Extinções em massa reajustam o passo da evolução
Parece ser bem estabelecido entre os paleontólogos que a diversificação durante intervalos de recuperação, após extinções, ocorrem de maneira relativamente rápida em relação às taxas de fundo, mas não compreendemos muito bem qual seria o impacto destes processos de recuperação nos padrões evolutivos de longo prazo [1]. Os paleontólogos têm discutido acalarodamente se a diversidade tem aumentado ao longo dos últimos 251 milhões de anos, que se seguiram à extinção a maior extinção em massa que temos notícia, a Permiano-Triássica, como afirma paleontólogo Richard Bambach [2] do Smithsonian Museum of Natural History, por exemplo; e como afirma David Jablonski:
“Tem havido muita conversa sobre o papel evolutivo das extinções em massa, mas é como o clima. Todo mundo fala sobre isso, mas ninguém faz muito sobre isso " [2]
Segundo ele, ninguém até o momento pensou em como a dinâmica de recuperação das biotas que se segue a uma grande extinção, depois que o pior já passou e os ecossistemas já se acomodaram em um novo equilíbrio, influencia as taxas de evolução posteriores. Mas existem pistas que sugerem que as coisas mudam tanto que os esses padrões tendem a muda pelo menos até um novo evento de extinção ocorrer, portanto não é limitado só ao período de rápida diversificação que em geral segue-se as extinções:
“Mas o maravilhoso é que quando eles encontram um novo equilíbrio, é um ritmo evolutivo diferente daquele que prevaleceu durante os últimos 50 milhões de anos. Os sobreviventes da extinção em massa, ou o mundo que eles herdaram, é tão diferente do que aconteceu antes que a taxa de evolução é alterada permanentemente." [2]
Em um trabalho recém publicado na revista Geology, por dois cientistas da Universidade de Chicago, o geocientista e paleobiólogo Andrew Z. Krug e o experiente paleontólogo David Jablonski resolveram estudar mais afundo este tipo de fenômeno [1]. Os pesquisadores usaram informações do registro fóssil de certos grupos de invertebrados que existiram em grandes números para que pudessem obter amostragens adequadas, analisando grupos contemporâneos de organismos desde o final do Pleistoceno, período cujo término se deu há aproximadamente 10.000 anos, até de 200 milhões de anos atrás, no começo do jurássico. Isso foi possível por causa da grande disponibilidade de dados de abundância global de vários grupos de moluscos bivalves, um grupo que inclui mexilhões, ostras e vieras, e que estabeleceram os limites temporais do estudo [1, 2].
Existem vários problemas em conduzir um estudo como esse, um dos mais frustrantes é a inconsistência na atribuição de nomes às espécies. Desde o final do século XVIII taxonomistas vem dando nomes latinos aos exemplares dos fósseis, mas muitas vezes, fizeram isso de maneira dúbia e forma inconsistente. E mesmo com as mudanças dos métodos e ferramentas de analise e classificação , os nomes em si frequentemente continuaram os mesmos. Para sanar esta deficiência, os dois pesquisadores vasculharam uma ampla e aparentemente interminável coleção de volumes de trabalhos de pesquisa arquivados em várias gavetas de museu em uma tentativa de padronizar estas classificações e trabalhar com dados mais robustos e precisos [1, 2].

A outra questão é como medira as taxas de originação e extinção para poderem serem efetuadas as análises estatísticas e a interpretação dos dados. Felizmente o trabalho de Krug e Jablonski apoiá-se em trabalhos pioneiros anteriores, especialmente os realizados por dois cientistas da mesma instituição, a Universidade de Chicago, o conhecido e influente David Raup, professor emérito da Universidade de Chicago, e, Michael Foote, também professor do departamento de ciências geofísicas.
No final da década de 1970, Raup havia publicado um método para determinar as taxas de extinção de organismos. O que ele propunha era monitorar a sobrevivência de um grupo de organismos que haviam todos surgido durante um período de tempo específico e a partir daí quantificar quando desapareceram [2].
“Seria como a coletar dados do censo para todos os indivíduos nascidos em 01 de janeiro de 1899, acompanhando a sua longevidade, em seguida, descobrir que a epidemia de gripe de 1918 tinha produzido um aumento da mortalidade neste grupo.” [2]
O estudo de Foote de 2001, mostrou que o método Raup inventara funcionava iigualmente bem para determinação das taxas de originação como havia funcionado para as taxas de extinção, bastando para isso simplesmente usar a abordagem inversa, seguindo de volta no tempo um grupo de linhagens que co-ocorreram até sua origem, ao invés de até o tempo em que elas haviam se extinguido. Portanto, o estudo de Krug e Jablonski segue a mesma tradição da 'escola de Chicago' que introduziu, na paleontologia moderna, as abordagens quantitativas e estatísticas mais refinadas, mantendo um forte foco nos processos ecológicos (e biológicos de maneira mais geral) que estariam por trás dos padrões de mudança das biotas.
Este trabalho de certa maneira aprofunda e refina análises anteriores, conduzidas por Bambach que havia estudado um período de tempo parecido, mas usando compilações de dados mais amplas, envolvendo o reino animal como um todo, mas muito menos refinada e curada do que os dados de moluscos bivalves empregadas por Krug e Jablonki que, segundo o próprio Bambach, olharam para os intervalos que ele havia, em seu estudo anterior, juntado em intervalos maiores [2]. Em resumo, os resultados de Krug e Jablonski mostram que as "taxas de nascimento" evolutivas também são ‘ressetadas’ por grandes catástrofes e extinções em massa.
Ao tabularem e plotarem os dados curados e processados de originação de novas espécies de bivalves em intervalos de 50 milhões de anos, Krug e Jablonski, puderam observar que todas as espécies evoluíram a uma taxa relativamente constante durante milhões de anos, mudando apenas durante os períodos de tempo em que houveram grandes alterações bióticas, principalmente eventos de extinção em massa. A questão é que em teoria, as taxas de originação dos organismos poderiam ter ido para todos os lados, variando de maneira aleatória e caótica, mas não foi isso que ocorreu:
"É surpreendente como organizou o padrão é", diz Jablonski [2]
Isso quer dizer que em seguida aos eventos de extinção, os grupos de bivalves mostravam um súbito aumento ou diminuição nas taxas nas quais novas espécies evoluíram e que após este período permaneciam estabilizadas mas em outros patamares:
"Elas se assentavam a uma taxa diferente da anterior, e elas fazem isso várias vezes, correspondendo a cada extinção em massa", disse Jablonski. [2]
A originação de novos gêneros nesses períodos de grandes alterações bióticas tiveram durações estratigráficas maiores do que aos dos gêneros que surgem em outros intervalos de tempo, e conduziram a magnitude das mudanças que se seguiram a extinção Cretáceo-Paleógeno (K-Pg, antes conhecida como Cretáceo-Terciário, KT).
Segundo os autores, a riqueza de espécies e sua amplitude de distribuição geográfica são os fatores que promovem a sobrevivência e, potencialmente, acabam por controlar as taxas de originação por meio da utilização ‘Ecoespaço’, já que tanto a riqueza como amplitude de distribuição foram observadas expandindo-se mais rapidamente durante a recuperação em relação ao que ocorreu fora dessas situações. Por causa disso, segundo Krug e Jablonski as taxas de originação de novas linhagens após o período paleozóico estão diretamente ligadas à dinâmica de recuperação após cada evento de extinção em massa [1,2]. Isso mostra que os efeitos das extinções são muito mais duradouros do que muitos esperavam e nos remete a processos mais profundos de interação biótica.
Esse e outros muitos estudos influenciados pela 'Escola de Chicago' vêm nos fornecendo um retrato cada vez mais interessante e dinâmico da macroevolução (a evolução em grandes escalas de tempo e envolvendo as origens e destinos de múltiplas linhagens) e do modo como grandes e dramáticos eventos, que causam as extinções, afetam todo o padrão subseqüente de aparecimento de linhagens, alterando o tempo e modo da evolução para usar os termos usados por G. G. Simpson há mais de 60 anos.
________________________________________
Krug, Andrew Z. and Jablonski, David Long-term origination rates are re-set only at mass extinctions. Geology [First published online June 29, 2012], doi: 10.1130/G33091.1
MASS Extinctions Reset the Long-Term Pace of Evolution The University of Chicago news office 30/06/2012.. Acesso em: 3 jul. 2012.
Créditos das Figuras:
ASTRID & HANNS-FRIEDER MICHLER/SCIENCE PHOTO LIBRARY
PASCAL GOETGHELUCK/SCIENCE PHOTO LIBRARY
PROF. WALTER ALVAREZ/SCIENCE PHOTO LIBRARY
As fotos dos autores são todas retiradas dos seus respectivos sites na Universidade de Chicago e do Museu de História Natural do Instituto Smithsoniano.