Friday December 16, 2011
Anonymous: Por que a evolução é tão demorada?
A evolução depende de mudanças transgeracionais e, portanto, um dos fatores que determina o tempo de evolução é período geracional de cada organismo (que pode variar de minutos a anos ou décadas), além, claro, da taxa de variação que está associada as taxas de mutação e recombinação do organismos vivos. Outro ponto importante é que a velocidade percebida da evolução, em parte, é uma função da perspectiva adotada. Como a evolução biológica é em sua acepção mais simples apenas a mudança das características hereditárias das populações, alguns tipos de mudanças envolvendo a composição genética das populações são relativamente rápidas e podem rastreadas tanto em laboratório como no campo pelos geneticistas de populações e biólogos de campo. Em vírus e bactérias este tempo de geração é extremamente curto e no caso dos vírus com maior taxa de mutação, como os retrovírus cuja enzima transcriptase reversa não é das mais fiéis em termos de replicação, podemos observar a evolução no tempo de vida de um único hospedeiro. Temos exemplos de mudanças bioquímicas e de tamanho celular em populações de bactérias em um período de décadas que equivalem a dezenas de milhares de gerações, inclusive com a aquisição por parte de uma das linhagens de capacidades metabólicas que seriam equivalentes a mudanças de espécie, como é o caso dos estudos do grupo de Richard Lenski da Universidade de Michigan. Em outros organismos de gerações curtas, como outros microorganismos, ou invertebrados como nematodes e insetos também podemos observar mudanças ‘rápidas’ em termos de sua composição genética.
Do ponto de vista morfológico, entretanto, em se tratando de animais e plantas com tempos de geração maiores, as coisas realmente são um pouco mais complicadas, pois o controle genético deste tipo de característica envolve muitos genes e a integração de sua ação. Por isso, as mudanças que conseguem se estabelecer, em geral, são as pequenas que tem, portanto, um impacto relativamente menor nos indivíduos (ou mesmo sendo completamente neutras ou efetivamente neutras). Apesar disso variar bastante, em geral mudanças hereditárias muito grandes mesmo que tenham algum efeito positivo na performance reprodutiva dos indivíduos que as carregam, muito provavelmente podem interferir em outras características de modo não tão positivo, o que pode dificultar sua fixação em uma população. Em populações menores, isso pode ser compensado por que com as maiores desvios na composição hereditária de cada geração em relação a anterior, em função do acaso, mesmo mutações ligeiramente desvantajosas podem se disseminar. Essas condições então podem permitir mudanças mais rápidas, principalmente, se em um dado momento passarem a conferir vantagens ou serem compensadas por outras mutações.
É possível, na realidade, quantificar esta mudança e estimar o que os biólogos evolutivos e paleontólogos chamam de “taxa de evolução” que são taxas relativas de mudança em uma dada característica ao longo do tempo em uma ou várias linhagens relacionadas. Para compreender como se calculam estas estimativas é importante termos em mente que a variação fenotípica é geralmente distribuída na forma de uma curva normal ( pois, como vimos, isso reflete o fato de da fonte subjacente dessa variação ser poligênica); contudo, em geral, procede-se a transformação das medidas para logaritmos naturais (ln) evitando assim que variações espúrias confundam a análise, permitindo, assim, a comparação entre espécies diferentes.
As taxas de evolução podem ser medidas em relação a características particulares dos organismos em termos da variação proporcional de certas medidas ao longo do tempo, em unidades como ’Darwins’ e 'Haldanes’, onde 1 Darwin, equivale a mudança em uma característica por um fator e (e=2,718) em um milhão de anos. Enquanto isso, os Haldanes, particularmente H0, representam mudança em termos de desvios-padrão de uma dada medida de característica por geração em uma escala de tempo, no caso, de H0 , de uma geração. Esta segunda medida leva em conta a variabilidade das populações o que é essencial para termos um melhor ideia de mudanças consistentes que possamos realmente investigar de maneira mais sistemática e é também mais facilmente compreensível.
As taxas de evolução médias estimadas a partir de amostras do registro fóssil são em geral bastante lentas, mas apenas quando medidas em relação a longos intervalos de tempo. Em intervalos mais curtos, entretanto, as taxas evolução de várias características de muitos grupos de organismos durante certos períodos de tempo, estes valores tendem a ser muito maiores e surpreendentes. Porém, mesmo essas mudanças mais rápidas na escala fóssil, ainda assim, são consistentes com a genética de populações (através do efeito da seleção natural e outros fatores evolutivos), principalmente por que as mudanças encontradas em período de décadas ou séculos em populações modernas - especialmente em organismos criados ou cultivados, como plantas e animais, em que a seleção artificial é empregada - são frequentemente bem mais altas que as taxas inferidas através do registro fóssil. Isso sugere que questões ecológicas e demográficas podem fazer com que - mesmo ocorrendo muitas mudanças em intervalos mais curtos, na soma geral (isto é, ao tomarmos as médias acumuladas em períodos maiores de tempo e levando-se em conta as populações das espécies como um todo) - as mudanças acabem por ser bem menores.
De fato, tem sido, empiricamente, confirmado que quando as taxas de evolução são estimadas em diferentes escalas de tempo, essas taxas declinam sistematicamente quanto maior o intervalo de tempo estudado (veja Gingerich, 2011). Isso é corroborado por alguns estudos utilizando-se de amostragem fósseis suficientemente grandes que nos permitem projetar as mudanças em grandes escalas de tempo (medidas em Haldanes) em termos de estimativas de mudanças geracionais.
Gingerich, em revisão recente da literatura científica, mostrou que o registro fóssil de certas características de muitas linhagens quando analisadas desta forma (isto é, usadas para estimar as taxas de mudanças por geração) indicam valores por volta de H0=0,1 e 0,3; o que pode ser considerado bastante rápido, aproximando-se das estimativas obtidas a partir de estudos com organismos modernos.
Contudo, essas mudanças podem variar em termos de direção e intensidade ao longo do tempo e do espaço, tanto em função dos aspectos aleatórios do processo de evolução (como a deriva genética e as mutações), como como resultado da variação na direção e intensidade da seleção natural. Isso ocorre por que a seleção natural depende das relações entre os indivíduos uns com os outros e deles com seu meio. Portanto, variam, de acordo com o contexto ecológico-demográfico local. Por isso tudo, a demora para que ocorram grandes mudanças globais pode ser, simplesmente, causada - não por que os processos evolutivos sejam lentos ou pela falta de capacidade de mudança morfológica dos organismos -, mas pelas complicações ecológicas, geográficas e demográficas que são o que, em ultima instância, permite que certas mudanças possam se espalhar em toda a população
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Literatura Recomendada:
Freeman, S. & Herron, J.C. 2009. Análise Evolutiva. 4 ed. Artmed, Porto Alegre.831 p.
Futuyma,D. J. 2005. Evolution. Sinauer, Sunderland, MA. 603 p.
Gingerich, P. D. (2008) Research on Rates of Evolution Acessado em 16 de dezembro de 2011.
Gingerich, P. D. 1993. Quantification and comparison of evolutionary rates. In P. Dodson and P. D. Gingerich (eds.), Functional morphology and evolution, American Journal of Science, 293A (Ostrom volume): 453-478.[PDF]
Gingerich, P. D. 2009. Rates of evolution. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics, 40: 657-675.[PDF]
Ridley, M. 2006. Evolução, 3 a ed. Artmed, Porto Alegre. 752 p.
Grande abraço,
Rodrigo