Do violeta ao ultravioleta (e às vezes, de novo, ao violeta): Evolução paralela da visão de cores em pássaros
Nada menos que 8 vezes, aves diferentes, teriam evoluído visão Ultra-Violeta (UV) de maneira independente a partir de um mesmo fotorreceptor retiniano ancestral sensível a luz violeta, de acordo com um novo estudo publicado no BMC evolutionary biology [1]. Este tipo de fenômeno é o que os biólogos evolutivos costumam chamar de evolução paralela, em que grupos distintos, porém, aparentados, em função de pressões seletivas equivalente uma mesma característica derivada de uma característica ancestral comum mais por um histórico de mutações, deriva e seleção natural diferente. A capacidade de detetar pistas visuais em ultravioleta pode muito ser útil na identificação de conspecíficos especialmente parceiros sexualmente maduros, além de poder ser importante para se evitar a predação e ajudar na busca de alimentos.
As aves, em relação a visão de cores, podem ser divididas em dois grupos, aquelas que são sensível ao ultravioleta (UVS) e as que são sensíveis a luz violeta (VS). A distribuição destas duas classes tradicionalmente têm sido considerada como altamente conservada, ou seja, os especialistas costumavam acreditra que estas duas categorias haviam mudando muito pouco entre as diversas espécies ao longo da evolução. Porém, de acordo com os pesquisadores de um novo estudo sobre a filogenia da visão de cores em aves, como normalmente era muito difícil determinar a sensibilidade espectral dos fotorreceptores dos cones (células fotossensíveis da retina), até muito pouco tempo atrás, na realidade, muito poucas espécies haviam sido realmente investigadas em relação a esta característica de modo mais aprofundado. Felizmente, atualmente é possível distinguir se qualquer ave é UVS ou VS por meio do sequenciamento genômico dos genes que codificam proteínas fotorreceptoras conhecidas como opsinas, que existem nos cones, do tipo SWS1* UV/violeta [1, 2].
A dupla de pesquisadores da Universidade de Uppsala e da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas, autores do estudo “The phylogenetic distribution of ultraviolet sensitivity in birds”, Anders Ödeen e Olle Håstad, sequenciaram o gene SWS1 de espécimes pertencentes a 40 espécies de aves, correspondentes a 29 famílias e 21 ordens de aves, identificando os resíduos de aminoácidos mais importantes que conferiam a sensibilidade ao UV (ajuste espectral) que são encontrados em duas posições (ou sítios) ao longo da sequência de aminoácido das opsinas SWS1, que seriam as equivalentes aos resíduos 86 e 90.
Os cientistas de posse desses dados, e outros adquiridos anteriormente, mapearam-nos sobre uma filogenia molecular, isto é, um gráfico das relações de parentesco inferidas através de conjuntos de dados desequências biomoleculares de várias aves. Esta filogenia mostrou que a visão de cores em aves mudou entre VS e UVS pelo menos 14 vezes durante a evolução desses grupos, com substituições de um único nucleotídeo podendo explicar todas essas mudanças e em 11 casos ocorreu exatamente a mesma mudança no mesmo nucleotídeo [1, 2].
Acima e à direita, podemos ver a reconstrução filogenética da evolução da opsina SWS1 [Clique na figura para ampliá-la]. A árvore, redesenhada da árvore de Hackett et al. [veja artigo, na referência 1], mostra as mudanças entre a sensibilidade ao violeta e ao UV do receptor SWS1. Os táxons novos neste estudo são apresentados em negrito e em parênteses estão códons e os resíduos de aminoácidos correspondentes ao ajuste espectral nas posições 86 e 90, respectivamente, acima da linha e abaixo da linha. Em minúsculas estão identificadas as substituições de nucleotídeos em sua mais provável posição evolutiva na árvore. O número de espécies analisadas por táxon é mostrado após os nomes do táxons. Nesta figura, para simplificação, os autores preferiram juntar os táxons charadriiformes e passeriformes, mesmo por que a evolução da SWS1 nestas ordens já foi reconstruída em outros trabalhos anteriores. Por fim, o asterisco (*) indica que o resíduo de aminoácido C86 foi encontrado num subconjunto, a família accipitridae , da ordem accipitriformes [1].
Essas alterações teriam ocorrido a partir de um antepassado dos passeriformes (o grupo que inclui a grosso modo, os 'passarinhos' e outras aves bem aparentadas, incluindo cotovias, andorinhas, melros, tentilhões, aves do paraíso e corvos) e dos psitacídeos (papagaios, periquitos e afins) que possuíam visão sensível ao violeta e que em diversas linhagens derivadas teriam evoluído sensibilidade a radiação ultravioleta e, em alguns casos, em passeriformes, revertido para visão violeta a partir da ultra violeta. Então, apesar de estar relativamente claro que o ancestral comum das aves, muito provavelmente, tinha um fenótipo VS, o estado ancestral em pássaros, da opsina SWS1 que é responsável pelo ajuste espectral, ainda não pode ser resolvido com muita confiança. Assim, com a distribuição filogenética da visão em cores UVS/VS em aves é muito complexa, tendo ocorrido tantas mudanças independentes, os cientistas aconselham muito cuidado ao inferir as sensibilidades espectrais a partir de táxons mesmo intimamente relacionados, sendo uma tarefa que deve ser feita com muita cautela.
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*Existem dois tipos principais de células fotorreceptoras, cones e bastonetes, que medeiam a visão na maioria dos animais. Estes dois tipos celulares têm formas diferentes e contêm os pigmentos fotossensíveis compostos de um proteína opsina e cromóforos, isto é, a rodopsina e os opsinas sensíveis a vários comprimentos de onda, com as rodopsinas dos bastonetes sendo responsáveis pela visão crepuscular, especialmente o contraste entre claro e escuro, e os pigmentos dos cones, responsáveis pela visão de cores diurna. As opsinas dos cones são normalmente divididas em quatro subgrupos, LWS, MWS(Rh2), SWS1/SWS2, que, a grosso modo, teriam sua absorbância máxima, respectivamente, na faixa do vermelho (comprimentos de onda longos), verde (comprimento de onda médios), azul e violeta/UV (comprimento de onda mais curtos).
Nagata, Takashi, Koyanagi, Mitsumasa and Terakita, Akihisa 'Molecular Evolution and Functional Diversity of Opsin-Based Photopigments' Photobiology Info, 2010.
Veja também o artigo do evolucionismo, “Evolução da visão tricromática em primatas”
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Referências:
Odeen A, Håstad O. The phylogenetic distribution of ultraviolet sensitivity in birds. BMC Evol Biol. 2013 Feb 11;13(1):36. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 23394614. DOI: 10.1186/1471-2148-13-36 [PDF]
Birds evolved ultraviolet vision several times AlphaGalileo Foundation, 8 de fevereiro de 2013.
Créditos das Figuras:
VOLKER STEGER/SCIENCE PHOTO LIBRARY