Menor dos hominíneos não podia andar rápido
Os pés do Homo floresiensis eram primitivos, mas não patológicos por Kristin Elise Phillips, do American Museum of Natural History , em EurekAlert
Uma análise detalhada dos pés dos Homo floresiensis - os hominíneos* em miniatura que viveram numa ilha remota da Indonésia oriental até 18 mil anos atrás - pode ajudar a resolver a questão acaloradamente debatida entre paleontólogos: quão similar era esta população aos modernos humanos? Um novo artigo científico que saiu na última capa da revista Nature pode responder a essa questão. Embora os chamados "hobbits" andassem sobre duas pernas, várias características de seus pés eram tão primitivas que seu passo não era eficiente para uma marcha rápida. "Os hobbits eram bípedes, mas andavam de um jeito bem diferente dos humanos modernos," explica William Harcourt-Smith, um pesquisador da Divisão de Paleontologia do Americam Museum of Natural History e autor do artigo. "Seus pés têm uma combinação de características humanas e de hominíneo mais primitivo, algumas das quais mais parecidas com as da Lucy." Lucy é um hominíneo primitivo bípede mas com cérebro pequeno, um australopitecíneo, que viveu na África há 3,2 milhões de anos. Os "hobbits", achados numa escavação na caverna Liang Bua da Ilha de Flores, foram descritos pela primeira vez em 2004. Os espécimes conhecidos variam entre 90 mil e 18 mil anos, o que os faz contemporâneos dos humanos modernos. Isto, em combinação com a incomum baixa estatura e pequeno tamanho cerebral do H. floresiensis, levou a debates consideráveis entre os pesquisadores e na mídia. Alguns consideram a população como uma espécie separada, enquanto outros avaliaram os fósseis como humanos modernos patológicos. Mas algumas análises recentes do crânio, face e punho encontraram em alguns "hobbits" muitas características geralmente primitivas que são mais similares às de chimpanzés e de Australopithecus, sugerindo que os habitantes de Flores representam uma população remanescente de hominíneos basais. A anatomia do pé descrita no novo artigo poderia finalmente responder à questão "patologia versus população primitiva". Embora o pé seja característico de um bípede - não dobrável e sem polegar opositor - muitas outras características saem do padrão para humanos modernos. O pé do H. floresiensis é muito longo em proporção à canela e consideravelmente maior que metade do comprimento da coxa; os pés dos humanos modernos são relativamente menores, com cerca de metade do comprimento do fêmur. O dedão do pé atarracado dos hobbits é outra característica primitiva que lembra os chimpanzés. Mas a pista essencial vem do osso navicular, um osso importante do tipo tarso que ajuda a formar o arco do pé humano moderno. O osso navicular do "hobbit" se parece mais com o dos grandes macacos, o que significa que este hominíneo não tinha um arco e não era um corredor eficiente a longo prazo. "Arcos são a marca de um pé humano moderno," explica Harcourt-Smith. "Esta é outra forte evidência de que o "hobbit" não era como nós." Os pesquisadores também avaliaram a hipótese da patologia comparando pés do "hobbit" aos pés de típicos humanos modernos e espécimes patológicos modernos com nanismo hipofisário. Enquanto os espécimes patológicos se encaixaram bem no padrão dos humanos modernos, os "hobbits" não se encaixaram. Isso sugere que o Homo floresiensis era uma população incomum e isolada de hominíneos basais. "O registro fóssil continua nos surpreendendo," diz William Jungers, diretor do Departamento de Ciências Anatômicas em Stony Brook University Medical Center, e um autor do estudo. "H. floresiensis é ou um descendente de H. erectus que sofreu nanismo insular, não apenas reduzindo seu tamanho corporal mas também passando por reversões evolutivas, ou, como nossa análise sugere, representa uma nova espécie cheia de retenções primitivas de um ancestral que saiu da África bem antes do que alguém poderia ter previsto. De um modo ou de outro, as implicações para a evolução humana são profundas."
__________ * Nota do tradutor: o termo "hominíneo" designa os primatas da subfamília Homininae. O termo "hominídeo", por sua vez, designa espécies primatas que pertençam à família Hominidae. A família Hominidae engloba o conjunto das subfamílias Homininae e Ponginae.
Imagem: Caverna Liang Bua, Ilha de Flores, Indonésia. Crédito (CC) 2.0 Rosino, Wikimedia Commons.