É a evolução genética previsível? Parte II ou Além da genética parte I

A mudança de perspectiva (em que a atenção vai dos genes isolados, e da ação de seus produtos imediatos, para os circuitos genéticos modulares e as suas redes de interações) é uma das marcas da atual biologia evolutiva e caracterizam a emergente biologia evolutiva do desenvolvimento, a popular Evo-Devo. Esta perspectiva, entretanto, não é exatamente nova e também não é completamente destituída de problemas, além daqueles que Stern e Orgogozo (veja 'É a evolução genética previsível? Parte I') mesmos ressaltaram em seu interessante artigo (Stern e Orgogozo, 2009).
A onda de interesse nas seqüencias cis-regulatórias tem ganhado muita divulgação, não

só pelo trabalho do grupo de Stern, mas principalmente pelos trabalhos (inclusive de divulgação) de Sean B. Carroll, autor do ótimo livro "Infinitas formas de grande beleza", e de Neil Shubin que, além de um paleontólogo membro da expedição que achou o fóssil do peixe-tetrápode Tiktaalik, mantém um laboratório de biologia do desenvolvimento e lançou, a pouco tempo, o também excelente livro "A história de quando éramos peixes:". Esta perspectiva tem sido também alvo de críticas por parte de alguns biólogos evolutivos, como Jerry Coyne (um especialistas em genética evolutiva da especiação) e Hoekstra (especialista em adaptação por melanismo)

que tem defendido que ainda é prematuro concluir que a evolução morfológica ocorreria, principalmente, por mutações em seqüencias cis-regulatórias, em detrimento de mutações em regiões codificadores

dos genes, que para eles ainda deveriam ser o principal foco de atenção. Porém, mesmo discordando de pesquisadores como Carroll e Wray, Coyne e Hoekstra concentram-se em exemplos de mutações em regiões codificantes de elementos Trans-ativos, principalmente fatores de transcrição, os 'parceiros' inseparáveis das seqüencias cis-regulatórias. O que mostra que a evolução regulatória é realmente a principal aposta dos biólogos evolucionistas, especialmente os adeptos da Evo-Devo, para explicar os processos de especiação, mas especialmente para compreendermos como ocorrem as grandes alterações morfológicas ao longo da evolução. Então, mesmo a divergência entre pesquisadores como Carroll e Stern, de um lado, e Coyne e Hoekstra, de outro, apontam para uma consenso inegável do reconhecimento da evolução de sistemas de regulação gênica e desenvolvimental.
Talvez ainda mais interessante, seja a discussão que se encontra por trás destas novas

abordagens e da grande miríade de dados que começam a se acumular, suportando-as. O fato de sistemas regulatórios estarem organizados de acordo com um padrão distribuído modular, mas ainda assim hierárquico, o que é denotado pelo tipo de topologia particular destas redes bioquímicas, aponta para a importâncias das restrições e de coerções associadas com a evolução das formas.
Um trabalho recente, de 2008, publicado no Plos Computational Biology (Borenstein & Krakauer, 2008), "An End to Endless Forms: Epistasis, Phenotype Distribution Bias, and Nonuniform Evolution", ajuda a ilustrar esta perspectiva.
A teoria das redes é uma abordagem relativamente nova que tem sido amplamente aplicada a toda uma gama de fenômenos naturais e sociais que parecem exibir certos padrões semelhantes que dependem menos da composição particular de cada sistemas, modelados por esta abordagem, e mais dos padrões de interação e conectividade das unidades que forma estes sistemas, possibilitando um nível de abstração e generalidade que permite toda sorte de comparações

de diferentes sistemas.
A vantagem de utilizar representações em rede, baseadas nos insights de Watts e Strogatz (1998), é que elas tornam possíveis comparações quantitativas em grandes escalas espaciais e de um grande número de sistemas diferentes. Muitos sistemas, como o cérebro e a internet, exibem, por exemplo, propriedades livres de escala. Além disso, o padrão de conectividade dessas redes assemelham-se às das chamadas redes de 'mundo pequeno', como a representada pela idéia de 6 graus de separação. Estas redes apresentam comprimentos de caminho médios, entre quaisquer dois nós arbitrários (L no diagrama), baixos; ao mesmo tempo que contém elevados coeficientes de agrupamento (C no diagrama). Este tipo de propriedade parece ser típica de sistemas auto-organizados. Abaixo representações esquemáticas de redes encontram-se 3 exemplos de redes (regulares, 'mundo pequeno' e aleatórias) em que existe um aumento da conectividade ao caminharmos da esquerda para direita.

As exuberantes formas observadas na natureza são ainda mais impressionantes por que parecem representar apenas uma pequena fração do 'espaço' de possibilidades morfológicas, aglutinando-se próximas a algumas formas mais básicas. Esta fato pode ser um mero artefato de uma amostragem incompleta, ao longo da história da vida em nosso planeta, do 'espaço' de possíveis genótipos (Borenstein & Krakauer, 2008).
“Se considerarmos o volume astronômico do 'espaço genotípico', então o conjunto de todas as cadeias de DNA que foram produzidas durante a história da terra constituem apenas uma pequena fração do espaço total de seqüências possíveis. Além disso, os genótipos que têm existido são o resultado de um processo evolutivo - de descendência com modificação a partir de um ancestral comum - que é um processo gerativo localmente delimitado. A diversidade fenotípica é ainda mais limitada por outros processos, intrínsecos à produção de variedades adaptáveis, os mecanismos de desenvolvimento que determinam o mapeamento entre os genótipos e os fenótipos.” (Borenstein & Krakauer, 2008)
Há muito se sabe que o mapeamento entre genótipo e fenótipo (em praticamente todos os seus níveis) está muito longe de ser linear, não apresentando uma relação de 'um para um', como às vezes algumas metáforas usadas na divulgação científica deixam transparecer. Entretanto, este emaranhado de sistemas interativos também não é caracterizado por uma topologia onde a conectividade é máxima. Na verdade, a organização modular, como revelada pelo estudo de sistemas de integração de 'entrada-saída', como shavenbaby, nos oferecem uma lógica subjacente pela qual a evolução morfológica dos animais (e possivelmente plantas), possivelmente tem se dado nos últimos 500.000000 de anos.

Segundo Borenstein & Krakauer (2008) desenvolvimento ontogenético induz um mapeamento não-linear e altamente degenerado entre o 'espaço dos genes' e o 'espaço dos fenótipos', pelo qual muitos genótipos produzem (ou estão intimamente associados a) fenótipos semelhantes (ou idênticos) e, concomitantemente, garantindo que existam muitos fenótipos que não podem ser gerados por qualquer genótipo.
Tais propriedades podem ser explicadas pela dinâmica genética neutra associada as vias de desenvolvimento e pela evolução de mecanismos específicos que garantam a robustez e estabilidade de fenótipos funcionais frente a variação ambiental e genética. Os chamados mecanismos de 'canalização' podem incluir a redundância funcional, associada a múltiplos sistemas equivalentes, e a divisão destes sistemas em módulos semi-autônomos fortemente conectados internamente mas frouxamente conectados a outros módulos.
A degenerescência, outra propriedade exibida pelos sistemas desenvolvimentais, tem como efeito isolar, pelo menos parcialmente, os genótipos do processo seletivo, restringindo as possibilidades desenvolvimentais, o que talvez possa tornar uma grande parte dos fenótipos potenciais na realidade inacessíveis (Borenstein e Krakauer, 2008).
Para Borenstein e Krakauer (2008) estas restrições na variação 'arquitetônica' implicam em limitações ao processo evolutivo e até mesmo à capacidade de adaptação. Porém, estas implicações não são imediatamente óbvias já que boa parte da evolução ocorre através da 'busca' entre fenótipos semelhantes que estariam aglutinados em determinadas regiões super-populadas do morfo-espaço, o espaço dos fenótipos, o que está em estrita conformidade com a genética evolutiva de populações.
A distribuição esparsa das formas acessíveis em aglomerados no espaço fenotípico, entretanto, tem implicações diretas nos padrões em larga escala da evolução, o que, segundo estes e outros autores, só pode ser devidamente apreciado através da introdução, na análise da dinâmica evolutiva, de modelos adequados de desenvolvimento que façam a ponte entre a genética de populações (e a evolução molecular) e evolução fenotípica. Toda esta complexidade emerge da combinação de sistemas de regulação hierarquizados, do controle multigênico, da epistasia e da pleiotropia.
Nas últimas décadas um grande volume de dados e trabalhos teóricos têm apontado para certas características associadas a origem e diversificação morfológica ao longo da evolução: (i) a variação morfológica dos planos corporais era extensa no início da história da vida multicelular; (ii) fenótipos são esparsamente distribuídos no "espaço de fenótipos potenciais"; (iii) a diversidade é melhor predita pela variação na estrutura das redes de regulação do que através da presença ou ausência de genes estruturais (Borenstein e Krakauer, 2008). Porém, boa parte destes trabalhos vem de duas áreas de pesquisa mais gerais:
A análise das propriedades estatísticas e dinâmicas de desenvolvimento a partir de mapas, entre genótipos e fenótipos, em sistemas simples, sobretudo as chamadas redes neutras de RNAs;
A investigação de propriedades das redes regulatórias dos genes durante o desenvolvimento em animais através do estudo de sistemas modelo;
A bioinformática e a biologia computacional vêm ampliando estas perspectivas, oferecendo novas ferramentas e formas de investigação in silico. Borenstein & Krakauer (2008), por exempl

o, propuseram um modelo que, utilizando-se de uma representação genérica, procura captar a forma em que múltiplas entradas ('imputs') genéticas interagem de forma combinatória para influenciar várias características fenotípicas, sem assumir a seleção, constituindo-se, portanto, em um modelo neutro, isto é, de nulidade das relações entre genética, desenvolvimento e fenótipos. Veja figura ao lado.
O mais interessante, entretanto, é que esta abordagem nos remete, de novo, aos estudos de Stern e Orgogozo (2009), já que tal modelo pode ser interpretado de sem comprometimento como produto da interação gênica através de elementos cis-regulatórios. Com este modelo, Borenstein & Krakauer (2008), tem por objetivo mostrar que uma propriedade geométrica básica das rede que controlam o desenvolvimento ontogenético provê um modelo nulo capaz de explicar o enviesamento e a falta de uniformidade na distribuição dos fenótipos dos animais.
O modelo foi usado para analisar uma série de regularidades estatísticas do mapeamento do desenvolvimento induzido durante o estudo. Foi obtida a fração dos fenótipos visíveis gerados durante o desenvolvimento e a dependência desta fração do nível de interação entre os elementos genéticos. Também foram caracterizadas as distâncias entre os fenótipos visíveis, e que ocorriam frequentemente, e influência do desenvolvimento sobre as relações filogenéticas. Os resultados mostram-se compatíveis com muitas das regularidades empíricas, desenvolvimentais e paleontológicas mencionadas anteriormente, já que estas puderam ser recuperadas ao usar este modelo nulo (Borenstein e Krakauer, 2008). Veja figura abaixo.
Esta constatação nos leva a outra interessante possibilidade, a de que a evolução seja ela mesmo passível de evoluir, a 'evolutibilidade' (evolvability). Quando nos deparamos com estas estimulantes possibilidades, passamos a olhar para os padrões evolutivos dispostos na coluna estratigráfica de forma diferente, o que, talvez, nos deva levar a examinar com mais carinho a possibilidade da evolução operar em múltiplos níveis ao mesmo tempo.

Assim, processos como 'sorting' e a seleção de espécies (e de clados) fazem muito mais sentido, principalmente se pensarmos que estas propriedades desenvolvimentais, como robustez e canalização, poderiam ser vistas como propriedades emergentes de espécies e clados e sua variabilidade inter-taxonômica, parcialmente, responsáveis pelas diferenças de probabilidade de especiação e extinção relativas (veja Jablosnky, 2008). Claro, que precisamos reconhecer que mecanismos mais prosaicos atuando nos nível individual podem ser perfeitamente capazes de explicar estes processos (veja para discussão Leroi, 2000 e Erwin, 2000). Como dizem os anglófonos, sobre esta questão 'o juri ainda não se decidiu'.
Ainda assim, quando mudamos o foco para as redes de sinalização e para os controle genético, parece restar algo não explicado. Isto é, parece haver um certo distanciamento entre os sistemas de sinalização intra-celular e inter-celular, mediados por módulos bioquímicos e genéticos particulares - mas que são apenas arbitrariamente ligados aos fenótipos que geram ao interagir com o ambiente - os fenótipos, e sua realização concreta, em si.
Felizmente, mesmo esta constatação é remediável, e vem sendo remediada há décadas através de uma tradição de pesquisa que remonta a morfologia racional de

Étienne Geoffroy St. Hilaire, a Naturephilosophen de Goethe e a tradição matemático-teórica em biologia, de D’Arcy Wentworth Thompson, hoje, às vezes, chamada de 'estruturalismo de processo'. Esta abordagem deixa um pouco de lado as redes e os sistemas de regulação, e concentra-se em aspectos mais abstratos do processo de geração, desenvolvimento e mudança dos seres vivos, como nos processos de [auto]construção dos fenótipos propriamente ditos, ou seja, na dinâmica física e química das interações célula-célula, célula-matriz e entre os tecidos organizados.
Obras como "On Growth and form" de Thompson (veja Arthur, 2006) influenciaram muitos biólogos e ajudaram a criar um campo multidisciplinar conhecido como biologia matemática (ou biomatemática) que produziu interessantes e elegantes modelos, infelizmente, muitas vezes estragados por 'horrendos fatos'. Uma das idéias mais interessantes de Thompson é exemplificada pelos seus diagramas que ilustravam como, a partir de deformações geométricas específicas, que mudavam as proporções das estruturas anatômicas dos seres vivos, poderíamos gerar as formas de outros seres aparentados com os primeiros. Os trabalhos de Thompson mostram sua aguda compreensão de que apenas através de alterações nos padrões espaciais e nas taxas de crescimento e proliferação celular, durante do desenvolvimento, é a evolução animal poderia ter se dado.

A utilização, por Thompson, de gradeados com coordenadas cartesianas bidimensionais, ilustra esta idéia. Através de deformação diferencial de certos setores dos planos é possível gerar formas corporais típicas de outras espécies relacionadas (Arthur, 2006). Esta idéia tem semelhanças com outra idéia que ganhou alguma importância no final do século XIX e começo do século XX, a heterocronia, explorada em outra obra de S.J. Gould (esta infelizmente nunca traduzida para o português), Ontogeny and Phylogeny.
Sean Rice (2010) define Heterocronia (do grego, "tempo diferente") como a variação na taxa ou no tempo de desenvolvimento de alguma característica. Uma mudança heterocrônica, portanto, envolve alterações nas taxas ou tempos de desenvolvimento de algumas linhas de células no organismo em relação as outras. Uma

mutação que altere a taxa na qual uma linhagem celular se desenvolve em relação a outras linhagens é uma mutação heterocrônica (Ridley, 2003). Atualmente, se fala mesmo em heterocronia molecular e genética, focando nas alterações bioquímicas e genéticas responsáveis por este processo, mas o conceito original é morfológico-desenvolvimental.
No entanto, esta definição é um pouco vaga e alterações nas taxas de desenvolvimento podem englobar quase todo tipo de mudança morfológica. Uma definição mais restrita exigiria, para que uma esta se qualifique de forma não-ambígua, como heterocronia com aquelas a mudança nas taxas e no 'timing' de algum processo de desenvolvimento sejam uniformes (Rice, 2010).
O termo foi cunhado pelo biólogo alemão Ernst Haeckel (1834-1919) para descrever uma exceção à sua lei biogenética ("a ontogenia é uma recapitulação sucinta e rápida da filogenia"). Haeckel acreditava que a morfologia adulta dos ancestrais de um organismo era repetida nas fases pelas quais um organismo passa ao se desenvolver do ovo a adulto. Isso significa que o tempo e a posição em que uma característica aparece pela primeira vez, em um embrião em desenvolvimento, deve corresponder ao tempo histórico em que esta característica apareceu na evolução e na sua posição morfológica inicial. Haeckel identificou dois processos que poderiam confundir o padrão esperado: heterotopia, uma mudança no local em que surge uma características, e heterocronia, uma mudança no ponto no tempo do surgimento da característica. Embora a lei biogênica tenha sido rejeitada, o termo heterocronia tem persistido, embora o seu significado tenha mudado (Rice, 2010).
Foi o grande embriologista sir Gavin de Beer, que nos anos 30, ajudou a elevar a heterocronia como uma classe de mecanismos evolutivos, ao descrever oito tipos diferentes de heterocronia. Estes correspondiam a diferentes formas pelas quais a presença ou ausência de uma característica, em juvenis e adultos, poderiam mudar. Por exemplo, a neotenia é definida como um caso em que uma estrutura morfológica vista nas formas juvenis de uma forma ancestral vem a ser encontrada na forma adulta de um grupo descendente (Rice, 2010).
"Esta abordagem de distinguir diferentes tipos de heterocronia foi continuada por S.J. Gould (1977), que modificou um pouco a classificação de Beer e reformulou o conceito em termos de tamanho e forma, ao invés de presença ou ausência. O "modelo de relógio"Gould define diferentes tipos de heterocronia considerando uma fase de crescimento específico (como a maturidade sexual) e observando o quanto o tamanho e forma evoluíram de um descendente em relação ao seu antecessor na mesma fase. Nesta perspectiva, a neotenia é um caso em que o descendente adulto é do mesmo tamanho como seu antepassado, mas é a forma do ancestral numa idade mais jovem." (Rice, 2010)
O modelo de relógio de Gould, que considera apenas o tamanho e a forma em um determinado momento, não inclui representações diretas das alterações do desenvolvimento per se. Abordagens como a de 'trajetórias ontogenéticas', desenvolvida por Pere Alberch e colegas (1979), resolve este problema plotando curvas que representam o valor de alguma característica em função do tempo (idade) para os ancestrais e descendentes. Desta forma os diferentes tipos de heterocronia correspondem a diferentes formas em que a trajetória ancestral teria que ser transformada para produzir a trajetória descendente.
Seguindo Rice (1997, 2010), hoje identificamos seis tipos de heterocronia:
Hipermorfóse- O desenvolvimento da característica descendente continua além do ponto em que parou no ancestral.
Progênese- O desenvolvimento da característica descendente para mais cedo do que ocorre na ontogenia do antepassado.
Aceleração- O caráter se desenvolve a uma taxa mais elevada na descendente do que no antecessor.
Neotenia- A característica se desenvolve a uma taxa inferior no descendente do que no antecessor.
Pós-deslocamento- A característica começa a desenvolver mais tarde na vida do descendente do que ocorre com ela no antepassado.
Pré-deslocamento- A característica começa a desenvolver precocemente no descendente em relação ao que ocorria no antepassado.
Além de outros dois termos habitualmente usados:
Paramorfose- A forma adulta ancestral parece a forma juvenil do descendente.
Pedomorfose- O descendente adulto se assemelha a forma juvenil do ancestral.
Esta tradição, mesmo que tenha sido sempre, em um certo sentido, periférica, conseguiu influenciar muitos cientistas e ajudou a criar algumas abordagens mais formais para problemas biológicos fundamentais, como o da origem da 'forma biológica'. Esta tradição de pesquisa e modelagem é uma parte integrante daquilo que é conhecido também como biologia teórica, disciplina que possui interfaces diretas com a biomatemática, biologia computacional e como a filosofia da biologia.
Uma das queixas habituais de muitos biólogos teóricos é que a 'síntese moderna da biologia evolutiva' haveria deixado de lado a embriologia, assumindo uma visão mais simplistas que desconsiderava todo o contexto de

interações epigenéticas (clique na figura ao lado para saber mais sobre epigenética) que ligavam as variações dos genes (originalmente identificados com segmentos cromossômicos e mais tarde com seqüencias de DNA envolvidas na síntese de biopolímeros) diretamente aos fenótipos morfofisiológicos adultos, trabalhando basicamente com as correlações, entre estes dois níveis, em contextos idealizados nos quais os detalhes não importavam.
Entre os que se opunham a este viés, que caracterizava a, então emergente, biologia evolutiva moderna, encontravam-se muitos embriologistas que vinham desta tradição mais formalistas e menos preocupados com questões adaptativas e funcionais. Estes cientistas longe de negar a evolução, apenas achavam que o arcabouço teórico da síntese evolutiva moderna era insuficiente para explicar a evolução, já que simplesmente ignorava os aspectos biológicos que eles julgavam mais importantes para a compreensão da origem e

mudança dos seres multicelulares, principalmente dos animais. Neste período, que se seguiu imediatamente à "nova síntese", talvez ninguém mais do que o embriologista, geneticista e biólogo teórico Conrad Hal Waddington tenha personificado esta escola de pensamento que buscava integrar estes outros aspectos à biologia evolutiva. Waddington enfatizava a importância daquilo que ele chamava de 'paisagem epigenética', um modelo esquemático que buscava contextualizar a ação dos genes e de seus produtos durante o desenvolvimento.

Em tempos mais recentes, talvez a pessoa que mais tenha colaborado para divulgar esta perspectiva foi o biólogo teórico canadense, Brian C. Goodwin (orientado de Wadington), falecido no ano passado. Goodwin, "o poeta da biologia teórica", segundo Stuart Kauffman (Lewin, 1994), estudou biologia na universidade McGill e matemática em Oxford e era interessado em aspectos matemáticos da formação de padrões biológicos, particularmente durante o desenvolvimento embriológico seguindo a tradição estruturalista. Seu livro "How The Leopard Changed Its Spots: The Evolution of Complexity". Seu principal interesse científico era, portanto, compreender a "origem das formas biológicas". Goodwin, em um artigo chamado "The life of form. Emergent patterns of morphological transformation", publicado em 2000 faz a seguinte colocação:
"É necessário começar com as razões pelas quais a forma não pode ser entendida em termos de composição molecular e história, embora esses dois aspectos contribuam para a forma. Estes aspectos são os particulares da forma, os atributos idiossincráticos que fazem uma instância de um forma individualmente distinta de outra. Qualquer sistema complexo, constituído de várias partes vai, de fato, possuir uma composição individualmente distinta e uma história particular, onde a história aqui significa a influência de circunstâncias particulares que o sistema experienciou. Na física isso geralmente

significa as condições iniciais de um sistema, incluindo o arranjo do dispositivo de medição. Podemos nos referir a elas como o "ambiente" do sistema em observação. Em biologia, os organismos têm, pelo menos, duas dimensões históricas, desenvolvimental (ontogenética) e evolutiva (filogenética). Estes incluem influências ambientais e jeito como eles afetam a composição genética e atividade." (Goodwin, 2000)
A partir de uma visão organicista e sistêmica, Goodwin afirmava que existem fenômenos biológicos que ainda resistem, de forma recalcitrante, a redução, seja ela molecular, genética ou histórica:
"O primeiro deles é o próprio desenvolvimento, o surgimento de organismos complexos partir de ovos ou brotos. Isso não pode ser explicado em termos de um programa genético, pela simples razão de que a geração de formas macroscópicas tridimensionais (morfogênese) não pode ser explicado em termos de variações na composição molecular dos organismos em desenvolvimento, para a qual um programa genético, provê, em princípio, uma descrição completa. A dificuldade aqui é geral, não particular à biologia: a composição não determina a forma. Além disso, adicionar restrições (constraints) históricas (sob a forma de condições iniciais, por exemplo) e as influências ambientais não altera esta conclusão geral. Para explicar como forma macroscópica é gerada, é necessário incluir uma descrição do padrão espacial das forças, ou da ordem relacional, que caracteriza o regime particular do sistema em estudo, que é chamado de 'campo'. Sólidos, gases, líquidos e cristais líquidos são descritos pelas teorias que combinam as propriedades de composição com descrições de como o estado de qualquer região é influenciado por (e influenciam) regiões vizinhas dentro do sistema, definindo sua ordem relacional como um campo. Organismos em desenvolvimento são descritos por 'campos morfogenéticos', que são o contexto espaço-temporal organizado em que mudança na composição molecular (controlado por um programa genético) exerce sua influência. Diferentes tipos de campos morfogenéticos foram descritos matematicamente para diferentes tipos de sistema em desenvolvimento (os exemplos incluem [11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17]. Todos eles partilham certas propriedades que revelam semelhanças gerais da forma gerada, mas não há ainda nenhuma teoria satisfatória geral da morfogênese. No entanto, isso não altera a lógica da argumentação [18]. Para compreender os organismos em desenvolvimento, é necessário ter uma teoria adequada dos campos morfogenéticos. Isso foi claramente demonstrado por estudos clássicos de desenvolvimento, e a situação mantém-se inalterada hoje."(Goodwin, 2000)
Aqui cabe uma explicação e um alerta importante. A expressão 'campos morfogenéticos' é adequada e científica da forma que Goodwin a usa neste texto. Esta expressão descreve o contexto espaço-temporal em que as forças físicas e processos morfogenéticos, em sua ordem relacional, ocorrem durante o desenvolvimento. O uso desta expressão tem um longa tradição histórica dentro da embriologia e da biologia do desenvolvimento, inicialmente, derivada de uma analogia aos campos da física. Esta expressão, e os processos por ela descritos, não é sinônima dos famigerados 'campos mórficos' advogados pelo bioquímico/parapsicólogo Rupert Sheldrake. Sheldarke apenas se inspirou na idéia de campos morfogenéticos, da embriologia clássica do começo dos anos 20, e lhe deu uma roupagem do tipo 'nova era' e, até o momento, completamente pseudocientífica, sobretudo ao propor a chamada 'ressonância mórfica' como um suposto mecanismo para toda a sorte de fenômenos bizarros sejam eles corroborados ou não pelas ciências modernas. Não é de 'campos mórficos', portanto, que estamos falando neste texto, mas sim de um construto teórico científico que pode ser evidenciado empiricamente e nos ajuda a compreender o contexto espaço-temporal do desenvolvimento biológico.
Scott Gilbert (Gilbert, 1996) um dos mais respeitados biólogos de desenvolvimento coloca a questão da seguinte maneira:
"Além de descobrir as notáveis homologias entre os genes homeobox e seus domínios de expressão, a genética do desenvolvimento propôs recentemente homologias entre processos que complementam as antigas homologias de estrutura. Vias homólogas de desenvolvimento, tais como as que envolvem os genes wnt, são vistos em numerosos processos embrionários, e são vistos ocorrendo em regiões discretas, os campos morfogenéticos. Estes campos (que exemplificam a natureza modular do desenvolvimento embrionário) são propostos como intermediando entre o genótipo e o fenótipo. Assim como a célula (e não o seu genoma) funciona como a unidade de estrutura orgânica e função, do mesmo modo, os campos morfogenéticos (e não os genes ou as células) são vistos como a grande unidade da ontogenia cujas mudanças provocam alterações na evolução."
Gilbert identifica as próprias redes genéticas e bioquímicas modulares, usadas reiteradamente no desenvolvimento de diversos tecidos em diversos animais, como os 'campos morfogenéticos'. Portanto, para Gilbert os campos são instanciados de uma forma um pouco diferente da proposta por Goodwin que considera em sua definição todo o contexto geométrico e físico no qual (e sobre o qual) estes módulos estão inseridos.
Os aspectos salientados pelo biólogo H.F. Nijhout (que prefere o termo mais geral "campos de desenvolvimento" ao invés de "campos morfogenéticos", apesar de fazer referência ao artigo de Gilbert, 1996) são as fronteiras de comunicabilidade celular, portanto, mais uma vez, é o contexto espaço-temporal dos campos morfogenéticos o centro da questão. Nijhout faz também uma distinção entre desenvolvimento embrionário e pós-embrionário que para os fins deste artigo não importam muito:
Não há nenhum mecanismo de controle centralizado que coordene o desenvolvimento embrionário. Até onde sabemos, cada célula do embrião em desenvolvimento simplesmente responde aos sinais que recebe das células que o rodeiam. Tais sinais entre as células regulam a expressão dos genes nas células recipientes, e a expressão gênica alterada, por sua vez, define as condições que causam a próxima rodada de eventos de desenvolvimento. A observação da homeostase desenvolvimental, juntamente com o reconhecimento de que não há controle centralizado durante o desenvolvimento embrionário, sugere que o desenvolvimento embrionário é quase totalmente auto-organizado. A situação é completamente diferente durante o desenvolvimento pós-embrionário. Como um animal cresce durante o desenvolvimento, a comunicação de longo alcance através de sinais de célula a célula torna-se cada vez mais ineficiente. Na medida que os sinais regulatórios e indutivo podem estender-se apenas por pequenas porções do animal em desenvolvimento, a regulação do desenvolvimento torna-se em grande medida uma questão local. As regiões nas quais as células são capazes de se comunicar, umas com as outras, são chamadas de 'campos de desenvolvimento', e campos do desenvolvimento distantes podem interagir apenas caso movimentos morfogenéticos (como a gastrulação ou involução) tragam-nos fisicamente próximos (Nijhout, 1999).
Estas considerações nos levam a pensar em como estes processos e esta dinâmica agiram durante a evolução biológica. Um dos representantes mais modernos desta forma de pensar é o físico-químico e biólogo do desenvolvimento Stewart Newman, do New York Medical College, que em sua página afirma:
“O mapeamento estreito entre genótipo e o fenótipo morfológico, em muitos metazoários modernos levou à noção geral de que a evolução da forma organísmicas é uma conseqüência direta da evolução de programas genéticos. Este ponto de vista padrão entrou em conflito com a evidência de discordâncias entre alterações genotípicas e fenotípicas no desenvolvimento e evolução. Como alternativa a essa visão, temos explorado a idéia de que a atual relação entre genes e forma é uma condição altamente derivada, um produto da evolução, em vez de sua condição. Antes de seleção para a canalização das vias bioquímicas de desenvolvimento e de estabilização dos fenótipos, a interação dos organismos multicelulares com seus ambientes físico-químicos ditou um mapeamento 'um-para-muitos' entre

genomas e formas. Estas formas teriam sido geradas por mecanismos epigenéticos: inicialmente, os processos físicos característicos da materiais quimicamente ativos, condensados; e mais tarde [mecanismos] condicionais, interações indutivas entre os tecidos constituintes do organismo. O conceito de que os mecanismos epigenéticos são os agentes geradores dos planos corporais e da originação de caracteres morfológicos ajuda a explicar os resultados que são difíceis de conciliar com o modelo neo-darwinista, por exemplo, a explosão de planos corporais no começo do Cambriano, as origens das inovações morfológicas, a homologia, a mudança rápida e de forma.”http://www.nymc.edu/sanewman/evodevo.htm
Moléculas, células, tecidos e o embrião: Considerando aquilo que realmente importa
Salazar-Ciudad, Jernvall, Newman (2003) fornecem alguns exemplos esquemáticos dos mecanismos básicos de desenvolvimento sobre os quais os processos evolutivos atuam e que precisam ser bem compreendidos para que possamos ter uma teoria integral da evolução biológica que não seja exclusivamente centrada na genética evolutiva de populações, mas também na biologia do desenvolvimento e em considerações teóricas mais amplas.
Três tipos de mecanismos gerais estão envolvidos na [auto]construção dos fenótipos, são eles:
Mecanismos celulares autônomos;
Mecanismos indutivos;
Mecanismos morfogenéticos.
Mecanismos celulares autônomos:
O primeiro tipo de mecanismos envolve propriedades internas às células, dependendo, desta forma, dos seus sistemas metabólicos e de sinalização intra-celular. Aqui a organização citoplasmática e nuclear é fundamental. Pequenas alterações ou assimetrias nas distribuições de certas moléculas podem ter um papel chave e ajudar a estabelecer (pré)padrões no embrião em formação. Implícitos nestes mecanismos estão as propriedades físico-químicas e mecânicas das células individuais especialmente a capacidade destas propriedades de influenciarem e ser influenciadas pelo micro-ambiente extracelular e pelo próprio genoma celular.

Mecanismos indutivos:
Mecanismos indutivos estão entre os mais estudados por embriologistas e biólogos do desenvolvimento. Estes envolvem processos de sinalização célula à célula, tanto através de secreções exócrinas como autócrinas, isto é, envolvendo a liberação de pequenas moléculas difusíveis que interagem com receptores nas membranas celulares de células vizinhas, ou no caso de moléculas lipossolúveis (como ácido retinóico) diretamente com proteínas receptoras citoplasmáticas ou mesmo nucleares. Além disso, estes mecanismos podem ocorrer pela ligação direta das porções extra-celulares de proteínas transmembrana à proteínas receptoras na superfície de células adjacentes.

Mecanismos morfogenéticos:
Aqui princípios mais sutis entram em ação, princípios estes associados às propriedades mecânicas e viscoelásticas dos tecidos e como estas influenciam sua dinâmica ao serem comprimidas, esticadas, torcidas etc.

Apesar deste aspecto ficar mais óbvio na última classe de mecanismos, aqui também a física e a química são essenciais para compreendermos estes processos e apreciarmos como, durante a evolução biológica, estas propriedades podem ter sido 'exploradas' através de mutações e mudanças epigenéticas transgeracionais. Neste contexto, as propriedades das células individuais também são importantes, sobretudo aquelas relacionadas a suas capacidades de re

sposta a deformação mecânica, especialmente em relação a forças como tensão e compressão. Nas últimas décadas Douglas Ingber, do Children's Hospital de Boston ligado a escola de medicina de Harward, e outros pesquisadores, tem estudado a forma com que células respondem a compressão e a tensão, gerada por células vizinhas ou por alterações na matriz celular sobre a qual estão assentadas.
O ponto crucial aqui é que as reações bioquímica intracelulares não ocorrem em uma solução livre, mas através de arcabouços e estruturas citoplasmáticas, mesmo dentro do núcleo das células vivas. Este sistema organizado e estruturado não pode ser deixado de lado, especialmente a interface entre as mudanças na forma celular e as alterações em sua função e estado de ativação genética.
Ingber aborda o tema a partir da 'tensegridade', um princípio de construção, descrito pela primeira vez pelo arquiteto R. Buckminster Fuller. Sistemas que se organizam através da tensigridade são estabilizados pela tensão contínua ou "integridade tensional" e não por compressão contínua (por exemplo, como em um arco de pedra). Existem duas classes de estruturas que se comportam de acordo com o princípio de tensigridade, as protendidas (pré-tensionadas) e as geodésicas, cuja integridade depende da contínua transmissão de forças de tensão quando estas se encontram sob estresse mecânico. O modelo de tensigridade celular trata as células como estrutura protendidas, isto é, previamente tensionadas, embora estruturas geodésicas também sejam encontradas em célula em escalas menores, como nas vesículas revestidas por clatrina e em capsídeos virais. No modelo, as forças tensionais são suportadas por microfilamentos e filamentos intermediários do citoesqueleto, e essas forças são equilibradas por elementos estruturais interconectados que resistem à compressão, principalmente por 'vigas internas' formadas por microtúbulos e pela adesão à matriz extracelular (Ingber, 1998, 2006 veja também o site do laboratório de Ingber).
Alguns dos modelos de Ingber ilustram como o tecido epitelial pode sofrer alterações locais e dar origem a novos pontos de ramificação e de crescimento mesmo em ambientes quimicamente homogêneos, isto é, em que as concentrações de fatores de crescimento e outros morfógenos não variam especialmente (Ingber, 2006). Clique nas figuras abaixo e acima à direita para ver os modelos em questão.

Os processos físicos atuantes durante o desenvolvimento ontogenético, de sistemas biológico modernos, embora estejam sujeitos à restrições específicas (além de raramente agirem de forma "pura") são basicamente os mesmos processos comuns à todos os meios viscoelásticos e quimicamente excitáveis, sendo eles vivos ou não:
Difusão livre;
Imiscibilidade de líquidos (adesividade diferencial celular);
Comportamento químicos oscilatórios (oscilações bioquímicas);
Estados químicos multi-estáveis;
Acoplamento entre reação-difusão
Responsividade/excitabilidade mecanoquímica.
A 'matéria mole' e os 'meios excitáveis':
Dois conceitos podem nos ajudar a compreender melhor esta questão, muito bem explicados nas palavras de Newman e colaboradores (2006):
"Materiais viscoelásticos não-vivos, tais como a argila, borracha, lava e geléia, por exemplo, estão sujeitos a serem moldados, formados e deformados pelo ambiente físico externo. Tais materiais têm sido chamados de "matéria mole" (soft matter), pelo físico Pierre-Gilles de Gennes (de Gennes, 1992). A maioria dos tecidos vivos são 'matéria mole' e todos eles são também o que os físicos termo "meios excitáveis" (Mikhailov, 1990); (Winfree, 1994, Winfree, 2002), materiais que respondem de maneira ativa e previsível ao os seus ambientes físicos. É claro que alguns, se não muito dos resultados da plasticidade organismal das propriedades desses materiais." (Newman, Forgacs & Müller, 2006)
Webster (2007) descreve um padrão interessante em relação a diversidade fenotípica intra-específica de trilobitas no começo do cambriano em relação as espécies do final do cambriano e mais derivadas. Esta era muito maior no começo deste período e em espécies mais basais, sugerindo uma maior plasticidade fenotípica inicial, talvez, associada a um menor controle e canalização genético-desenvolvimental destes fenótipos e maior dependência deles de mecanismos genéricos e das condições ambientais.
Esta constatação, seguindo algumas das observações e conclusões de Borenstein & Krakauer (2008) sobre a flexibilidade dos sistemas desenvolvimentais dos seres multicelulares do período pré-cambriano, levam a propostas interessantes como a de Newman, Forgacs & Müller (2006):
"Sugerimos que esses processos tiveram livre reinado em estágios iniciais da história da vida multicelular, quando pouca evolução tinha ocorrido dos mecanismos genéticos para a estabilização e fortalecimento de morfologias funcionais de sucesso." (Newman, Forgacs & Müller, 2006)
O que os levou a sugerir um cenário também bem interessante:
"A partir disso, elaboramos um cenário hipotético para a formação de padrões e morfogênese nos primeiros metazoários. Nós mostramos que as morfologias esperadas que sugeriam durante este relativamente irrestrito estágio "físico" da evolução corresponde à morfotipos oco, multicamada e segmentado, vistos nos embriões na fase de gastrulação dos metazoários modernos, bem como [ao que aparece] em depósitos de fósseis do Ediacariano [cerca de] 600 000000 anos atrás. Nós sugerimos várias maneiras em que os organismos, que eram originalmente formados por mecanismos predominantemente físicos, poderiam ter evoluído mecanismos genéticos para perpetuar suas morfologias." (Newman, Forgacs & Müller, 2006)
Durante o desenvolvimento ontogenético são 'empregados' uma série de mecanismos físicos básicos que são comuns aos materiais reunidos sobre a alcunha de 'matéria mole' 'meios excitáveis' que tanto constituem sistemas vivos como não-vivos. Mecanismo estes que Newman tem chamado de "genéricos" (Newman e Comper, 1990 apud Newman, Forgacs & Müller, 2006). Enquanto existe, de fato, debate em torno de cada um destes mecanismos em relação à sua eficácia relativa na determinação dos padrões e transições desenvolvimentais, todos eles são confirmados experimentalmente.
Difusão:
O "amontoamento molecular" no interior de cada célula individual limita em muito o papel da difusão livre neste contexto. Entretanto, existem boas evidências quantitativas para o envolvimento deste processo no estabelecimento de gradientes na escala de embriões multicelulares e de primórdios (brotos) de órgãos.
A difusão do morfógeno Decapentaplegic (DPP) parece ser importante na formação dos discos imaginais em moscas do gênero Drosophila, já que as taxas de difusão extracelulares, a cinética de ligação à proteína receptora para o DPP e sua taxa de ocupação foram mais consistentes com as medidas das taxas de transporte dos modelos envolvendo difusão do que com as dos modelos alternativos sem difusão. Mas, mecanismos ativos, além da difusão, também parecem estar envolvidos no transporte DPP (Newman, Forgacs & Müller, 2006).
Gradientes da proteína Bicoid materna (BCD) são outro exemplo de processo em que a difusão desempenha um papel, neste caso em um sincício (também não uma célula única). Aqui, mais uma vez, outros processos se somam a difusão, já que o sinal da BCD parece ser "corrigido" por outros fatores, provavelmente incluindo o produto de outro gene maternal, Staufen (Newman, Forgacs & Müller, 2006).
Adesão diferencial:
Agregados celulares, especialmente quando oriundos de tecidos embrionários, 'enrolam-se' como gotas de líquido. Algo análogo ocorre quando pares de tecidos, que diferem em termos de coesividade - baseado no comportamento de espraiamento em um substrato comum e em resposta a forças compressivas - que acabam por se comportar como líquidos imiscíveis, formando interfaces através nas quais as células não se misturam, ou, no caso de misturas heterotípicas de células, estas se separam em fases. Assim, cada tecido, em um dado par, vai engolfar o outro ou ser engolfado, de acordo com a relação coesividade previsível a partir de medições físicas.
Estes comportamentos, segundo Newman e colaboradores (2006), podem ser considerados 'genéricos', já que podem ser atribuídos inteiramente às diferenças quantitativas na adesividade celular. Entretanto, ainda existe certa controvérsia sobre se a adesividade diferencial desempenha um papel determinante no desenvolvimento embrionário, mas em muitos dos sistemas investigados a adesão diferencial parece ser bastante importante, embora nem sempre aja de forma exclusiva, na determinação da formação de fronteiras entre territórios celulares.

A adesão diferencial através da expressão de moléculas adesivas homogêneas em toda superfície de células individuais desempenha um papel durante o desenvolvimento, como nos tecidos epitelióides que são formados por células com moléculas adesivas uniformemente distribuídas. Assim, essas massas de tecido epitelial tornam-se epiteliais pela expressão de proteínas que medeiam ou regulam a adesão de uma forma polarizada. Então, como resultado do movimentos aleatórios das células ou de morte de células, que se destacam de seus vizinhos, as regiões de celulares com baixa afinidade aderem-se automaticamente formando em seu interior cavidades ocas ou lúmens. Nos mamíferos, por exemplo, a formação do blastocisto é impulsionada pela expressão de conjuntos específicos de produtos de genes (por exemplo, caderina-E e catenina) que direcionam a aquisição de polaridade celular dentro do trofoectoderma, que é o primeiro epitélio a se formar, durante o desenvolvimento, e a camada celular circundando a blastocele e a massa celular interna (Newman, Forgacs & Müller, 2006).
Oscilações bioquímicas:
A geração 'temporalmente-periódica de complexos de proteínas funcionalmente ativas, ou expressão de genes, desempenha um papel importante no desenvolvimento. Na fase de clivagem dos embriões da rã Xenopus as 14 divisões celulares que produzem a blástula são acionadas por atores promotores da fase-M (MPF), uma proteína quinase, que consiste em duas subunidades:cdc2 (a subunidade catalítica) e ciclina B (subunidade reguladora). MPF fosforila uma série de proteínas envolvidas na quebra do envoltório nuclear, condensação cromossômica, formação do fuso e outros eventos da meiose e mitose. Considerando que cdc2 está presente em um nível constante durante todo o ciclo celular, a concentração da ciclina B e, portanto, MPF, variam de forma contínua, aumentando para um valor de pico pouco antes do fase M e caindo para um valor basal nas células na saída da fase M . Porém, o mais interessante é que nenhuma transcrição é necessária para produzir esta oscilação. Em extratos citoplasmáticos, livres de núcleos, de óvulos imaturos do anfíbio, ocorrem, mesmo assim, oscilações espontâneas da proteína MPF, com um período de cerca de 60 min. Isso ocorre por que a ciclina é periodicamente degradada nestes extratos e ressintetizada de uma forma que depende exclusivamente da presença de seus RNAms no citosol (Newman, Forgacs & Müller, 2006).
Oscilações na expressão dos componentes da via de sinalização célula-célula justácrinas, como Notch-Delta e respectivas entidades reguladoras da transcrição (c-hairy em galinhas; HER1 e Her7 no peixe zebra, Danio rerio) são responsáveis pela formação progressiva dos

somitos da placa segmentar em vertebrados. Isto parece envolver também um gradiente espacial de FGF8 cujo ponto alto está na ponta da cauda do embrião e seu ponto mais baixo final fornecem uma "portão"ou "limite", para além da qual, as células são re-especificadas pelo determinantes oscilantes. Essas oscilações, controlando tanto fase de clivagem do ciclo celular e a somitogênese, são propriedades "genéricas" da rede bioquímica e de seu timing. Os mecanismos dinâmicos propostos para explicar esses relógios bioquímicos dependem menos da identidade molecular única dos produtos gênicos envolvidos, do que das relações formais entre eles: retroalimentação positiva e negativo, atrasos temporais na reposta, limiares de excitação etc (Newman, Forgacs & Müller, 2006). São a partir deste tipo de interações não-lineares que estas propriedades emergem.
Estados bioquímicos multi-estáveis:
Os comportamentos oscilatórios são apenas um dos tipos de dinâmica que as redes bioquímicas intra-celulares, em certas condições específicas, são potencialmente capazes de exibir. A alternação entre estados composicionais estáveis distintos é outro exemplo. Em contraste com sistemas químicos fechados (que sempre evoluem em direção a um estado único macroscópico de equilíbrio químico, veja o artigo "Termodinâmica e evolução:O velho argumento da segunda lei"), as células vivas sendo sistemas abertos, caso possuam um certo nível de complexidade dinâmica, podem exibir vários "atratores dinâmicos" (veja Lewin, 1994 e Milnor, 2006), para os quais o sistema irá evoluir, terminando em um ou outro estado diferente (Newman, Forgacs & Müller, 2006).
As oscilações bioquímicas do ciclo celular e os 'relógios somíticos' são atratores desse tipo: pequenas alterações nos parâmetros do sistema (constantes de velocidade, lapsos de tempo) podem suprimir a oscilação. Para sistemas multi-estáveis, estados alternativos, oscilatórios ou não oscilatórios, podem potencialmente ser atingidos por diferenças nas condições iniciais dos sistema, mas, quando sistemas multi-estabilidade dinâmica é empregada em organismos modernos, como no ciclo celular eucariótico ou na estabilização de estados diferentes de células (ou seja, a robustez, veja abaixo) está se dá através de complexidade bioquímica adicional (Newman, Forgacs & Müller, 2006).
Experimentos com a bactéria Escherichia coli, envolvendo redes de utilização de lactose, demonstraram multi-estabilidade dinâmica que tem sido também proposta como base da diferenciação de células eucarióticas:
"O fenômeno dinâmico da "diversificação isóloga" (Kaneko, 2003, Furusawa e Kaneko, 2006), em que sistemas (células modelo) apresentam estados alternativos de composição somente quando em comunicação com outras cópias do mesmo sistema, proporciona um modelo para a 'efeito de comunidade' visto durante o desenvolvimento muscular em Xenopus (Buckingham, 2003, Standley et al., 2002)."
Acoplamento reação-difusão:
Em sistemas dinâmicos complexos, do tipo que apresentam oscilações bioquímicas e multi-estabilidade e permitem a difusão de fatores liberados (por exemplo, os tecidos embrionários descrito acima), há uma tendência genérica para formação padrões espaciais complexos ("Complexo" aqui significa mais elaborado do que os gradientes que pode emergir da simples difusão) de um ou mais dos fatores difusíveis ou morfógenos. A base para a formação de tal padrão - acoplamento de reação-difusão foi proposto pelo matemático Alan Turing, ainda na década de 50 (Newman, Forgacs & Müller, 2006):
"Mecanismos de reação-difusão foi uma curiosidade teórica durante várias décadas

após o artigo de Turing, até que o mecanismo foi demonstrado de forma inequívoca, em vários sistemas físico-químicos não vivos

(Castets et al. 1990, Ouyang e Swinney, 1991)."
Clique na figura ao lado que ilustra um processo de reação-difusão, gerado pelo software Cardiff de Warren Weckesser (A Reaction-Diffusion Cellular Automaton Program by Warren Weckesser).
Estritamente falando sistemas de reação-difusão, de acordo com Nicolis e Wit (2007), podem ser caracterizados como:
"No sentido estrito do termo, os sistemas de reação-difusão são sistemas envolvendo componentes localmente transformados em outros através de reações químicas e transportados no espaço por difusão. Eles surgem, naturalmente, em química e engenharia química, mas também servem de referência para o estudo de uma ampla gama de fenômenos encontrados para além da esfera estrita da ciência química, tais como meio ambiente e ciências da vida." (Nicolis and De Wit,2007)
Newman, Forgacs & Müller (2006) definem este tipo de acoplamento da seguinte maneira:
"A idéia básica é que um 'ativador' difusível, positivamente autoregulado (por exemplo, o mesmo fator de Even-skipped no sincicial embrionário de Drosophila (Harding et al., 1989), ou TGF-β no broto mesênquimal do membro, Miura e Shiota, 2000b ) tenderá, se não coagido em sua ação, a criar uma frente explosiva que se espalha de sua própria produção e de qualquer efeito, subordinado, a sua atividade. Se, no entanto, o ativador também induz, na mesma população de células, um inibidor de sua ação que se difunde ou se espalha mais rápido que o próprio ativador, haverá uma zona em torno de qualquer pico de ativação na qual não poderá ocorrer a ativação. Novos picos de ativação se formarão apenas a uma distância suficiente, de outros picos, nas quais o efeito do inibidor já tenha desaparecido. Esses sistemas, portanto, tem um comprimento de onda química intrínseca ".
Porém, desde então, evidências acumularam para um papel para este tipo de mecanismo em diversos sistemas biológicos em desenvolvimento:

Newman, Forgacs e Muller (2006) alertam, entretanto, que alguns candidatos supostamente óbvios como o do genes Even-skipped não dependem da mecanismos de reação-difusão, assim, exigindo-nos adotar um certo cuidado:
"As sete faixas de Even-skipped no embrião de Drosophila têm a aparência de um padrão de reação-difusão, mas na verdade é gerado de uma forma mais complexa (AKAM, 1989, Clyde et al. 2003, Small et al., 1991), o que pode ser o resultado da evolução para a estabilidade do desenvolvimento (Newman, 1993, Salazar-Ciudad et al. 2001b), como discutiremos a seguir."
Excitabilidade mecanoquímica:
Os sistemas teciduais citados anteriormente descritos são todos exemplos de 'meios excitáveis'. Estes armazenam ou geram energia em várias formas e podem reagir a estímulos através da produção contínua de uma atividade característica. A auto-regulação positiva associada aos processos de reação-difusão é um exemplo disso e geração de oscilações químicas também dependem da excitabilidade. E, adição a excitabilidade bioquímica estes materiais podem exibir excitabilidade mecânica, quando um estímulo evoca uma resposta mecânica ativa. Este tipo de resposta, no entanto, não é muito relevante em tecidos mais fluidos como os descritos em relação a adesão diferencial, já que a mobilidade destas células dentro desses agregados, dissipa as perturbações a maioria desta pertubações mecânicas. Membranas basais complexas como as do epitélio, entretanto, conferem rigidez a estes tecidos, facilitando o armazenamento de energia mecânica, o que, em combinação com um componente celular bioquímico excitável e a continuidade mecânica promovida pela ligação celular superfície-citoplasmática, torna, então, o epitélio embrionário capaz de exibir movimento coletivo de células dependente de tensão, levando à dobramentos complexos e ramificação.
Fica mais fácil de perceber os vínculos modernos entre a evolução 'genética' e os mecanismos físicos e químicos 'genéricos' ao analisarmos o papel funcional de algumas moléculas associadas a formação de padrões desenvolvimentais, ao considerarmos as propriedades 'genéricas' a que elas estão associadas.
Newman e Bhat (2009) propõe que a origem, desenvolvimento e evolução morfológica de organismos complexos depende do uso reiterado destas moléculas, que eles chamam de "módulos dinâmicos de padronização" (DPMs, "Dinamics Patterning Modules".
Os DPMs, segundo Newman e Bhat (2009), constituiriam-se em um subconjunto dos produtos gênicos daquilo que muitos geneticistas, embriologistas e biólogos do desenvolvimento (que

trabalham com Evo-Devo) batizaram de "kit de ferramentas" (veja Carroll, 2008) genético-desenvolvimental.
Este "kit" seria formado pelos genes, e seus produtos associados, à formação de padrões durante o desenvolvimento, isto é, principalmente, na determinação do eixos anterior-posterior e dorso-ventral, formação de brotos de apêndices/membros/nadadeiras distais e segmentação corporal e formação de sistemas visual. Estas moléculas incluiriam moléculas adesivas, que seriam expressas na superfícies das células, proteínas ligadas a sinalização intracelular (como as proteínas quinases e fosfatases), além dos nossos já bem conhecidos fatores de transcrição (elementos Trans-ativos) juntamente com seus elementos Cis-regulatórios proximais e distais (Newman e Bhat, 2009).

Estas moléculas não representam os processos e forças físicas per se, mas é através delas que a dinâmica desenvolvimental é instanciada. Mudanças nestas e em outras moléculas, mas, sobretudo, em seu padrão de atividade e conectividade na rede de interações nas quais elas estão envolvidas, é que irão influenciar a geometria, biofísica e bioquímica do desenvolvimento, fazendo, assim, a ponte entre a evolução molecular e as forças físicas e mecanismos químicos a partir dos quais as formas emergem durante o desenvolvimento e se modificam através da evolução.

Os DPMs funcionariam em associação com os processos físicos 'genéricos' que seriam por eles mobilizados. Os produtos gênicos controlariam parte dos parâmetros destes processos físicos e químicos, "tais como as característica químicas e de excitabilidade mecânica típicas de certos sistemas mesoscópicos de agregados celulares como: coesão, viscoelasticidade, difusão, heterogeneidade espaço-temporal com base na interação do inibidor do ativador, e multi-estáveis e dinâmica oscilatória" (Newman e Bhat, 2009).
Muitos dos genes (e seus produtos) que compõe este 'kit de ferramentas' dos metazoários já existiam antes do aparecimentos deste grupo de organismos, portanto, adquirindo "novas funções morfogenéticas simplesmente em virtude da mudança de escala e de contexto inerente à multicelularidade".
A ação destas moléculas

(DPMs), agindo isoladamente e em combinação com outras, formariam um espécie de linguagem, uma "linguagem de padrões" ou uma "linguagem de padronização" capaz de gerar todos os planos, além das formas de estruturas e órgãos, dos corpos dos metazoários (Newman e Bhat, 2009).
As trajetórias relativamente estáveis de desenvolvimento morfológico, e dos fenótipos de maneira geral, que encontramos atualmente nos organismos multicelulares modernos, então, seriam, em certo sentido, novidades. Consideradas produtos ou refinamentos secundários alcançados a partir de seleção natural que privilegiou as mudanças genéticas dos sistemas (e de subsistemas extras de controle) que tornassem os fenótipos mais estáveis e mais fielmente replicáveis geração após geração, assim menos dependentes do ambiente. Assim, sistemas de canalização que mantém a robustez dos fenótipos frente a perturbações genéticas (mutações) e ambientais, talvez tenham sido uma aquisição tardia da evolução animal. A modularização das redes de controle genético-desenvolvimental que possibilita a evolução semi-autônoma de características fenotípicas, pode também ter se seguido a este período mais flexível da evolução da multicelularidade (Newman e Bhat, 2009):
Esta perspectiva resolve o aparente "paradoxo analogia-homologia molecular", onde muito tipos divergentes de animais modernos utilizam o mesmo conjunto de ferramentas moleculares durante o desenvolvimento, mas fazem-no, invertendo o princípio neo-darwinista que a disparidade fenotípica foi gerada durante longos períodos de tempo em concerto com, e em proporção à mudança genotípica (Newman e Bhat, 2009).
Assim, um 'cerne' genético-desenvolvimental comum permanece até hoje, ainda muito coeso (pense no genes Hox e Pax-6, ambos fatores de transcrição, respectivamente ligados a

formação do eixo antero-posterior em vertebrados e invertebrados e do sistema visual), enquanto variações sobre estes temas - típicos de um processo de 'bricolagem' (Jacob, 1977), em que novos 'incrementos' e 'refinamentos' (ou a simples readequação às mudanças no contexto ecológico, no qual vivem os animai) se dá através do uso reiterado de elementos contingentemente disponíveis - foram obtidos pela simples modificação de sistemas anteriores (veja a importância dos processos de formação de novos genes aqui e aqui), utilizando-se basicamente das mesmas 'peças' e das 'mesmas ferramentas', apenas combinadas de forma diferente, em contextos diversos e de forma mais controlada e restringida.
Newman e Bhat (2009) sugerem um modelo hipotético de como a ação combinatória das diversas moléculas DPM, ao modular as diversas forças e propriedades físicas e químicas, poderiam dar origem a diversas características dos sistemas em desenvolvimento. Características estas fundamentais para a construção dos planos corporais típicos de animais.
O uso reiterado destes módulos de padronização, e dos processos que eles ajudam a modular (como difusão, adesão diferencial, acoplamento de reação-difusão, oscilações bioquímicas e manutenção de regimes multi-estáveis etc), podem gerar muitas das características típicas dos planos corporais e estruturas do metazoários; e, mais tarde, através da adição de circuitos genéticos extras e vias de sinalização redundantes (e semi-autônomas que se sobrepõem parcialmente) estabilizar a morfogênese aumentando sua fidedignidade (veja a figura acima e a direita para maiores detalhes).
Os módulos DPM podem se originar a partir de processos típicos associados à origem de novos genes e circuitos regulatórios que vem sendo estudados nas ultimas três décadas, especialmente a partir da duplicação gênica.
Este processo pode ser visualizado através da figura abaixo, na qual a duplicação gênica é seguida de mutações que levam aquisição de novas funcionalidades. Estas figuras são inspiradas em alguns dos exemplos exibidos nos trabalhos de Sean B. Carroll (como Carroll, 2005; Prud'homme, Gompel & Carroll, 2007 e Carroll, Prud'homme & Gompel, 2008) que sugerem como modificações em circuitos regulatórios Cis- e em proteínas Trans- através a partir da duplicação de genes seguidas de neofuncionalização ou subfuncionalização, o que pode não só criar novas proteínas, mas criar novos sistemas e módulos regulatórios.

Aos poucos o quadro teórico torna-se mais claro e podemos entender os fenômenos evolutivos de forma bem mais ampla, ao mesmo tempo que certos detalhes ficam cada vez mais compreensíveis.
Começamos a compreender em um nível cada vez mais refinado os processos de origem das mutações (veja Mutações: A aleatoriedade em sua essência), através de processos fundamentalmente quânticos (e imprevisíveis ao nível individual), e destino destas mutações. Temos condições de apreciar, em um nível excepcional de resolução, como processos estocásticos (como a deriva aleatória e o arrasto genético. particularmente via efeito carona) podem agir em combinação com a estrutura genética e demográfica das populações e com a seleção natural. Ao mesmo tempo, acompanhamos como alguns tipos de mutações tem conseqüências potenciais diferentes de outras que podem ir das mais simples (mutações pontuais, inserções e deleções) até grandes alterações cromossômicas e genômicas, passando por processos intermediários como a duplicação gênica, conversão gênica enviesada, fissão e fusão gênica, além de efeitos de transposição, todos essenciais na produção de novo material genético.
Avançando ainda mais, percebemos que certos processos são gerativamente enviesados - em função do complexo mapeamento entre genes e fenótipos e por causa dos próprios mecanismos de duplicação e reparo genômico - e outros são funcionalmente enviesados, isto é, seus resultados prestam-se mais a evolução pois envolvem alterações em circuitos gênicos em um nível hierárquico, e de uma forma, que minimizam potenciais efeitos deletérios pleiotrópicos e epistáticos. A organização em rede dos genomas parece ser tanto um processo adaptativo como espontâneo fruto da dinâmica auto-organizada de redes emergentes como os resultados de sugerem Borenstein & Krakauer (2008). Além disso, muitos dos elementos e 'embelezamentos' genômicos, como a aquisição de introns, modularização de circuitos gênicos (por duplicação e subfuncionalização) e origem de elementos Cis- e regiões UTR (regiões não traduzidas do RNA mensageiro) são em parte explicadas pela maior tolerância a mutações ligeiramente deletérias associadas a diminuição no número efetivo das populações de animais, sobretudo vertebrados e a menor eficiência da seleção purificadora, como os trabalhos de grupos como o de Michael Lynch tem indicado (veja para maiores detalhes Além da seleção natural ou a importância da evolução neutra), além dos efeitos da deriva genômica e evolução de famílias gênicas por eventos de "nascimento e morte" refletidos nos resultados do time de Masatoshi Nei e os trabalhos de pesquisadores como Arlin Stoltzfus, Austin L. Hughes, Lev Y. Yampolsky sobre viés mutacional.
Desta forma, mesmo os tópicos mais complicados e difíceis de investigar vão tornando-se mais coerentes e compreensíveis, na medida que os novos métodos e dados empíricos se acumulam, permitindo que uma visão mais abrangente da evolução biológica se desenvolva, formando-se da união de novas e antigas perspectivas teóricas potencializadas por novos métodos experimentais e de prospecção e análise de grandes quantidades de dados biológicos.
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