Monday April 15, 2013
Anonymous: sobre o novo estudo que saiu, no dia 14/03/1 sobre os neandertaiz terem sido extintos pelos olhos grande, procede?
O artigo em questão foi publicado no periódico Proceedings of the Royal Society, B, uma revista bastante respeitada, cujo índice de impacto em 2011 era de 5, 4. Os pesquisadores responsáveis pelo trabalho, Eiluned Pearce, Chris Stringer, e Robin I. M. Dunbar são especialistas nas áreas, especialmente os dois autores sênior, respectivamente, professor do museu de história natural britânico e professor do instituto de Antropologia Cognitiva e Evolutiva da Universidade de Oxford., orientador de doutorado de Pearce.
Então, baseado nesta avaliação preliminar, o trabalho é, sim, legítimo e a hipótese levantada é sim uma hipótese científica. Porém, a publicação em periódico revisado por pares sério, por especialistas, de um novo modelo ou hipótese e das evidências que eles acreditam que a consubstanciam é apenas o começo do processo de avaliação científica que deverá continuar com mais trabalhos e críticas que mostraram com o tempo se esta ideia é ou não realmente adequada. Isso só o tempo vai dizer. O ponto fundamental é que não é um único artigo que estabelece a ‘verdade’, correção ou validade de uma nova ideia científica.
Outro fato que merece ser esclarecido é que os olhos grandes não teriam sido a causa direta da extinção dos mesmos de acordo com este artigo, mas sim o fato os neandertais, em virtude de terem se adaptado a condições de menos luz - o que resultou em olhos maiores, mas, mais do que isso, em uma porção maior do córtex dedicada ao processamento visual – teriam, por causa disso uma capacidade de planejamento, abstração e, principalmente, cognição social mais limitada que os Homo sapiens já queteriam trocado o espaço de cognição mais refinada por acuidade visual [1, 2]. Além disso, parte da hipótese exposta no artigo de Pearce, Stringer e Dunbar [2] também envolve a postulação que os relativamente maiores e mais robustos corpos dos neandertais, por causa da maior necessidade de processamento cerebral para seu controle, em conjunto com o sistema visual, também podem ter 'roubado’ espaço para o processamento cognitivo no planejamento e cognição social. Por isso, as manchetes de que os neandertais teriam sido extintos por terem olhos grandes é bastante enganosa como descrição do conteúdo deste artigo e como ilustração da hipótese proposta pelos três cientistas
De acordo com o resumo do artigo, embora estudos anteriores já houvessem identificado diferenças morfológicas entre os cérebros dos neandertais e dos seres humanos anatomicamente modernos, esses estudos eram limitados por que utilizavam apenas as endocastas (impressões da superfície interna dos cérebros) ou os próprios fósseis de crânios. Com base nestas estruturas os pesquisadores ficam limitados a investigarem apenas as características das superfícies externas dos cérebros, bem como seu tamanho total e forma. Os três cientistas, em contrapartida, empregam uma abordagem complementar em que, por meio da utilização de dados comparativos de outros primatas, é possível estimar o tamanho das áreas cerebrais internas [2].
Os pesquisadores analisaram dados de fósseis entre 27.000 e 75.000 anos de idade, a maioria originados na Europa e no Oriente Médio, comparando os crânios de 13 neandertais com os crânios de 32 seres humanos anatomicamente, descobrindo que, em um subconjunto desses fósseis, os neandertais tinham órbitas, e, portanto, olhos, significativamente, maiores do que os dos seres humanos modernos [2].
Os pesquisadores ressaltam que as tentativas anteriores de usar este tipo de abordagem, geralmente, pressupunham que volumes cerebrais totais idênticos implicavam uma organização interna idêntica. Em contrapartida, os autores deste novo trabalha defendem que, no caso dos neandertais e dos seres humanos anatomicamente modernos, diferenças no tamanho do corpo e nos sistemas visuais implicariam em diferenças na organização entre os cérebros do mesmo tamanho destas duas espécies [1].
Ao longo do artigo, os autores tentam mostrar que os neandertais deveriam ter sistemas visuais significativamente maiores do que os dos seres humanos anatomicamente modernos contemporâneos sistemas (indexados pelo volume orbital) e que, quando este aspecto, juntamente com a sua maior massa corporal, é levado em conta, isso implicaria que os neandertais deviam exibir uma capacidade endocraniana ajustada, significativamente, menor do que a dos seres humanos anatomicamente modernos contemporâneos [1]. Apartir deste pressuposto, os cientistas puderam estimar quanto do cérebro sobrava para outras funções cognitivas. Como pesquisas anteriores, conduzidas por Dunbar e Pearce*, mostraram que os seres humanos modernos que vivem em latitudes mais altas evoluíram áreas associadas ao processamento visual maiores no cérebro, para lidar com os níveis baixos de luz, os pesquisadores sugerem que, enquanto os humanos contemporâneos apenas muito, recentemente, colonizaram latitudes mais altas, tendo evoluído na África, os neandertais, provavelmente, tinham olhos maiores do que os humanos contemporâneos porque evoluíram na Europa [2].
“Como os neandertais evoluíram em latitudes mais altas e, portanto, têm corpos maiores do que os seres humanos modernos, uma maior proporção do cérebro neandertal teria sido dedicada a visão e ao controle do corpo, deixando menos cérebro para lidar com outras funções como a interação social”, explica a primeira autora do artigo, a antropóloga, Eiluned Pearce da Universidade de Oxford [2].
Em resumo, os três pesquisadores exploraram o cenário de que o ancestral dos neandertais que teriam deixado a a África, bem antes dos seres humanos anatomicamente modernos, teriam se adaptado as noites mais longas e escuras e dias menos ensolarados típicos do continente Europeu. Isso teria resultado em olhos maiores e uma área de processamento visual proporcionalmente muito maior na região posterior do cérebro. Em contrapartida, os cientistas acreditam que os Homo sapiens - que permaneceram na África por mais tempo, tendo apenas mais tarde se expandido para a Europa - que desfrutavam de dias mais claros e uma menor demanda por processamento visual, não teriam sido submetidos ao mesmo tipo de pressão ambiental que os neandertais, liberando-os para evoluírem lóbulos frontais, associadas a um maior nível de planejamento e abstração, além de sistemas mais eficientes de cognição social, antes de sua jornada pelo globo [3]. Há por exemplo evidências arqueológicas que seriam consistentes com diferenças nas capacidades criativas e de manufatura entre os seres humanos anatomicamente modernos e os neandertais, como o fato de terem sido achadas agulhas entre os restos de seres humanos modernos, contemporâneos a neandertais que deveriam ter sido usados para costurar roupas mais apropriadas, mas não associados aos restos de neandertais [3].

Sobre a cognição social, os pesquisadores especulam que esta menor capacidade de lidar com grupos sociais maiores poderia ter tornado mais difícil para os neandertais sobrevirem nos ambientes Eurasiáticos, especialmente quando prevaleciam condições mais severas. Estas menor capacidade de interação social e formação de coalizões mais amplas é que teriam fragilizado os neandertais. Assim, as diferenças na organização do cérebro e na cognição social poderiam em tese ajudar a explicar por que os neandertais foram extintos enquanto os seres humanos modernos perseveraram [2]
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“Os grandes cérebros de homens de Neandertal têm sido uma fonte de debate desde o tempo das primeiras descobertas fósseis desse grupo, mas conseguir uma ideia da "qualidade” destes seus cérebros tem sido muito problemático”, [2] diz o professor Chris Stringer e completa:
“Daí a discussão concentrou-se na sua cultura material e em seus possíveis modos de vida como sinais indiretos do nível de complexidade de seus cérebros em comparação com o nosso.” [2]
Para Stringer, este nosso estudo fornece uma abordagem mais direta em que eles propõem-se a estimar o quanto do cérebro dos neandertais era destinada às funções cognitivas, incluindo a regulação do tamanho dos grupos sociais, uma vez que grupos sociais menores teriam implicações no nível de complexidade social e na capacidades dos neandertais de criar, conservar e inovar [2].
"Ter menos cérebro disponível para gerir o mundo social teve implicações profundas para os as capacidades dos neandertais de manterem redes de comércio estendidas, e foram, provavelmente também resultaram em cultura material menos bem desenvolvida - que, entre eles, pode ter deixado-os mais expostos, do que seres humanos modernos, quando enfrentam os desafios ecológicos da Idade do gelo.”, acrescenta Dunbar [2]
A hipótese desenvolvida por estes cientistas pode ajudar a explicar por que, apesar do tamanho do cérebro semelhante, a cultura neandertal parece menos desenvolvida do que a dos seres humanos modernos, por exemplo, em relação à ornamentação, simbolismo e arte, lançando um pouco de luz sobre controversa relação entre o tamanho do absoluto cérebro e as capacidades cognitivas [2].
A hipótese é muito interessante, mas como deve ter ficado clara é baseada ainda em evidências bastante circunstanciais e em uma série de pressupostos que precisam eles mesmo serem melhor investigados e validados. Por exemplo, nem sabemos como eram os grupos de neandertais e nem os seus tamanhos. Além de também não ser claro como os supostos grupos menores e a suposta menor capacidade de controle das interações sociais teria realmente impactado na sobrevivências destes hominines e contribuído para sua extinção. Portanto, é possível sabermos de antemão se esta hipótese vai realmente 'vingar’, sendo corroborada com o tempo por mais estudos, ou se será refutada por novos dados e análises mais precisas ou se, apenas, permanecerá como um interessante ideia, mas sem maior apoio empírico.
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*Já era bem conhecido que os níveis de luz ambiente influenciam o tamanho do sistema visual em aves e primatas. Em artigo anterior Pearce e Dunbar investigaram se este també seriam o caso para os seres humano. Como os níveis de luz diminuem em latitudes crescentes, tanto em termos de quantidade de luz que atinge a superfície da Terra quanto em relação a duração do dia, Pearce e Dumbar testaram se havia uma correlação positiva significativa entre a latitude absoluta e volume orbital dos seres humanos que ali viviam, por meio do índice de tamanho do globo ocular, o que reflete-se em córtices visuais maiores em latitudes mais altas. Os dois pesquisadores também mostraram que a acuidade visual medida sob condições de luz natural integral é constante ao longo das latitudes, o que, segundo, os autores do trabalho, indicaria que a seleção natural para maiores sistemas visuais teria compensado o efeito de diminuição dos níveis de luz ambiente.
Pearce E, Dunbar R. Latitudinal variation in light levels drives human visual system size. Biol Lett. 2012 Feb 23;8(1):90-3. doi: 10.1098/rsbl.2011.0570. Epub 2011 Jul 27. PubMed PMID: 21795263; PubMed Central PMCID: PMC3259958.
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Literatura Recomendada:
Pearce, Eiluned, Stringer, Chris and Dunbar, R. I. M. New insights into differences in brain organization between Neanderthals and anatomically modern humans Proc. R. Soc. B May 7, 2013 280 1758 20130168; doi:10.1098/rspb.2013.0168 1471-2954
Neanderthal brains focussed on vision and movement leaving less room for social networking, The Royal Society News, 13 March 2013. [link]
Ghosh, Pallab Neanderthals’ large eyes 'caused their demise’ BBC News -Science and Environment 13 March, 2013.[Link]
Créditos das Figuras:
PASCAL GOETGHELUCK/SCIENCE PHOTO LIBRARY
JAVIER TRUEBA/MSF/SCIENCE PHOTO LIBRARY
JOHN READER/SCIENCE PHOTO LIBRARY
Grande abraço,
Rodrigo