Monday June 06, 2011
Anonymous: Se as aves podem ser consideradas pertencentes à linhagem dos Teropodas, por que ainda há uma discussão acerca desse assunto?
Esta é uma excelente pergunta, que talvez dependa mais de considerações mais amplas sobre a psicologia e sociologia das ciências, envolvendo mesmo, quem sabe, até o ego de certos pesquisadores. Especialmente por que (baseando-se nos métodos filogenéticos e na abundância de dados comparativos e experimentais) a imensa maioria das questões levantadas pelos críticos, como Feducia, Ruben e Quick, foram mais do que bem respondidas por vários paleontólogos e biólogos evolutivos.
Um ponto fundamental a ser considerado é que existe sempre uma margem de incerteza em qualquer disciplina científica e esta é maior em estudos históricos que dependem de inferirmos sobre o passado baseando-nos em dados indiretos que sobreviveram até o presente. Neste limbo podem ser mantidas vivas certas dúvidas residuais, como parece ser o caso da relação entre aves e dinossauros. Estas dúvidas, no entanto, são cada vez mais sem sentido e um consenso muito forte tem se criado sobre a questão, tanto que a referência ‘dinossauros avianos’ e 'não-avianos’ está cada vez mais difundida.
Abordando diretamente os críticos do modelo padrão e mais consensual, muitos dos contra-argumentos empregados por estes mesmos críticos referem-se a espantalhos e não aos dados e ao modelo como ele foi realmente formulado e defendido pela grande maioria dos paleontólogos de vertebrados especializados no assunto. O fato dos críticos geralmente também não apresentarem um cenário de evolução e uma filogenia alternativa, apenas alegando que as aves descenderiam de outro arcossauro genérico, só piora a situação dos mesmos. Quando entram em questões mais específicas acabam por refutar os seus próprios cenários e eventuais candidatos a linhagens ancestrais alternativas, já que estas (também) não teriam as características necessárias, distintivas das aves modernas, que eles dizem estar ausentes em dinossauros terópodes. Sem mencionar o fato que muitas características das aves, utilizadas no debate pelos críticos do modelo de origem das aves a partir de uma linhagem de terópodes, não existiam nem nas primeiras aves, as mais basais e já extintas e com as quais as comparações deveriam ser centradas.
Darren Nash, paleontologista, em seu blog Tetrapod Zoology, comenta algumas das estratégias dos opositores e chama atenção para o fato de que resumem-se a dois tipos principais. Primeiro, ao invés de mostrar ou evidenciar qualquer coisa, apenas tentam achar furos nas evidências trazidas a tona pela perspectiva dominante. E a segunda, os autores que se opõem ao modelo padrão abusam de citação seletiva (ou parcial) de evidências de outros trabalhos, deixando de citar os exemplos que contrariam seus argumentos, os tornando pouco efetivos em criticar o modelo aceito pela maior parte dos paleontólogos. Os críticos adotam comparações e esquematizações inadequadas e muito da oposição se dá em cima de sugestões que não têm nema ao menos respaldo na fisiologia, anatomia ou biomecânica de muitas aves modernas.
O caso das penas também é emblemático, com cada vez mais exemplares de terópodes emplumados e com vários tipos de plumas e penas sendo descobertos e tornando a questão cada vez mais evidente. Como ressalta Naish, a presença de penas em dinossauros já avia sido prevista em função da alta similaridade entre coelussareos maniraptores (não-avianos) e as aves mais basais.
Uma das disputas residuais se da a partir da questão da identidade dos dedos que forma os membros superiores de aves e terópodes. Acredita-se que as asas são formadas pelo crescimento e fusão dos ossos correspondentes aos dos dedos 2, 3 e 4 (o 1 seria equivalente ao polegar e o 5 ao mínimo) nos precursores embrionários das mãos. Porém os terópodes que também possuiriam três dedos possuiriam o primeiro, segundo e terceiro dedo, tendo perdido o quinto dedo bem no começo de sua evolução possivelmente antes da origem das aves, deixando assim os paleontólogos e biólogos evolutivos com um mistério. Muitos acreditavam que durante a evolução das aves a partir do terópodes coelussaureos, o que aconteceu foi, na verdade, que as aves evoluíram de precursores com os dedos 1, 2 e 3, mas que teriam perdido o primeiro dedo e crescido novamente o quarto dedo.
No entanto, fósseis de um terópode basal Limussaurus podem indicar que na realidade as identidades dos dedos tenham sido simplesmente confundidas, já que este espécime tem as marcas de um primeiro dedo reduzido. Outra possibilidade é que o que tenha ocorrido seja apenas uma mudança nas propriedades dos precursores embrionários dos dedos. Isso ocorre por que o padrão pentadáctilo dos vertebrados se prenuncia mesmo nos embriões de tetrápodes que sofreram redução e fusão de dedos durante a evolução. [Veja Por que Cinco dedo?]
Os dedos surgem a partir de pequenas condensações de cartilagem, a começar pela equivalente ao dedo IV, depois formando a que dará origem o dedo 1 (polegar com suas duas características falanges posteriormente no lado oposto através de condensações que darão origem ao dedos 3, 2, 1). Isso se repete no desenvolvimento de aves que perdem os dedos mais 'fáceis’ de perder, os dedos 1 e 5. Porém, mecanismos separados conferem às protuberâncias cartilaginosas as especifidades de cada dedo. Assim o que ocorreu, muito provavelmente, foi que simplesmente os dedos as condensações 2,3 e 4 tenham passado a expressar genes em um padrão mais semelhante ao que se esperaria para os dedos 1,2 3, ou seja, o que houve foi apenas uma mudança de identidade genética entre os dedos. Esta possibilidade é apoiada em estudos recentes envolvendo experimentos em biologia de desenvolvimento, comparando-se o desenvolvimento de dedo 'anelar’ nas patas e seu equivalente nas asas. Estes estudos são compatíveis com o fato dos precursores dos dedos das asas começarem como os condensações/dedos 2,3 e 4, mas mudarem seu padrão de resposta a certas proteínas morfogenéticas como sonic hedgehog, alterando sua posição relativa em relação ao chamado 'organizador’, adquirindo identidades 1,2 e 3. Inclusivecom um padrão de expressão hox, no caso da condensação 2, tornando-se mais típico do dedo 1 em camundongos que, como nós, mantém o padrão pentadáctilo ancestral. O mais recente deles foi publicado este ano na Nature.
Essa é mais uma pá de cal sobre essa disputa, indicando, exatamente, que uma modificação no tempo e localização de expressão de genes nas protusões teciduais que darão origem aos dedos pode explicar a aparente discrepância.
Estas e outras considerações mostram que o caso das aves serem tetrápodes coelussaureos maniraptores remanescentes é extremamente forte, não havendo realmente modelos rivais a sua altura, apenas lacunas normais no nosso conhecimento sobre o passado e sobre os detalhes da evolução destes animais.
Temos mais posts sobre o assunto no evolucionismo.org, como os do Eli [Penas: marcas indeléveis da evolução das aves e Arqueoptérix era mais dinossauro que ave], do Naidel [Comportamento Aviário de um Dinossauro] e meu [Penas, para que te quero?].
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Literatura e leituras recomendadas:
Kaplan, Matt [Published online 17 June 2009] Dinosaur’s digits show how birds got wings: A new dinosaur species looks set to solve an old evolutionary puzzle. Nature News doi:10.1038/news.2009.577
Naish, Darren [Posted on: July 17, 2009 7:12 AM] Publishing with a hidden agenda: why birds simply cannot be dinosaurs Tetrapod Zoology. Acessado em 03/06/2011.
Naish, Darren [Posted on: January 12, 2011 5:59 AM] Luis Chiappe’s Glorified Dinosaurs: The Origin and Early Evolution of Birds Tetrapod Zoology. Acessado em 03/06/2011.
Naish, Darren [Posted on: March 2, 2007 8:30 PM] Feathers and filaments of dinosaurs, part II Tetrapod Zoology. Acessado em 03/06/2011.
Naish, Darren [Posted on: February 28, 2007 7:28 PM,] Feathers and filaments of dinosaurs, part I Tetrapod Zoology. Acessado em 03/06/2011.
Naish, Darren [Posted on: June 10, 2009 7:06 AM] Birds Come First - oh no they don’t! Tetrapod Zoology. Acessado em 03/06/2011.
Pennisi, Elizabeth [Published online 10 February 2011, 2:01 PM] Dinos Gave Birds the Finger ScienceNOW Acessado em 06/06/2011.
Myers, PZ [Posted on: June 18, 2009 9:07 AM, by PZ Myers] Digit numbering and limb development Pharyngula. Acessado em 06/06/2011.
Wagner, G.P. 2005. The developmental evolution of avian digit homology: An update. Theory in Biosciences 124: 165-183.
Tamura K, Nomura N, Seki R, Yonei-Tamura S, Yokoyama H. Embryological evidence identifies wing digits in birds as digits 1, 2, and 3. Science. 2011 Feb 11;331(6018):753-7. PubMed PMID: 21311019.
Abraços,
Rodrigo