprimento da cauda, mas este novo estudo é o primeiro a olhar para o impacto das patas dianteiras sobre a postura" [2]
Os pesquisadores, segundo Sues, rastrearam as mudanças posturais ao longo da história evolutiva na linhagem dos arcossauros até as aves e passando pelos seus parentes dinossauros mais próximos [2] e mostraram que, bem antes da evolução do voo, já pode ser detectada uma tendência de aumento dos membros anteriores. Por causa disso, não foi a pressão seletiva para o voo que impulsionou esta mudança originalmente. De acordo com Sues, esta tendência na linhagem basal que deu origem as aves, pode ter se dado no contexto da evolução da melhor habilidade e captura e manipulação de presas, mas estas mudanças teriam sido essenciais para a evolução posterior das asas, ao serem cooptadas para o voo [2] . Abaixo, dois videos disponibilizados como material suplementar ao artigo:
Video 1:
Vídeo 2:
A expectativa dos cientistas é que, em um futuro próximo, novas informações possam ajudá-los a explicar como alguns dinossauros deixaram o solo e começaram a voar. Evidências que indicassem mudanças no centro de sustentação nas primeiras espécies a planar e a voar seriam muito importantes para esta tarefa [2], mas elas são bem difíceis de encontrar, como lembra Allen. Porém, como ele mesmo enfatiza, a acumulação de fósseis de dinossauros com penas e aves primitivas que temos presenciado nas últmas décadas podem revelar mais pistas sobre esta questão [2 ].
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Referências:
Handwerk, Brian 'Birds' "Crouching" Gait Born in Dinosaur Ancestors' National Geographic News, Published April 24, 2013.
Allen V, Bates KT, Li Z, Hutchinson JR. Linking the evolution of body shape and locomotor biomechanics in bird-line archosaurs. Nature. 2013 Apr 24. doi: 10.1038/nature12059.