Friday February 22, 2013
Anonymous: Qual é a explicação para a (quase) existência da membrana interdigital nos humanos?
Na realidade chegamos mesmo a ter as tais ‘membranas interdigitais’ em um certo período de nosso desenvolvimento embrionário*, mas isso não é exclusivo de nossa espécie, sendo comum a outros mamíferos e outros vertebrados tetrápodes de modo geral. O que acontece é que o processo genético-desenvolvimental de formação das porções distais dos membros ocorre pela condensação de tecido cartilaginoso em certos pontos na região mais distal - em um processo que parece depender mecanismos similares ao de reação-difusão de
Turing [‘Viva Turing de novo, mais pistas sobre a evolução dos membros em vertebrados’], envolvendo a expressão de vários genes como os Hoxd 11 e 13, Shh, BMP-4 [‘Superexpressão do gene 13Hoxd: Mais pistas sobre a transição entre peixes e tetrápodes:’] - que nesta fase toma a forma de um remo (paddle) dos membros e regressão posterior dos espaços entre estas massas de tecido por apoptose, ou morte celular programa, interdigitaldeste tecido intermediário.
Para compreendermos melhor esta situação, é preciso lembrar que a evolução de novas características não acontece a partir do zero, mas sim por meio de modificações de estruturas prévias que, no caso de estruturas morfológicas como os membros, se dão por modificações das vias de desenvolvimento embrionário e de interação tecidual anteriores que, por sua vez, dependem dos genes e seus produtos que controlam tais processos que estavam presentes em espécies ancestrais. Como a condição ancestral em vertebrados tetrápodes, como mostram vários estudos de fósseis e de biologia do desenvolvimento, parece ser mesmo a de muitos dígitos conectados por membranas, não é difícil entender por que este arranjo inicial ainda está presente mesmo em animais modernos com dedos bem separados e diferenciados. Porém, este histórico pregresso de evolução pode fazer ainda mais do que preservar estados embrionários ancestrais. Ele pode tornar modificações em certas fases do desenvolvimento bem mais difíceis do que em outras e este talvez seja o caso deste sistema de morfogênese dos membros.
Este processo de evolução e alteração de vias de desenvolvimentos, que muitas vezes é bem contingente e multifacetado, pode, como parte das marcas do processo de evolução pregressa na sequência de desenvolvimento dos organismos descendentes, criar restrições e limitações na ordem em que este processo ocorre, uma vez que alguns tipo de interações e arranjos, por estarem de tal maneira imbricados, tornam a maioria dos modificações nestas fases prejudiciais, podendo apenas ocorrer com menos prejuízos ou sem quaisquer prejuízos em outras fases.
Isso poderia acontecer, por exemplo, em casos em que eventuais modificações em determinados períodos de desenvolvimento em que haveriam múltiplas interações entre tecidos bem diferentes e que por isso alterações da expressão dos genes envolvidos nestes períodos trariam consequências para a formação diversos tecidos, sistemas e estruturas diferentes, aumentando o grau de pleiotropia destes genes nestas fases [‘Por que cinco dedos?’], tendo grandes impactos não apenas para um sistema ou estrutura específica que estaria sendo formada, mas para vários outras especialmente adjascentes.
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*Em alguns casos raros esta condição pode persistir até o nascimento produzindo a sindactilia, como pode ocorrer em seres humanos que sofrem de síndrome do leopardo e de Aarskog-Scott síndrome [Veja aqui].
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Veja Quirks of Human AnatomydeLewis I. Held, Jr.
Literatura Recomendada:
Mooney, Eric K (author); Joseph A Molnar (Chief Editor) Hand Embryology Gross Morphologic Overview of Upper Limb Development e-medicine medscape Updated: Oct 3, 2008. [Link]
Hernández-Martínez R, Covarrubias L. Interdigital cell death function and regulation: new insights on an old programmed cell death model. Dev Growth Differ. 2011 Feb;53(2):245-58. doi: 10.1111/j.1440-169X.2010.01246.x. Review. PubMed PMID: 21338350.
Grande abraço,
Rodrigo