Friday October 05, 2012
Anonymous: Li em um livro criacionista que existem evidencias de que a coluna geológica foi formada de maneira rápida, como a ausência de sinais de erosão nas camadas; a ausência de camadas intermediárias e a existência de fosseis cujo corpo "atravessava" varias camadas.
Infelizmente, a literatura criacionista está repleta destes tipos de afirmações que só se sustentam a partir de uma leitura extremamente distorcida, seletiva e enviesada das evidências científicas quando, não mesmo, da manufatura total de certas questões e ‘fatos’. Realmente não sei de onde vem a ideia de que não existiriam sinais de erosão nas camadas geológicas (e nem de quais sinais eles se referem), bem como de onde teria vindo a ideia que não haveriam camadas intermediárias. Este tipo de afirmações ambíguas e vagas sem referencias claras são muito difíceis de serem rastreadas e são em geral repetidas na mesma forma displicente pela internet. Porém, eu aconselharia, caso você ainda tenha o livro em questão, a procurar na sessão de referências do mesmo pelas fontes destas alegações. Talvez você tenha mais sorte e a partir daí fique claro sobre o que os autores estavam se referindo.
Em relação aos chamados fósseis ‘poliestratos’, entretanto, posso ser um pouco mais útil. Esta alegação é uma das muitas que povoam o imaginário criacionista e que eles muitas vezes encaram como golpes fatais no modelo científico vigente, como se estas ‘evidências’ jamais houvessem sido consideradas pelos geocientistas, mas, de fato, os fósseis ‘poliestrato’ não são nem um pouco problemáticos para a geologia moderna, assim como não o foram no passado, como mostram as conclusões de geólogos como John William Dawson que trabalhavam com estes tipos de fósseis há mais de um século [Veja o texto de Andrew MacRae]. O uso deste tipo de estrutura como um argumento antievolucionista depende de se adotar, como parece ser a regra entre os criacionistas, uma perspectiva completamente distorcida e ingênua da geologia e da paleontologia [Dê uma olhada neste vídeo também].
O primeiro ponto que precisa ser esclarecido e que se associa diretamente com a ideia de que a coluna geológica teira sido formada de maneira rápida envolve os tempos médios de formação dos depósitos e estratos que constituem a coluna geológica. O segundo ponto depende de diferenciar o que é formação rápida de acordo como os geólogos e o que é formação rápida de acordo com os criacionistas.
Do ponto de vista das geociências modernas, embora seja claro que estes processos são em média muito lentos, não é de maneira alguma incompatível com esta perspectiva que certos estratos, especialmente nas proximidades zonas costeiras ou na base de vales e fendas, tenham sido formados bem mais rapidamente do que a média, como seria o caso da deposição de sedimentos por enxurradas e alagamentos que ocorrem em períodos realmente curtos de tempo, após os quais podem se passar décadas, séculos e mesmo milênios em que a deposição é muito lenta ou mesmo virtualmente ausente. Este parece ser exatamente o caso desses ‘fósseis poliestratos’, aliás um termo criacionista e não de caráter científico.
Além do mais, não há distinções radiométricas apreciáveis entre as diversas camadas que formam os estratos em que se encontram estes fósseis sugerindo que estes foram formados em períodos realmente curtos, mas apenas eles, com os estratos inferiores e superiores exibindo datações distintivas e tendo se formado de maneira mais lenta. Existem evidências inclusive de crescimento de raízes secundárias em alguns desses fósseis, o que mostra que o soterramento não foi suficiente para matar as árvores que lhes dariam origem mais tarde e elas perduraram por muito tempo, recebendo camadas de sedimentos extras posteriormente. O vulcanismo e a rápida deposição de cinzas sobre as regiões adjacentes é outra forma como estes tipos de fósseis podem ser formados em períodos relativamente rápidos.
Note bem que estas evidências na realidade são contrárias a ideia de que toda a coluna geológica, com seus diversos estratos, teria se originado através de um único grande cataclismo como teria sido o grande dilúvio descrito na bíblia e defendido pelos criacionistas da terra jovem, que apesar de segundo eles ter se dado em um período curtíssimo, ainda assim teria sido capaz de produzir a distribuição fossilífera característica e com a datação radioisotópica que conhecemos, isto é, com as idades inferíveis a partir delas progressivamente mais antigas quanto mais fundo estão as camadas investigadas. Analisadas em conjuntos, portanto, as evidências mostram o quão absurda é o modelo de formação geológica que os criacionistas defendem e por que os geocientistas em peso aceitam a antiguidade da terra que é por sinal corroborada por múltiplos métodos e pelos estudos de astronomia, astrofísica e cosmologia, diga-se de passagem. Além da bibliografia citada e linkada, aconselho uma resposta anterior para uma questão relacionada que pode ser encontrada aqui.
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Literatura Recomendada:
MacRae, Andrew, 1994. “Polystrate” tree fossils. The TalkOrigin Archives
Hazen, Robert M. How Old is Earth, and How Do We Know? (2010) Evolution: Education and Outreach 3: 2 198-205 DOI – 10.1007/s12052-010-0226-0
Krauss, Lawrence M. Cosmic Evolution (2010) Evolution: Education and Outreach 3: 2, 193-197 DOI-0.1007/s12052-010-0237-x [Veja também este artigo de Krauss]
Credito das Figuras:
PHOTOSTOCK-ISRAEL/SCIENCE PHOTO LIBRARY
Grande abraço,
Rodrigo