Friday November 21, 2014
Anonymous: Existe alguma fonte confiável que confirme que a grande maioria dos cientistas entendem a Teoria da Evolução como fato? Se existe, será que ela estima a quantidade aproximada desses cientistas?
O Pew Research Center produziu uma pesquisa deste tipo em 2009 que o Eli relatou e explicou em um post do evolucionismo.org no qual ele discute esta questão. O verbete da wikipedia sobre o ‘nível de apoio a evolução’, no qual é detalhado o apoio institucional (por exemplo, de sociedades científicas) também é uma outro ponto de partida para compreender melhor a questão, bem como esta resposta do TalkOrigins sobre os cientistas que apoiam o criacionismo.
Respondida a sua pergunta da maneira mais direta que eu pude, gostaria, entretanto, de esclarecer algumas coisas. O ponto principal que gostaria enfatizar é que mesmo os pouquíssimos cientistas com formação minimamente apropriada (por exemplos Doutorados conferidos por instituições de ensino conceituadas nas áreas de ciências da vida e da terra) que apoiam o criacionismo (seja nas suas formas mais tradicionais ou na versão moderna do Criacionismo do Design Inteligente) usam os mesmos argumentos falaciosos e distorções dos dados, hipóteses, métodos e conceitos científicos que os que não têm qualquer formação técnica fazem uso. Apenas fazem isso com mais empáfia e em uma linguagem mais elaborada. Isto é, mesmo a oposição destes 'cietistas’ é fundada simplesmente em pressuposições religiosas e ideológicas alheias a ciência moderna, que nem ao menos representam as posições de muitos religiosos, inclusive paleontólogos e biólogos evolutivos, que aceitam a evolução sem que isso abale sua fé religiosa. Além disso, é preciso ter cuidado adicional.
Frequentemente as listas divulgadas pelos criacionistas de cientistas que supostamente rejeitariam a evolução (ou a teoria da evolução ou o Darwinismo) são um grande balaio de gato, contando com assinaturas de pessoas que realmente endossam o criacionismo, mas que possuem títulos acadêmicos em áreas não relevantes (engenharia, por exemplo, e que não pesquisam a evolução) até com as de pesquisadores legítimos (com formação apropriada), mas que na verdade aceitam a evolução - isto é, o fato que os seres vivos mudam ao longo das gerações e que descendemos de ancestrais comuns -, mas que têm dúvidas sobre certas versões da teoria evolutiva moderna. Por exemplo, sendo críticos às abordagens mais 'genecentristas’ ou 'neo-darwinistas’. Este último, aliás, sendo um termo dado a muitas interpretações e confusões [Veja aqui].
Aliás, este é um problema comum e faz parte das táticas de disseminação da desinformação empregada pelos criacionistas. Muitas vezes termos e expressões como 'evolução’, 'teoria da evolução’, 'darwinismo’ e 'neo-darwinismo’ são utilizados como sinônimos, mas este nem sempre é o caso e a confusão deliberada do uso destes termos com diversos sentidos distintos contribuem para a disseminação da ideia errônea que a evolução é, de alguma maneira, controversa dentro da comunidade científica. Por isso prefiro fazer uma distinção entre a 'evolução biológica’ (o fenômeno em si), a 'teoria evolutiva’ (a explicação do fenômeno) e a 'biologia evolutiva’ (o campo de investigação científica que destina-se a estudar a evolução através do desenvolvimento e constante aprimoramento da teoria evolutiva).
O consenso moderno, que é tão bem fundamentado, refere-se ao fenômeno evolutivo, ou seja, ao fato dos seres vivos mudarem em suas características hereditárias ao longo das gerações (a 'descendência com modificação’, nas palavras de Darwin) e ao fato de que, em virtude deste processo, os seres vivos têm uma mesma origem, sendo evolutivamente aparentados (a ancestralidade comum). Existe menos consenso no que tange a como este fenômeno se deu, ou seja, existem discussões e debates internos à biologia evolutiva sobre os mecanismos e padrões evolutivos, mas mesmo estas discussões envolvem um enorme nível de acordo sobre os mecanismos e padrões mais gerais e sobre como estudá-los, sendo a maior parte dos debates relativos a casos específicos e a ênfase particular em alguns dos diversos mecanismos e processos evolutivos e na maneira como estes deveriam ser caracterizados, modelados e testados.
Além disso, existe um acordo geral que permeia as ciências naturais de que seus fenômenos e padrões devam ser explicados, preferencialmente, por mecanismos e processos naturais, que consiste naquilo que alguns chamam de 'naturalismo metodológico’. Nesta perspectiva, eventuais causas e mecanismos sobrenaturais (envolvendo agentes inteligentes desencorporados não físicos e não limitados espaço-temporamente) são deixados de lado, o que não quer dizer que elas tenham sido refutadas ou mesmo que, eventualmente, não possam ser incorporados às ciências. Esta perspectiva portanto não é um simples preconceito, ou seja, não é uma postura a prioristica, mas apenas uma posição pragmática que se consolidou a posteriori, exatamente, em virtude do histórico negativo das explicações sobrenaturais em fomentar o avanço das ciências, associada a dificuldade do desenvolvimento de consensos metodológicos que permitissem operacionalizá-las e trazê-las para o plano concreto de modo que possam ser produtivamente testadas ou inspirar novas descobertas. Portanto, caso os criacionistas, um dia, consigam propor um programa de pesquisa científico calcado em pressupostos sobrenaturalistas cujas ideias sejam realmente operacionais e fomentem o avanço da nossa compreensão do mundo a nossa volta, não haverá porque não aceitar tal abordagem após um período de escrutínio nos meios acadêmicos. O problema é que isso até hoje não aconteceu e as tentativas dos criacionistas não passam pelo crivo dos cientistas e filósofos, sendo, na realidade, apenas baseadas na apresentação das mesmas velhas falácias e distorções, sem nenhuma contribuição teórica original, nenhum avanço metodológico e, muito menos, sem nenhum novo resultado empírico sólido e que destoa das perspectiva naturalista.
Grande abraço,
Rodrigo