Multicelularidade com uma ajudinha das bactérias?
Os coanoflagelados (Choanoflagellata, a, b, c, d) são um grupo de pequenos eucariontes unicelulares que possuem uma morfologia bem distintiva: um corpo celular ovalado, ou mais para o esférico, que varia entre 3 e 10 um de diâmetro, possuindo um único flagelo apical, cuja base é rodeada por uma franja de algumas dezenas de microvilosidades entre 30 e 40. Porém, o fato sobre os coanoflagelados que mais chama a atenção é sua afinidade com os animais*, sendo considerado por muitos pesquisadores, em função de estudos filogenéticos, o grupo de eucariontes unicelulares mais próximo aos animais (‘grupo irmão’), o que o coloca em uma posição sui generis como alvo de interesse dos biólogos evolutivos especialmente aqueles interessados em compreender as origens evolutivas da multicelularidade [2].
A primeira pista da afinidade entre animais e coanoflagelados foi a incrível semelhança entre esses seres e uma célula especializada das esponjas, os coanócitos [veja figura abaixo retirada daqui], que foi percebida por cientistas ainda no século XIX e que levou a esta hipótese que vem sendo sistematicamente corroborada por vários estudos, inclusive com a detecção de genes associados a síntese de proteínas adesivas homólogas as dos tecidos animais essenciais para a evolução da multicelularidade. Outro aspecto importante dos coanoflagelados é sua capacidade de formar colônias e não por simples agregação como fazem alguns grupos de linhagens eucariontes que teriam evoluído de maneira independente este tipo de multicelularidade rudimentar. Diferentemente dessas linhagens os coanoflagelados formam colônias ao não se separarem das células das quais se dividiram, a semelhança de animais, plantas e fungos. Assim algumas espécies, como as dos gêneros Proterospongia formam aglomerados planctônicos que se assemelham a um ‘cacho de uvas’ em miniatura nos quais cada célula na colônia é flagelada ou então formam grupos de células a partir de um único ‘caule’.
Agora um novo artigo, que está para ser publicado em uma nova revista de acesso livre eLife [3] que relata os resultados de estudo conduzido pelo grupo do laboratório de Nicole King, traz novas informações que sugerem uma modulação ambiental para a origem da multicelularidade [3]. Tudo começou de forma um tanto inesperada no laboratório de Nicole King, em Berkeley, após o tratamento com antibióticos feito com o intuito de evitar que uma amostra de coanoflagelados da espécie Salpingoeca rosetta fosse suplantada por bactérias. Foi quando os cientistas perceberam que junto com as bactérias havia se ido também a habilidade dos coanoflagelados mantidos por King formarem as chamadas ‘rosetas’, as pequenas massas coloniais formadas por estes flagelados específicos [1, 3].
O grupo de pesquisadores começou a suspeitar que as bactérias tivessem um papel na formação das rosetas e, para testar esta hipótese, foram testadas 60 cepas de bactérias que estavam originalmente associadas àquela amostra de coanoflagelados, o que teve como consequência a descoberta de uma única cepa que conseguia devolver aos flagelados a habilidade de manter a adesão após a divisão celular.
A bactéria responsável é da espécie Algoriphagus machipongonensis, uma presa que Salpingoeca, pertencente ao filo Bacteroidetes. No artigo, cuja primeira autora é a pesquisadora Rosie Alegado, pós-doutorando de King, os autores mostraram que o responsável pelo processo é um pequeno sufonolipídeo, por eles batizado de ‘fator indutor de roseta 1’ (RIF-1), produzido pela bactéria Algoriphagus machipongonensis e que se assemelha um pouco a outros compostos conhecidos como esfingolipídeos que desempenham papéis importantes na transmissão de sinais em plantas, animais e fungos. Este composto tem alta potência, uma vez que bastam concentrações na ordem de fentomolares (i.e. cerca de 10-15 M) de RIF-1 para que S. rosetta responda, o que pode ocorrer, aliás, através de uma ampla gama de concentrações, variando em nove ordens de magnitude.
Embora não saibamos se algo parecido possa realmente ter estado associado as origens da multicelularidade em nossa linhagem, este estudo pelo menos nos fornece o que pensar e, pela primeira, vez temos um exemplo prototípico de sulfonolipídeos bacterianos desencadeando alterações morfogenéticas em eucariontes, sugerindo um mecanismo molecular potencial através do qual as bactérias poderiam ter contribuído para a evolução dos animais [3].
____________________________________
Literatura Recomendada:
Dunning, Hayley Bacteria Breed Multicellularity? News & Opinion The Scientist August 15, 2012
Baldauf, S. L. (2008). “Molecular phylogeny of choanoflagellates, the sister group to Metazoa”. PNAS 105 (43): 16641–16646. doi:10.1073/pnas.0801667105. PMC 2575473. PMID 18922774.
Alegado RA*, Brown LW*, Cao S, Dermenjian RK, Zuzow R, Fairclough SR, Clardy J§ and King N§ (2012) Bacterial regulation of colony development in the closest living relatives of animals. eLife. In press. Alegado_2012_eLife_preprint
<Grande abraço,
<Rodrigo