Mais vislumbres de miscigenações ancestrais no DNA humano
Evidências genéticas obtidas de populações africanas modernas de caçadores-coletores revelam indícios de miscigenação com outra linhagem humana desconhecida.
Em estudo, cujos resultados foram publicados pela revista Cell, um grupo de cientistas liderado por Sarah A. Tishkoff (e cujo primeiro autor do artigo é Joseph Lachance) revelou - após terem analisado amostras de DNA doadas por 15 africanos de populações caçadores-coletoras de Camarões e da Tanzânia, por meio de avançadas técnicas estatísticas - padrões que até o momento parecem ser muito melhor explicados por algum nível de miscigenação ancestral com alguma linhagem de hominines ainda desconhecida pelo registro fóssil, que deve ter divergido da nossa, mais ou menos, na mesma época que a dos Neandertais o fez, permanecendo isolada por bastante tempo, até voltar a se misturar com a nossa por meio de cruzamentos com as populações ancestrais das populações modernas investigadas.
Com o objetivo de reconstruir a história evolutiva humana moderna, identificando genes relacionados com a adaptação das populações desses grupos de caçadores-coletores, a equipe de pesquisadores (re)sequenciou os genomas completos desses 15 indivíduos (cinco indivíduos de cada subgrupo descrito abaixo) com uma cobertura muito grande, de mais 60 vezes o tamanho dos genomas:
Pigmeus de Camarões
Khoesans de língua Hadza, da Tanzânia.
Sandawes, também da Tanzânia.
O time de cientistas que também é formado por Joshua Akey, da Universidade de Washington, um dos responsáveis pelas análises, juntamente com outros colegas que ajudaram no processo, determinou que cerca de 2 % do DNA desses caçadores-coletores parece ter vindo desta espécie de hominínes desconhecida que divergiu de um ancestral comum - que também deu origem a linhagem que deu origem a nossa, de humanos modernos - cerca de 1,1 milhões de anos atrás. De acordo com o estudo da revista Cell, estes primos humanos 'perdidos' devem ter, após a divergência ancestral e um certo tempo de separação, cruzado com os ancestrais humanos modernos dessas populações de caçadores-coletores, em algum momento antes da linhagem ancestral formadas pelos três grupos de caçadores-coletores da Tanzânia e de Camarões ter se separado, algo em torno de 30.000 a 70.000 anos atrás.
No trabalho foram identificadas 13,4 milhões de variantes, o que aumenta substancialmente o número de variantes humanas conhecidas. Além disso, os resultados permitiram a identificação de várias regiões genômicas que mostram assinaturas moleculares da seleção natural, sugerindo adaptação local. Entre esses loci estão incluídos genes associados à imunidade, a cicatrização de ferimentos e ao metabolismo, mas também a percepção olfativa e ao paladar, além de outros diretamente relevantes à reprodução. Os pesquisadores também relataram terem encontrado dentro da população de pigmeus, múltiplos loci altamente diferenciados, que desempenham um papel no crescimento e na função da hipófise anterior e que estão associados com a estatura.
O artigo da revista de The Scientist sobre a descoberta, escrito por Tina Hesman Saey, relata um outro estudo separado, que foi depositado online no dia 23 de julho nos arXiv.org, com resultados e conclusões consistentes com os publicados na revista Cell. Neste estudo, Joseph K. Pickrell, da Harvard Medical School, e vários colaboradores, examinando os padrões de variação dos SNPs - abreviatura em inglês de 'Single Nucleotide Polimorfism', ou seja, variações em que um único nucleotídeo é substituído por outro - em 22 grupos de africanos, constataram evidências adicionais de que algumas populações africanas, incluindo os Hadza investigados no estudo da Cell, também possuiriam variantes genéticas provenientes de espécies desconhecidas de hominines extintos.
É preciso ter em mente, contudo, que diferentemente dos estudos anteriores que revelaram a miscigenação introgressiva de Neandertais e Denisovanos nos genomas de populações modernas de Eurasiáticos e Melanésio, respectivamente, estes novos estudos não contam com amostras de DNA obtidas de restos fósseis dos esqueletos do suposto hominine, portanto, o cruzamento ancestral tendo sido inferido de forma bem mais indiretamente.
O mesmo artigo da revista The Scientist, inclusive, traz a ressalva que outros pesquisadores ainda não estão convencidos de que as variantes de DNA identificadas nestes estudos sejam realmente atribuíveis a resquícios genéticos de miscigenação ancestral com uma 'nova' espécie humana, ainda desconhecida através do registro fóssil.
Os críticos argumentam que estas variantes de DNA poderiam ter vindo de um grupo geneticamente distinto de seres humanos modernos, mas que deve ter sido extinto devido a mudanças em seu ambiente, doenças ou confrontos com grupos rivais de humanos, como afirma Jean-Jacques Hublin, paleoantropólogo do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha.
Algo semelhante é afirmado por Paul Verdu, especialista em genética antropológica da Universidade de Stanford, nos EUA, que explica que cruzamentos relativamente recentes não são a única explicação para a presença destas variantes de DNA recém-descobertas. Verdu acredita que o DNA pode ser simplesmente remanescente de um estoque genético, possuído por um ancestral comum de humanos modernos e de outras espécies, mas que se transformou tanto em grupos não-africanos, por simples efeito do acaso, que atualmente não é mais reconhecível nos demais grupos humanos.
Ainda assim, a descoberta ilustra o poder das metodologias de produção em larga escala e análise de dados genômicos de alta definição, também mostrando as nuances da história evolutiva de nossa linhagem. Esperamos que estudos adicionais resolvam as questões pendentes e lancem mais luz nos estudos das origens de nossa espécie.
Para saber mais sobre o que temos descoberto sobre o passado de nossa linhagem, veja a série de posts aqui do evolucionismo.org sobre o tema “Quem somos nós e como sabemos quem somos? Parte I, II e III” em que mais detalhes sobre as descobertas das últimas.
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Referências:
Lachance, J. et al. Evolutionary history and adaptation from high-coverage whole-genome sequences of diverse African hunter-gatherers. Cell, Vol 150, August 3, 2012, p. 1. [LINK]. [LINK]
Pickrell, J.K. et al. The genetic prehistory of southern Africa. arXiv:1207.5552v1. [LINK]
Saey, T. Hesman DNA hints at African cousin to humans. Science News Web edition: Tuesday, July 31st, 2012. [LINK]
Créditos das Figuras:
MATTHEW OLDFIELD/SCIENCE PHOTO LIBRARY
GUSTOIMAGES/SCIENCE PHOTO LIBRARY
“DNA SNP”: Fonte: Wikicommons; Autor David Hall (Gringer)