Monday August 29, 2011
<a href="https://peeeeeee-blog-blog.tumblr.com/" style="text-decoration:underline;">peeeeeee-blog-blog</a>: O equilíbrio e sua busca pela natureza, não é contra a evolução? A natureza só cria, só existe transformação se houver a imperfeição - o desiquilíbrio. Então essa ideia que biólogos, ecólogos, filósofos não é uma ilusão quase religiosa? Uma ficção útil, pois o que existe é o próprio desiquilíbrio e sua eterna manutenção, só pelo desiquilíbrio que se cria, se muta, se inova, se transforma, logo, evolução. A modificação existe para promover o desiquilíbrio e não para manter o equilíbrio. peee
O problema desta questão é que ela é um tanto viciada, já que parece assumir que deveríamos fazer o que a “natureza busca” ou o que a “evolução quer”, como se houvesse uma tensão obrigatória entre essas coisas. Na verdade, várias coisas diferentes parecem estar misturadas nessa questão. As que me chamam mais atenção são a confusão entre questões de juízo e questões de fato (confundindo o “é” como “deve ser”), aproximando-se assim da falácia naturalista, e a confusão entre as iniciativas ambientalistas e conservacionistas como o estudo científico sobre a natureza dos ecossistemas promovido por disciplinas como a ecologia. O primeiro fator importante a ser esclarecido é que apesar de ser uma metáfora comum, a natureza não é uma agente cognoscente e, portanto, não busca qualquer coisa, assim como a evolução não tem qualquer objetivo a ser contrariado. A natureza é apenas o conjunto de entidades e processos (do quais fazemos parte) que existem e ocorrem em nosso planeta e a evolução é o processo de mudança transgeracional das características hereditárias das populações de seres vivos. A compreensão desses fenômenos, entretanto, é fundamental para que possamos controlá-los (na medida do possível) ou pelo menos para que possamos melhor nos ajustarmos a eles. Além disso, precisamos estar atentos as escalas temporais nas quais algumas das mudanças geológicas e evolutivas ocorrem, nos concentrando obviamente nas de curto prazo que interferem diretamente com nossa sociedade e com as espécies, ecossistemas e biomas que convivemos e com os quais estamos em constante interação.
Em relação a confusão entre ambientalismo/conservacionismo, de um lado, e ecologia/biologia/ciências da terra, de outro, outro ponto importante é que os dois tipos de atividades, apesar de estarem obviamente interligadas, não são a mesma coisa. Enquanto o último tipo envolve o estudo descritivo e explicativo dos processos e fenômenos naturais, o primeiro tipo é basicamente a aplicação de parte do conhecimento gerado por ciências como a ecologia (e outras subdisciplinas da biologia e das ciências da terra) no gerenciamento dos recursos naturais e dos impactos de nossas atividades sobre a natureza. As “filosofias” por trás dessas empreitadas aplicadas podem ser das mais variadas, indo do mais simples pragmatismo - em que as necessidades humanas de médio e curto prazo são os principais motivadores - até as baseadas em noções de ética e moral mais amplas que coloquem os interesses de longuíssimo prazo de nossa espécie ou mesmo de outras espécies e até dos ecossistemas como um todo em primeiro lugar, como os inspirados pela chamada “ecologia profunda”. Portanto, me parece simplista jogar tudo em um balaio só e generalizar do modo como parece estar implícito na pergunta.
Em relação ao confundir o “é” como “deve ser” - a questão da falácia naturalista - é preciso lembrar que não definimos aquilo que é correto ou desejável simplesmente por atestarmos que aquilo exista ou por que possa ser produzido sem interferência humana. Em sentido mais amplo, aquilo que nós seres humanos fazemos e criamos é também parte da natureza. Como outros seres vivos, nós alteramos o nosso meio adjacente ao interagimos com outros seres vivos e com o ambiente físico, nos alimentando, construindo abrigo, produzindo excretas etc. Além disso, outros animais aprendem, criam e usam ferramentas e possuem traços culturais que são passados a seus descendentes e co-específicos. Fazemos isso em uma escala realmente incrível e até certo ponto planejada, diferente dos outros seres vivos, mas nossas habilidades cognitivas e nossa cultura não são por isso antinaturais, então não podemos ser ingênuos a esse ponto e excluir nossos desejos e intenções como se fossem algo não-natural. Porém, mais importante do que isso é saber o que pode ser mudado e como isso pode ser feito, além de meditar sobre as consequências de nossos atos e agir baseado nisso. O fato de um ciclone ou de um terremoto ou de uma pandemia serem todos fenômenos naturais, bem como as mortes causadas por eles, não tornam estas situações algo que não devamos tentar impedir ou, pelo menos, tentar minimizar seus efeitos e as fatalidades a elas associadas através do conhecimento que podemos adquirir sobre os processos subjacentes.
Outra questão importante é que quando cientistas falam de ‘equilíbrio’, têm em mente uma situação dinâmica não um modelo estático, em que não ocorrem flutuações ou mudanças e quando ambientalistas falam de 'equilíbrio’, geralmente referem-se em “viver em equilíbrio ou harmonia”, no sentido de sustentabilidade e minimização de impactos negativos e que repercutam em aceleração de catástrofes etc.
Além disso, para os cientistas é perfeitamente claro que os ecossistema, biomas e as biotas mudam ao longo do tempo, o que é facilmente constatado pela observação do registro fóssil ou mesmo pelos registros históricos que temos acesso. Por isso é importante atentarmos, como já mencionado, para a escala temporal da mudança em estudo. Também é claro a existência de grandes catástrofes e extinções dos mais diversos tamanhos - das mais gigantescas como a permiano-triássica e cretáceo-paleogêneo (cretáceo-terciário) até as extinções de fundo que estão sempre ocorrendo. Entretanto, voltando a falácia naturalista, o simples fato dessas extinções ocorrerem não as torna corretas, muito menos eventos que devem ser desejados ou, pelo menos, que devamos sempre apenas nos conformar com elas. Este e outros processos naturais apenas são. No entanto, como somos criaturas capazes de reflexão consciente, capazes de contemplar cenários alternativos, e que, fundamentalmente, importam-se com os outros (inclusive quando estes 'outros’ são seres de outras espécies) e até mesmo com nossos descendentes ainda não nascidos, temos uma dimensão ética e moral que nos faz classificar alguns desses fatos como bons e maus a partir dos seus efeitos em nós e em nosso círculo de consideração moral.
De fato, vamos além disso. Cada vez mais somos capazes de compreender e até intervir em alguns desses fatos e nos processos e mecanismos que estão por trás deles, graças ao conhecimento que temos deles. Este é o impulso que move os ambientalistas e conservacionistas que usam o que conhecemos das ciências da terra, da biologia evolutiva e da ecologia para compreender o que ocorre em nosso planeta, especialmente os tipos de modificações deflagrados por nossa ação. Buscando prever seus resultados, modificando seu curso, quando possível, mitigando seus efeitos, quando as alterações forem inevitáveis, tentando, assim, conduzir a mudança de forma mais lenta, e/ou ordenada, isto é, mais condizente com nossas necessidades de sobrevivência e nossas expectativas éticas - por exemplo: viver de forma mais sustentável (sem exaurir recursos), proteger outras espécies, recompor ecossistemas. Desta forma mantendo nossa existência, e a de várias espécies que co-habitam este mundo com a nossa, da melhor forma possível e pelo maior tempo possível. Fazemos algo muito semelhante quando usamos roupas, construímos casas, utilizamos de procedimentos médicos e sanitários para viver melhor e por mais tempo, mesmo sabendo que a morte e senescência são realidades da vida.
Grande Abraço,
Rodrigo