Evolução (Encyclopedia of Earth)
Existe muito material introdutório de boa qualidade sobre a evolução disponível online, mas o texto que traduzo, que faz parte da Encyclopedia of Earth, tem uma enorme vantagem sobre muitos outros que existem por aí. Ele combina, em um mesmo artigo, muito direto e bem escrito, por sinal), um texto conciso e uma ampla cobertura de tópicos da moderna biologia evolutiva, quando o padrão dos textos introdutórios é o foco limitado em alguns pontos bem específicos, como seleção natural, deixando outros, muito importantes, de fora. O texto a seguir, escrito pelo biólogo John Swaddle e editado por J. Emmet Duffy é uma ótima apresentação aos principais mecanismos investigados pelos biólogos evolutivos e pode ser usado com um material de referência rápida.
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Evolução
Publicado em 21 de março de 2010 às 10:04 pm
Atualizado em 21 de março de às 10:04 pm
Autor principal: John Swaddle
Fonte: Encyclopedia of Earth
Tradução: Rodrigo Véras
Tópico:
Este artigo foi revisado pelo editor do tópico: J. Emmett Duffy
1 -Introdução
2 -Mecanismos da evolução
2.1 -Seleção
2.1.1 -Seleção sexual
2.2 -Deriva Genética
2.3 -Mutação
2.4 -Fluxo gênico
3 -Limitações na evolução
3.1 -Restrições
3.2 -Não independência das características
4 -Juntando tudo
5 -Evolução em níveis multiplos: da micro a macroevolução
Introdução:
A evolução é normalmente definida como uma mudança das frequências alélicas (variantes de genes) na população ao longo do tempo. Em outras palavras, a evolução engloba uma série de mecanismos que levam a alterações na proporção relativa de diferentes tipos de genes contidos em uma população na qual estas alterações persistem de uma geração para a outra. Os principais mecanismos que resultam em tais alterações são a seleção, a deriva genética, a mutação e o fluxo gênico.
É comum o equívoco de pensar que a evolução só ocorre por meio da seleção, mas todos os quatro mecanismos co-ocorrem e a seleção não é necessariamente a força dominante da mudança evolutiva. Como Charles Darwin é considerado o cientista mais proeminente a escrever sobre a evolução por meio da seleção natural, este mecanismo é frequentemente denominado de 'Seleção Darwiniana'. Na realidade, muitos cientistas estavam desenvolvendo estas ideias sobre evolução ao mesmo tempo que Darwin e a primeira apresentação formal da evolução por meio da seleção natural foi uma comunicação conjunta, em coautoria, de Alfred Russel Wallace e Charles Darwin. No entanto, é o livro seminal de Darwin intitulado “Sobre a Origem das Espécies por meio da Seleção Natural” que é geralmente citado como a gênese da teoria evolutiva já que contem uma abundância de evidências indicando como a seleção opera e como as espécies descendem de ancestrais comuns.
As teorias de Darwin sobre evolução não tinham qualquer conhecimento da mudança genética e foi apenas com a incorporação do trabalho de Gregor Mendel, sobre a hereditariedade genética das características das ervilhas, no pensamento evolutivo que a nova síntese da teoria da evolução nasceu. Esta nova síntese levou a uma onda de pesquisas entre os anos de 1920 e 1960 que descreveram e formalizaram os mecanismos genéticos da evolução. A teoria da evolução mudou substancialmente desde os primeiros dias de Darwin e Wallace.
Como existem agora dezenas de milhares de estudos científicos que demonstram como a evolução funciona, a sua caracterização como uma "teoria" é um pouco enganadora, e muitos cientistas sentem que o termo 'teoria' diminui o peso esmagador das evidências que apoiam a concepção moderna da evolução e de como ela funciona.
Mecanismos da evolução:
Seleção:
Se variantes gênicas (alelos) particulares conferem vantagens em termos de aptidão, então, estas variantes aumentarão de frequência de uma geração para outra por meio da seleção. Vantagens de aptidão ocorrem quando um indivíduo produz mais descendentes (ou seja, prole) que sobrevivem até a idade reprodutiva do que outros indivíduos na população. Assim, genes de indivíduos produzindo mais descendentes estarão mais representados na próxima geração, levando a uma mudança nas frequências gênicas como um todo em favor daqueles alelos selecionados. Fundamental para este processo é a presença de variabilidade herdável (i.e. pelo menos parcialmente determinada geneticamente) na população.
A seleção, geralmente, age do meio ambiente, através dos fenótipos (as manifestações físicas dos genes subjacentes), em direção aos genótipos (a constituição genética dos indivíduos) (Figura 1). Sendo assim, compreender como o fenótipo relaciona-se ao genótipo (i.e. compreender os processos desenvolvimentais e genéticos) é a chave para a compreensão de como a seleção opera em qualquer população.
A seleção pode ser visualizada por meio da relação entre os valores de uma característica geneticamente herdável (uma característica dos indivíduos em uma população, por exemplo, como o tamanho corporal) e uma medida da aptidão (Figura 2). Estes genes que codificam a característica com maior valor de aptidão irão aumentar de frequência na população de uma geração para outra. Apesar de ser tentador ver esta relação entre as características herdáveis e da aptidão como sendo linear (Figura 3a) de fato, esta relação é muito frequentemente não linear e comumente mostra uma distribuição na forma de corcova (figura 3b).
Se a aptidão aumenta proporcionalmente ao tamanho da característica herdável, a característica é descrita como experimentando seleção direcional. Na figura 3a, esta característica está sobre seleção natural direcional positiva. Caso a inclinação da linha fosse negativa (i.e. tamanhos menores conferindo uma vantagem na aptidão) então a característica estaria sob seleção direcional positiva negativa. Neste exemplos, a inclinação da linha é a medida da força da seleção, com inclinações maiores indicando seleção mais forte. Caso a inclinação seja zero (i.e. um alinha reta) então não há seleção e a característica fenotípica é tida como apresentando variação neutra (Figura 2).
Como descrito acima, sob seleção direcional os valores médios das características herdáveis irão mudar ao longo das gerações, deslocando-se tanto na direção positiva ou negativa coincidindo com a direção da pressão de seleção (painéis inferiores da Figura 3a). Este não é o caso da evolução sob seleção estabilizadora, onde o valor médio da característica confere uma vantagem na aptidão (Figura 3b). Nesta situação, a população vai convergir para valores mais próximos aos da média da população nas gerações subsequentes. Assim, o valor médio da característica hereditária, da população, não irá mudar ao longo do tempo, mas a variância (uma medida da dispersão relativa dos valores de características em torno da média populacional) diminuirá (painéis inferiores da Figura 3b). Este resultado é importante por duas razões. Primeiro, demonstra que a evolução não necessariamente leva a mudanças nos valores médios das características ao longo do tempo - os caracteres não precisam ficar menores ou maiores ao longo do tempo quando estando sob seleção. Em segundo lugar, a seleção estabilizadora, explicitamente, corrói a variação genética da população, a variância na característica hereditária torna-se cada vez menor ao longo do tempo. Como variação genética é uma necessidade para a seleção operar (imagine alterar as Figuras 2 e 3 de modo que todos os indivíduos tenham o mesmo valor das característica não havendo como a seleção operar), a seleção estabilizadora pode influenciar bastante a capacidade de mudança evolutiva futura.
A seleção estabilizadora é uma ocorrência comum na natureza. A seleção disruptiva (Figura 3c) é mais rara. Sob seleção disruptiva, os dois limites extremos dos valores das características conferem vantagens na aptidão. Assim, a população tende a dividir-se ao longo do tempo, com os dois grupos de indivíduos emergentes, um com os menores valores das características e um outro com os maiores valores das características. Se seleção disruptiva persiste durante tempo suficiente, haverá muito poucos indivíduos com os valores médios das características e a distribuição de frequência da população se torna bimodal, o que resulta em duas sub-populações. Portanto, a seleção disruptiva é importante para processos de especiação, pois ela pode separar subgrupos dentro de uma população.
Seleção Sexual:
Muitos biólogos evolutivos incluiriam o acasalamento preferencial (ou seja, o acasalamento não aleatório, o que indica, muitas vezes, que machos e fêmeas estão escolhendo e/ou ativamente competindo por seus companheiros) como um mecanismo de evolução, mas esse processo afeta evolução apenas quando o acasalamento leva a diferenças na aptidão. Ou seja, quando há seleção para o sucesso do acasalamento diferencial - um subconjunto de seleção natural denominado seleção sexual. A seleção sexual, muitas vezes opera por que um sexo (por exemplo, o sexo feminino) escolhe seletivamente acasalar com um determinado tipo de macho - portanto, a aptidão desses tipos de machos aumentam. Ou quando machos (ou fêmeas) competem uns com os outros para obter acesso ao sexo oposto. De qualquer forma, pode haver características particulares nos machos e fêmeas que os tornam mais atraentes como companheiros ou mais competitivos no acesso aos parceiros. Tais características são referidas como estando sob seleção sexual. Exemplos famosos de características sexualmente selecionadas são as elaboradas caudas dos pavões ou os enormes chifres dos veados. Tais características podem aumentar substancialmente o sucesso de acasalamento, mas elas, ao mesmo tempo, podem também diminuir alguns outros aspectos da aptidão, como a habilidade de fugir de predadores. Portanto, a seleção sexual é muitas vezes vista como estando em conflito com outros componentes da seleção natural.
Deriva Genética:
A deriva genética refere-se a um conjunto aleatório (ou estocástico) de processos envolvidos na produção da próxima geração de indivíduos. Tais processos podem ocorrer ao nível genético, por exemplo, como a possibilidade (basicamente) aleatória de algum das cópias dos alelos chegarem até células germinativas (espermatozoides e óvulos) através da divisão meiótica reducional. Em muitos organismos de reprodução sexuada, as células contêm duas cópias de cada alelo (diploides) de cada locus porque possuem cromossomos aos pares. Mas, como a próxima geração é formada pela fusão de um espermatozoide do pai e um óvulo da mãe, as células germinativas passam por um processo aleatório de redução pela metade destes pares de cromossomos (isto é, apenas uma cópia de cada cromossomo chega ao espermatozoide ou óvulo) para que eles possam fundir-se para formar um zigoto (um viável da nova geração) que tem o mesmo número de cromossomos que os adultos. Durante esta divisão meiótica reducional, é praticamente equiprovável qual cópia dos alelos acabará no espermatozoide ou óvulos. Isto significa que o espermatozoide e os óvulos de um mesmo indivíduo raramente são geneticamente idênticos, e é por isso que irmãos são diferentes uns dos outros, apesar de terem os mesmos pais. O embaralhamento meiótico dos genes muda as frequências dos genes de uma geração para outra de forma aleatória - alguns alelos têm sorte o suficiente e 'chegam' aos espermatozoides que fertilizam o óvulo, enquanto outros alelos são azarados e se 'perdem'.
Uma analogia útil para este processo de deriva genética é o jogo de cara ou coroa. Cada arremesso da moeda determina qual dos dois alelos de um locus chega a próxima geração. Imagine que a população inicia com 10 indivíduos, o que significaria jogar 10 vezes separadas a moeda. Na primeira vez que você faz isso, você pode obter 6 caras e 4 coroas (ou algo diferente). Em termos de frequências alélicas, isso significa uma frequência alélica de caras de 0,6 (6 em 10). Na segunda vez que você faz isso com a mesma moderna (isto é, do mesmo ponto de início), você provavelmente vai obter uma outra razão entre caras e coroas. Por exemplo, 3 caras e 7 coroas, que traduziríamos como uma frequência alélica de caras de 0,3 (3 em 10). Como você pode ver, as frequências alélicas podem mudar substancialmente em virtude do puro acaso.
A figura 4 mostra algumas alterações típicas nas frequências alélicas sob deriva genética (para um locus com dois alelos) onde gerações são rastreadas no eixo horizontal e a frequência alélica (variando de 0 a 1) no eixo vertical. Se a frequência do alelo chega a zero, ele é perdido para sempre. Em cada gráfico, cinco populações foram simuladas, com cada população independente indicada por linhas de cores diferentes. A deriva genética é caracterizada por um passeio aleatório de frequências dos alelos ao longo de gerações. Em tamanhos de população pequenos (equivalente ao lançamento de uma moeda um pequeno número de vezes), há oscilações maiores na frequências dos alelos porque não é tão improvável obter 'cara' todas as vezes (ou seja, obter uma frequência de alelos igual a 1) se você jogar uma moeda só três vezes (i.e, uma população de tamanho 3).
Um exemplo de deriva em uma pequena população (com 10 indivíduos) está representado na Figura 4a. Perceba que existem vários incidentes em que um dos alelos é perdido devido a eventos casuais. No entanto, em geral, em populações de tamanhos maiores a deriva tem menos efeito e as oscilações nas frequências dos alelos são muito menores. Para seguir com a analogia, caso você jogasse a mesma moeda milhares de vezes as chances de todas darem cara seriam muito remotas. Assim, a deriva genética pode ser uma força evolutiva muito influente em populações de tamanho pequeno. Um exemplo de deriva de uma grande população está descrito na Figura 4b. Podemos perceber que existe uma probabilidade muito menor de um alelo ser perdido sob deriva em populações de tamanhos maioress.
A deriva também pode ter uma grande influência sobre a frequência de alelos ao longo de períodos de tempo mais extensos. No contexto da nossa analogia do jogo de cara ou coroa, se você continuar jogando uma moeda de novo e de novo, eventualmente, você vai ter um longo período obtendo 'caras', o que iria mudar substancialmente as frequências alélicas. Exemplos de padrões de deriva ao longo de períodos prolongados de tempo são dados na Figura 4c. Note que os alelos podem ser perdidos por acaso ao longo de períodos de tempo maiores, mesmo se a população for grande.
No geral, pequenas populações fragmentadas, são sensíveis à deriva. Da mesma forma, a evolução no decorrer de longos períodos de tempo (por exemplo, como estudado no registro fóssil) também será normalmente influenciada por processos de deriva.
A deriva não está limitada a processos genéticos - quais indivíduos conseguem acasalar para formar a próxima geração de uma população também podem ser bem aleatório. Por exemplo, imagine uma população em uma ilha onde ocorre um terrível incêndio que varre 90% dos indivíduos. Quais indivíduos sobrevivem pode ser determinado de forma completamente aleatória, mas se os 10% remanescentes não são complemente representativos dos 100% da população original, a frequência dos alelos mudará na próxima geração por causa do gargalo de garrafa aleatório pelo qual a população acabara de passar. Estes gargalos de garrafa populacionais são muito importantes de serem considerados em espécies ameaçadas, uma vez que o gargalo geralmente reduz drasticamente a variabilidade genética da espécie, o que restrige como as espécies evoluem e podem responder a outras mudanças ambientais. Por exemplo, guepardos passaram por um gargalo de garrafa tão severo que os cientistas estimam que todos os guepardos sobreviventes espalhados pelo mundo são mais aparentados geneticamente entre si do que irmãos seriam em uma população normal. Como você pode imaginar, isso cria problemas terríveis de consanguinidade e de doenças genéticas raras. Estes problemas são resultado, em grande parte, do processo evolutivo de deriva genética.
Um processo semelhante ao de deriva ao nível individual ocorre quando as novas populações fundadoras são formadas - isso é chamado de "efeito fundador". Os indivíduos que irão formar uma nova população isolada a partir do grupo original podem ser aleatoriamente diferentes dos do grupo maior. Isto tem sido observado várias vezes em ecologia e foi famosamente documentado em populações humanas. Por exemplo, as populações Amish fundadoras, na América do Norte, não possuem alelos nas mesmas frequências que a população que deixaram para trás na Europa e da qual, por acaso, levaram algumas doenças genéticas raras que ainda são mais predominantes, presentes em frequências dramaticamente mais elevadas, na Pensilvânia do que em outras partes do mundo. Então, porque um pequeno número de indivíduos fundou essas populações a força evolutiva da deriva criou problemas de saúde substanciais em seres humanos modernos.
Mutação:
A variação genética é o combustível para a evolução. Sem variação genética não haverá alteração nas frequências alélicas, já que não haveria nada para mudar. Uma das maneiras principais pelas quais a variação genética é introduzida e mantida em populações é por meio das mutações. Este é um termo genérico que se refere a mudanças hereditárias na informação genética, onde essas mudanças podem acontecer em pequena na escala dos nucleotídeos únicos (ou seja, dos pares de bases componentes no DNA) até a reestruturação em grande escala, perda e ganho de cromossomos inteiros (grandes filamentos de DNA empacotados que contem informação genética).
A mutação, geralmente, acontece como um erro durante o processo de replicação do DNA da célula e dos mecanismos de reparo e, embora a palavra 'mutação' tenha conotações negativas no cotidiano da sociedade, todos carregamos milhões de mutações que são o produto de mutações anteriores. Se as mutações são muito graves, muitas vezes, as células não funcionam adequadamente. Mas se as mutações têm pouco efeito (ou são neutras) podem facilmente persistir.
De uma perspectiva evolutiva, as mutações mais importantes são aquelas que ocorrem nas células que produzem os gametas (ou seja, espermatozoide e óvulos). Uma vez que são essas células gamética que passam a informação genética para a próxima geração - causando, portanto, as alterações na informação genética caso a mutação seja passada dos pais para os filhos. Assim, uma mutação em uma célula gamética, que forma um zigoto viável, provoca uma mudança evolutiva, já que as frequências alélicas terão mudado em relação a geração parental.
Muitas mutações são neutras (ou seja, não influenciam a aptidão dos indivíduos portadores de mutação), mas algumas vão provocar uma mudança dramática na aptidão. Na maioria das vezes esta mudança resultará em um declínio na aptidão, mas, eventualmente, uma mutação poderá provocar um aumento na aptidão. É importante lembrar que a consequência funcional da mutação não é uma indicação da evolução em si - evolução exige apenas uma mudança hereditária nos genes, o que pode ser produzido tanto por mutações neutras, como por aquelas que aprimorem a funcionalidade, que ocorrem em células gaméticas viáveis.
Fluxo gênico:
Frequentemente o mais negligenciado, mas de certa forma o mais simples, mecanismo da evolução é o fluxo gênico. Este é um termo geral que se refere ao movimento dos genes de uma população para outra. Na maioria dos casos práticos, isso equivale ao movimento de indivíduos de uma população para outra, com os migrantes acasalando com indivíduos em sua nova localidade. A introdução de novas combinações alélicas por meio da prole de tais acasalamentos resulta em uma mudança genética.
Os biólogos evolutivos geralmente pressupõe que um alto grau de fluxo gênico entre as populações tende a ser uma força de homogeneização. Em outras palavras, se os genes e os indivíduos estão constantemente misturando-se através das fronteiras das populações, então, as populações tendem a ficar mais e mais geneticamente semelhantes ao longo do tempo. Como uma analogia, imagine separar um baralho de cartas em montes de seus respectivos naipes e manter essas "populações" de copas, paus, ouro e espada separadas umas das outras. Agora permitimos algum "fluxo gênico", o que significaria trocar cartas entre as pilhas. Isto muda a relação entre os naipes uns com os outros (isto é, está ocorrendo evolução). Agora, caso você pegue todos as cartas, embaralhando-as por completo e depois coloque-as de volta em quatro pilhas, você terá simulado uma quantidade máxima de fluxo gênico, e as maiores chances são de que você tenha obtido uma bela e uniforme mistura de cada naipe em cada uma das pilhas. Assim, o fluxo gênico aumentado homogeneizou as populações.
A analogia prévia funcionou porque os indivíduos estavam se movendo (genes estavam fluindo) aleatoriamente de uma população para outra. No entanto, se o fluxo de genes é diecionado ou não aleatório, este mecanismo pode ser uma força que resulta em diferenças cada vez maiores entre as populações. Um exemplo disso vem dos chapins-reais (pequenas aves europeias) em Whytham Woods, perto da Universidade de Oxford. Lá, as aves deixam seus locais de nascimento e se estabelecem em diferentes partes da floresta de acordo com o seu tamanho corporal - com as aves maiores movendo-se para um lado e as aves menores movendo-se para outro. Assim, neste exemplo, o fluxo de genes não é aleatória e está provocando uma forma de evolução direcional.
Limitações na evolução:
Embora esta não se destine a ser uma lista exaustiva dos vários fatores que limitam como a evolução ocorre, destacamos duas grandes categorias que comumente afetam a forma como as populações podem evoluir.
Restrições:
Todas as forças evolutivas agem sob restrições. Não temos a intenção de listar todas as possíveis restrições em detalhes aqui, mas, sim, apontar para algumas das principais restrições que qualquer estudante de evolução deve ter em mente quando interpretam as informações evolutivas.
A variação genética inerente da geração parental restringe as possíveis combinações de alelos que podem ser observados na descendência (somando-se a ela a variação adicional da mutação). Assim, a variabilidade genética é uma restrição grande em como a evolução procede. Não importa o quão forte seja a pressão de seleção, você não será capaz de selecionar cavalos nos quais cresçam asas, já que os cavalos modernos simplesmente não possuem a variação genética para o crescimento de asas. Os biólogos evolutivos muitas vezes referem-se também a restrições filogenéticas - a história evolutiva dos ancestrais comuns, refletidas no DNA, limita as formas com que o genoma pode mudar no futuro.
Outra restrição comum é o padrão geral dos processos de desenvolvimento e os estágios pelos quais os indivíduos têm de passar. Por exemplo, as rãs são obrigadas a passar por uma fase de girino e não podem pulá-la. Apenas uma alteração nos genes reguladores do desenvolvimento poderia alterar tal sequência de desenvolvimento.
O tempo é também uma limitação considerável sobre como a evolução procede. Como a evolução é definida como mudança nas frequências alélicas herdadas ao longo do tempo, caso não se passe tempo suficiente, a evolução não pode acontecer. O tempo evolutivo é frequentemente medido em termos de gerações, de modo que "tempo" na evolução bacteriana vai passar a um ritmo muito mais rápido do que o "tempo" de evolução dos elefantes.
As propriedades físicas também restringem a evolução. Por exemplo, os muito temidos insetos gigantes dos clássicos filmes B não podem evoluir por causa das maneiras através das quais os insetos respiram e por causa das relações físicas entre a área de superfície e o tamanho corporal. Insetos obtêm oxigênio através de pequenos orifícios na superfície de suas cutículas - esses buracos são chamados espiráculos. O tamanho desses espiráculos aumenta com a área de superfície do insetos e, consequentemente, aumentam em duas dimensões, comprimento e largura. No entanto, o tamanho do corpo do inseto aumenta em três dimensões (comprimento, largura e altura), portanto, o tamanho do corpo aumenta mais rapidamente do que a área dos espiráculos quando os insetos ficam maiores e maiores. Em outras palavras, os insetos maiores possuem uma área de superfície menor em relação ao tamanho do corpo do que os insetos menores. As propriedades físicas de como os insetos respiram fazem com que os insetos tenham um limite superior de quão grandes eles podem tornar-se, uma vez que se eles chegassem a tamanhos muito grandes poderiam sufocar já que não poderiam receber oxigênio suficiente através de seus espiráculos de modo a suprir sua massa corporal crescente. No mundo natural, as restrições físicas comumente limitam com a evolução pode prosseguir.
Não independência das características:
Os genes, e suas variedades alélicas, não são geralmente independentes uns dos outros. Por exemplo, os genes localizados fisicamente uns ao lado dos outros em um mesmo cromossomo são fisicamente ligados e, muitas vezes, são herdados juntos dos pais para filhos. Se um desses genes é altamente benéfico enquanto o outro é levemente nocivo (prejudicial), o gene desvantajoso pode pegar “carona" com o seu parceiro e aumentar de frequência, mesmo que também leve a um aumento de frequência de um carácter mal adaptativo.
Um fenômeno semelhante pode ocorrer ao nível fenotípico através de uma propriedade genética conhecida como pleiotropia. A pleiotropia é quando um único gene (ou complexo de genes) influencia a expressão de múltiplas características fenotípicas. A pleiotropia é bastante comum e resulta em características fenotípicas correlacionadas entre si por meio de mecanismos genéticos comuns. Desta maneira, caso uma característica seja altamente adaptável, mas uma outra característica 'pleiotropicamente' ligada seja ligeiramente prejudicial, a característica desvantajosa pode ser selecionada devido à sua associação pleiotrópica com a característicamais vantajosa. Mais uma vez, os estados mal adaptativos podem evoluir por causa desta forma de correlação entre caracteres.
Características podem também estar ligadas umas as outras por meio de trade-offs na alocação de energia e de recursos. Por exemplo, um organismo em crescimento, com um 'orçamento' fixo de energia baseado no que ele come, pode alocar esta energia para várias características e comportamentos, que irão pesar uns contra os outros por causa da limitação de recursos. Um organismo poderia investir mais em atividades reprodutivas, ou mais em crescimento, mas não pode maximizar tudo ao mesmo tempo. Desta maneira, evolução de características da história de vida (que muitas vezes estão intimamente associado com a aptidão) é limitada por causa dos trade-offs.
Juntando tudo:
Embora este esquema seja uma simplificação de um processo muito complexo e dinâmico, a figura 5 resume os principais processos envolvidos na evolução das populações. Uma força evolutiva opera sobre a variação genética na população, trazendo uma mudança hereditária na próxima geração, com a força evolutiva trabalhando dentro de limitações. Como a evolução é iterativa, este processo repete-se constantemente, provocando outras mudanças nas futuras gerações dependendo do balanço das forças evolutivas.
Evolução em múltiplos níveis: da micro à macroevolução
A maioria das descrições até agora têm se concentrado na evolução ao nível individual, com uma população sendo definida como um grupo de indivíduos. No entanto, para que a evolução ocorra não precisamos limitarmo-nos ao nível de pensamento individual. Desde que a característica que nos interessa (a partir de uma perspectiva evolutiva) seja hereditária (isto é passe de uma geração para outra) e variável (ou seja, hajam diferentes versões dessa característica), então a evolução poderá ocorrer. Desta forma, a evolução poderia acontecer ao nível do gene, já que um cromossomo pode ser visto como uma população de genes. Este pensamento ao nível gênico (reducionista) foi popularizado por Richard Dawkins em 1970 e persiste na maior parte da pesquisa sobre evolução molecular.
De modo similar, um grupo de indivíduos pode ser encarado como uma entidade única (imaginemos uma cultura de bactérias que crescem sobre uma fatia de pão) e esse grupo pode ter uma propriedade que não pode ser melhor descrita a um nível inferior (por exemplo, individual). A densidade populacional é uma característica do grupo, já que é uma propriedade de vários indivíduos. Assim, desde que a densidade seja de alguma forma herdável - significando que os grupos com altas densidades tendam a dar origem a outros grupos com alta densidade - então, essa característica grupal também pode evoluir. Se a densidade estiver relacionada com uma medida da aptidão do grupo (isto é, a taxa à qual um grupo dá origem a um outro grupo), então, a densidade pode estar sob seleção de grupo. A seleção de grupo é muitas vezes, incorretamente, definida (especialmente nas ciências sociais), como indivíduos que agem para o bem do grupo, mas esta não é uma definição precisa evolutivo de seleção de grupo.
Como já afirmado duas vezes, a variação é a chave para que haja evolução, e ao subirmos na escada organizacional da biologia, dos genes aos grupos e às espécies, tende-se a perder a variação entre as entidades. Por exemplo, se você olhar para a variação de altura entre as pessoas dentro de um grupo (talvez na disciplina que você está cursando ou no time em que você joga), você vai encontrar alguma variação. Mas se você tomar a altura média de seu grupo e compará-la com a altura média de outros grupos (talvez outras classes ou outros times), você vai encontrar variação muito menor. Então, se a variação tende a ficar menor na medida que ascende na escala da organização biológica, a evolução tende a ser mais lenta e as forças evolutivas tendem a ser mais fracas nesses níveis mais elevados. Isso geralmente significa que processos ao nível do indivíduo e dos genes dominam em períodos mais curtos de tempo, mas também implica que a evolução ao longo de períodos de tempo mais extensos (por exemplo, a evolução no registro fóssil) deve ser, relativamente, mais influenciada por processos evolutivos ao nível dos grupos e espécies.
O estudo geral da evolução nos níveis das espécies (ou superiores) é denominado de macroevolução e muitas vezes requer longos períodos (geracionais) de tempo para percebermos qualquer alteração. Os mecanismos fundamentais que temos discutido ao nível da população e abaixo dele (i.e. microevolução, por exemplo) ainda se aplicam aos níveis macroevolutivos mas pode funcionar de maneiras diferentes por causa das diferenças na forma como as características macroevolutivas são herdadas, produzidas e definidas.
Leitura Adicional:
Understanding Evolution website da Universidade da Califórnia em Berkeley [versão em Português: “Entendo a evolução”]
PBS evolution television series e os recursos online e ferramentes de aprendizado adequadas para estudantes e professores.
Darwin, C. R. 1859. On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life. 1st edition. London: John Murray.
Freeman, S.; Herron, J C.. Análise Evolutiva. 4ª edição Porto Alegre: Artmed, 2009. 831 p.
Barton, N. H., Briggs, D. E. G., Eisen, J. A., Goldstein, D. B. and Patel, N. H. 2007. Evolution. 1st edition. New York: Cold Spring Harbor Laboratory Press. ISBN: 0879696842.
Mayr, Ernst. O que é evolução. 1ª edição Rio de Janeiro: Rocco, 2009. 342 p.
Coyne, J. A. and Orr, H. A. 2004. Speciation. Sunderland, MA: Sinauer Associates. ISBN: 0878930892.
Lewin, R. and Foley, R. A. 2004. Principles of human evolution. 2nd edition. Oxford: Blackwell Publishing. ISBN: 0632047046.
Citação:
John Swaddle (Lead Author); J. Emmett Duffy (Topic Editor) "Evolution". In: Encyclopedia of Earth. Eds. Cutler J. Cleveland (Washington, D.C.: Environmental Information Coalition, National Council for Science and the Environment). [First published in the Encyclopedia of Earth March 21, 2010; Last revised Date March 21, 2010; Retrieved March 31, 2013 <http://www.eoearth.org/article/Evolution>
O autor:
John Swaddle é professor associado de biologia e diretor do programa Ciências e Políticas ambientais no College of William and Mary, em Williamsburg, Virginia. A pesquisa do professor Swaddle enfatiza a ecologia comportamental e evolução, focando em como alterações antropogênicas influenciam a ecologia e a evolução de populações de aves. Seu trabalho tem englobado desde estudos na mecânica de vôo das aves e o risco de predação até a investigação de como a comunicação animal é afetada pela degradação ambiental. (Full Bio)
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O texto foi traduzido e postado seguindo a licença creative commons, portanto, nossa tradução não implica qualquer apoio ao evolucionismo.org que o publicou em protuguês por parte da EoE - embora, esta tradução tenha sido feita com conhecimento e consenimento do autor e do editor do texto. Esta tradução também encontra-se sob a mesma licença de uso. Então, se quiser usá-la, dê os devidos créditos e siga a mesma licença.
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N.T. Gostaria de fazer apenas alguns esclarecimentos. O autor usa a expressão 'seleção direcional negativa' para se referir ao tipo de seleção em que os organismos favorecidos possuem valores das características fenotípicas menores. Porém, isso pode ser um pouco confuso por que a expressão 'seleção negativa' é empregada com outro sentido que também é capturado pela expressão 'seleção purifcadora' a forma mais comum de seleção natural com relação aos efeitos da aptidão de mudanças ao nível molecular. Diferente do referido no texto, a seleção negativa (ou purificadora) ocorre quando mutações que ocorram sobre os nucleotídeos que alteram os aminoácidos codificados e portanto a função da proteína codificada por aquele gene. Este tipo de seleção, portanto, purga a variação desvantajosa que diminui a aptidão em relação a aptidão normal da versão selvagem do gene. O tipo de seleção direcional 'negativo' descrito no texto, do ponto de vista, da evolução molecular seria melhor descrito também como uma forma de seleção positiva, já que modificações nos genes que causem uma determinada mudança de função (diminuam o tamanho do organismo) tendem a ser favorecidos, conferindo uma maior aptidão que a versão selvagem do gene. Esta explicação não é por que a expressão empregada por Swaddle está errada, mas por que uma expressão muito semelhante é usada de maneira bem distinta em estudos de evolução molecular e o leitor deve estar atento para isso.
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Referências adicionais em português:
Futuyma, D.J. 2009. 3ª Edição. Biologia Evolutiva. Funpec. Ribeirão Preto. 830 pg
Griffhs, Antony J. F. et al. Introdução à genética. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, 740 pg
Hartl, D. Princípios de Genética de Populações 3ª Edição Ribeirão Preto:Funpec, 2008. 217 pg
Lewin, R. Evolução humana. São Paulo: Atheneu, 1999. 526 pg.
Meyer, Diogo; El-Hani, Charbel Nino. Evolução: o sentido da biologia. 1ª edição São Paulo: Unesp, 2005. 136 p.
Ridley, Mark. Evolução 3ª edição Porto Alegre: Artmed, 2006. 752 p.
Williams, George C. O brilho do peixe-pónei: E outras pistas sobre o plano e a finalidade na natureza, Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 168 p.
Zimmer, Carl. O livro de ouro da Evolução. 1ª edição Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. 600 p.