Evolução In Vitro - RNAs autoreplicantes
Gerald F. Joyce admite que quando viu os resultados da experiência ficou tentado a interromper os trabalhos e publicar imediatamente os dados. Após anos de tentativas, ele e seu aluno Tracey Lincoln finalmente encontraram algumas seqüências de RNA curtas, mas poderosas, que quando misturados a uma pasta de tijolos de RNA mais simples se duplicariam repetidamente, multiplicando-se dez vezes em poucas horas, e continuariam a se replicar desde que tivesse espaço e matéria-prima para isso.
No entanto, Joyce não estava completamente satisfeito. Professor e reitor do Scripps Research Institute, em La Jolla, Califórnia, o químico molecular de 53 anos defende entusiasticamente a hipótese do "mundo do RNA". Essa é a idéia de que a vida como conhecemos - baseada em DNA e proteínas enzimáticas, com o RNA quase sempre agindoapenas como mensageiro da informação genética - evoluiu a partir de um sistema químico prebiótico mais simples, estruturado quase que exclusivamente em RNA. Certamente a idéia plausível apenas se o RNA puder evoluir por si só. Joyce pensou que talvez seu RNA sintético provasse essa possibilidade. Então ele e Lincoln passaram mais um ano trabalhando com essas moléculas, promovendo mutações e criando competições entre elas, em que apenas as mais adaptadas sobreviveriam.
Em janeiro, um mês depois do bicentenário do nascimento de Charles Darwin, eles anunciaram o resultado na Science. Seu sistema no tubo de ensaio apresentou, de fato, quase todas as características essencias da evolução darwiniana. As 24 variações iniciais de RNA se reproduziriam uma mais rápido que outras, dependendo das condições ambientais. Cada espécie molecular competiu pela reserva comum de tijolos. O processo de reprodução foi imperfeito, porque logo surgiram mutantes - chamados de recombinantes por Joyce - que até prosperaram.
"Deixamos a experiência transcorrer por 100 horas e durante esse período observamos um aumento da ordem de 10 na 23 no número de moléculas replicadoras", revela Joyce.
Logo no início as replicadoras originais morreram e as recombinantes começaram a dominar a populaçõa." Nenhuma dessas recombinantes, entretanto, foi além de suas antecessoras.
O igrediente decisivo que ainda falta separa a evolução artificial da verdadeira evolução darwiniana. "Isso não está vivo", enfatiza Joyce. "Na vida, uma nova função pode ser elaborada de formas completamente impensadas. Não conseguimos fazer isso. Nosso objetivo é criar vida em laboratório, mas para chegar lá precisamos aumentar a complexidade do organismo de forma que possa começar a produzir uma nova função, em vez de apenas aperfeiçoar aquela a que se destina."
Esse objeivo parece perfeitamente viávl, porque os RNA replicadores no experimento de Joyce eram relativamente mais simples: cada um tinha apenas duas seções semelhantes a genes que podem variar. Cada um desses "genes" forma um pequeno tijolo de RNA. Um, replicador, sendo uma enzima de RNA, pode juntar dois genes e ligá-los para criar uma enzima que seja sua "parceira". Essa enzima é então liberada e reúne dois genes soltos, montando-os como umclone do replicador original. Os recombinantes surgem quando uma "parceira" é infiel e une genes que não deveriam ficar juntos. No entanto, os recombinantes não criam genes, embora sej apossível criar um sistema que o faça, ou que seja mais complexo, fornecendo, a cada replicador, mais genes para trabalhar.
Scott K. Silveramn, químico da Universidade os Illinois, autor de um trabalho pioneiro com enzimas de DNA, acredita "capturando a evolução darwiniana em novas moléculaspodemos entender os princípios básicos da evolução biológica", de que pouco se sabe a nível molecular. Joyce e Lincoln, por exemplo, notaram em seu exame post-mortem do experimento que os três recombinantes mais bem sucedidos formavam um grupo exclusivo. Sempre que um participante desse grupo cometia um erro de reprodução, o resultado era um dos outros dois elementos.
O próximo passo para a criação da vida em laboratório, avalia Joyce, seria montar ou desenvolver um conjunto de moléculas sintéticas capaz de fazer metabolismo e replicação. O geneticista Jack W. Szostak, da Harvard Medical School, desenvolveu proteínas não biológicas que unem ATP, uma substância química portadora de energia, vital para o metabolismo. No laboratório de Szostak pesquisadores estão tentando desenvolver também protocélulas que encerram RNA dentro de minúsculas esferas de ácidos graxos - chamadas micelas - que podem formar, fundir e replicar espontaneamente.
Mas se bioquímicos conseguissem recomendar RNA e outros compostos básicos e transformá-los em alguma forma de vida sintética, os sitema construído seria provavelmente tão complexo de início que dificilmente provaria que a vida natural começou da mesma forma há 4 bilhões de anos. Os replicadores de Joyce consistiam em apenas 50 letras, mas as chances de uma seqüência como essa aparecer por acaso são aparoximadamente 10 na 30, calcula ele. "Se fossem trchos de seis ou mesmo dez letras, então eu diria que estaríamos no reino da viabilidade, onde se pode imaginar que se formassem espontaneamente" na sopa primordial.
Fonte: Sciam - abril/09