Monday May 30, 2011
Anonymous: Segundo o biólogo molecular James Shapiro, “não existem explicações darwinianas detalhadas para a evolução de qualquer sistema bioquímico ou celular fundamental, somente uma variedade de especulações do que se deseja fosse realidade.
Creio que a autoria da referência está errada. A frase é de Franklin M. Harold e a citação completa seria:
We should reject, as a matter of principle, the substitution of intelligent design for the dialogue of chance and necessity; but we must concede that there are presently no detailed Darwinian accounts of the evolution of any biochemical system, only a variety of wishful speculations.
Franklin M. Harold
Como não há pergunta associada a citação, só posso fazer um comentário muito geral.
Primeiro de tudo, é preciso ter cuidado com citações, sobretudo quando retiradas de seu contexto original e especialmente quando parte delas são omitidas. A chamada “garimpagem de citações” é uma das principais estratégias dos criacionistas para promover sua ideologia, ao espalhar a confusão e distorcer as discussões científicas ao cooptá-las para seus fins retóricos. Os principais alvos dessa estratégia são as hipérboles dos cientistas e outras formas de exagero ou simplificação de questões complicadas, comuns, por exemplo, ao criticarem uma ou outra abordagem evolutiva, mas não a evolução como fato e a inevitabilidade de investigá-la de forma naturalista.
O ponto fundamental é lembrar que, nas ciências naturais, o peso da ‘autoridade’ não se compara ao dos argumentos e, principalmente, ao das evidências empíricas.
O próprio termo “Darwiniana”, usado nessa citação, é enganoso pois não reflete bem o atual estado de arte da biologia evolutiva e acaba distorcendo a natureza do debate científico. É muito fácil fazer afirmações vagas e criticar um espantalho ao invés de se deter em pontos específicos. Isso, sem mencionar, que “detalhado” pode também ser um termo ainda mais enganoso, permitindo ao interlocutor exigir sempre cada vez mais e mais detalhes e nunca se mostrar satisfeitos, colocando todo ônus nos cientistas e se eximindo de qualquer trabalho, acreditando triunfar enquanto houver incerteza, o que é ridículo. Esse provavelmente não é o caso de Harold, mas é quase uma certeza dentro da retórica criacionista.
Voltando a questão em si, pesquisas em genômica (assim como outras 'ômicas’, como a transcriptômica, proteômica, metabolômica e interatômica etc), genômica comparativa, bioinformática, biologia de sistemas, genética evolutiva, genética dos desenvolvimento, evo-devo e paleobiologia avançaram muito nas últimas duas ou três décadas, inclusive na explicação da evolução de sistemas de sinalização, regulação gênica, e outras redes intracelulares, e no surgimento de inovações morfológicas e desenvolvimentais.
Existem tanto propostas gerais como específicas para explicar a evolução de vários desses sistemas biomoleculares e redes de interações que controlam as células. Claro, ainda temos muitas dúvidas mesmo por que é muito difícil estudar essas questões. Dado a complexidade dos problemas, muitas dessas hipóteses e modelos, com o tempo, se mostrarão incorretas ou apenas parcialmente adequadas e novas terão que substituí-las ou complementá-las. Mas o programa de pesquisa em si, o campo de estudo representado pela biologia evolutiva, avança a medida que novas ideias são propostas e testadas e mais evidências são coletadas.
Em resposta recente abordei a questão de forma mais ampla ao tratar dos usos e abusos do conceito de 'informação’ e discuti vários dos mecanismos envolvidos na geração de complexidade genômica, proteômica e regulatória. Nessa resposta são dadas várias referências sobre o assunto, inclusive posts do nosso site evolucionismo.org em que tratamos de questões correlatas. Além delas, recomendo um post do evolucionismo.org sobre a transferência horizontal em que são discutidas em que situações novos genes podem ser melhor acomodados e integrados em novos genomas.
Em resumo, vários casos de evolução deste tipo de sistemas são conhecidos, muitos dos mecanismos de origem da variação crucial são muito bem documentados; existem evidências das várias etapas do processo na forma de pseudogenes em regiões adjacentes e outras marcas moleculares da história desses genes, além de serem conhecidos sistemas de regulação com um padrão intermediário de organização em outras espécies. Por fim, as circunstâncias da evolução desses sistemas têm sido modeladas usando ferramentas da genética de populações e de análise filogenética.
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Wang W, Zhang J, Alvarez C, Llopart A, Long M. The origin of the Jingwei gene and the complex modular structure of its parental gene, yellow emperor, in Drosophila melanogaster. Mol Biol Evol. 2000 Sep;17(9):1294-301. PubMed PMID: 10958846.
Chandrasekaran , C. & Betrán , E. (2008) Origins of new genes and pseudogenes . Nature Education 1(1)
Abraços,
Rodrigo