O dilema de Darwin: a odisséia da evolução
por Stephen Jay Gould

[foto por Kathy Chapman]
A exegese da evolução como conceito ocupou vidas inteiras de milhares de cientistas. Em comparação, o que desenvolvo neste ensaio é algo quase que ridiculamente limitado - apenas uma exegese da palavra em si. Registro como a mudança orgânica veio a chamar-se evolução. É uma história complexa e fascinante em termos de um exercício de detecção etimológica de puro antiquário. Mas não é apenas isso, já que o uso anterior dessa palavra contribuiu para o mais comum e corrente mal-entendido existente entre os leigos sobre o que os cientistas querem dizer com evolução.
Para começar, um paradoxo: Darwin, Lamarck e Haeckel - os maiores evolucionistas do século XIX, da Inglaterra, França e Alemanha, respectivamente - não usaram "evolução" nas edições originais de seus trabalhos mais importantes. Darwin falou em "descendência com modificação", Lamarck de "transformismo". Haeckel preferiu a "Teoria das Transmutações" ou "Descendez-Theorie". Por que eles não usaram "evolução", e como foi que a mudança orgânica adquiriu seu nome atual?
Darwin evitava usar o termo "evolução" para descrever sua teoria por duas razões. Para começar, no seu tempo, o termo já tinha um significado técnico em biologia. Na verdade, cobria uma teoria embriológica que não podia adequar-se à opinião de Darwin sobre o desenvolvimento orgânico.
Em 1744, o biólogo alemão Albrecht von Haller havia cunhado o termo "evolução" para descrever a teoria de que os embriões cresciam de homúnculos pré-formados, contidos no óvulo ou no esperma (e de que, por mais fantástico que possa parecer hoje em dia, todas as gerações futuras haviam sido criadas nos ovários de Eva ou nos testículos de Adão, encerradas, como bonequinhas russas, uma dentro da outra - um homúnculo em cada ovócito de Eva, um homúnculo menorzinho em cada óvulo do homúnculo anterior, e assim por diante). Essa teoria da evolução (ou pré-formação) foi combatida pelos epigenesistas, que acreditavam que a complexidade da forma adulta surgira de um ovo sem forma (para uma melhor explicação do debate, veja o ensaio 25 [de Darwin e os Grandes Enigmas da Vida]). Haller escolheu o termo cuidadosamente, porque a palavra latina evolvere significa "desenrolar"; na verdade, os minúsculos homúnculos simplesmente desdobravam-se de seus apertados aposentos e punham-se a crescer de tamanho durante seu desenvolvimento embrionário.
Assim sendo, a evolução embriológica de Haller parecia excluir a descendência com modificação de Darwin. Se a história toda da raça humana se achava pré-embalada nos ovários de Eva, como poderia a força natural da seleção (ou qualquer outra força, aliás) alterar o curso preordenado de nossa passagem pela Terra?
Nosso mistério parece apenas agravar-se. Como pôde o termo usado por Haller transformar-se em algo de sentido praticamente oposto? Isso só foi possível por estar a teoria de Haller às portas da morte por volta de 1859; com seu desaparecimento, o termo que Haller usara ficou disponível para outros propósitos.
O termo "evolução", no sentido de uma descrição da "descendência com modificação" de Darwin, não foi tomado emprestado de uma significação técnica prévia; foi, isso sim, desapropriado do vernáculo. No tempo de Darwin, tinha-se tornado um termo comum em inglês, com significado muito diverso do sentido técnico que lhe emprestara Haller. O Oxford English Dictionary localiza-o no poema de H. More, de 1647: "Evolution of outward forms spread in the world's vast spright [spirit]" ("A evolução de formas exteriores espalhou-se no vasto espírito do mundo"). Mas este era um "desenrolar" de sentido muito diferente daquele de Haller. Nele estava implícito "o aparecimento, em sucessão ordenada, de uma longa série de eventos", e, mais importante, corporificava um conceito de desenvolvimento progressivo - um desdobramento ordenado do mais simples para o mais complexo. No mesmo dicionário ainda consta "Processo de desenvolvimento de um estado rudimentar para outro mais completo ou maduro". Portanto, no vernáculo, "evolução" era uma palavra firmemente ligada ao conceito de progresso.
Darwin chegou a usar "evoluir", no sentido vernacular - na verdade é a última palavra de seu livro.
"Existe uma grandeza nessa visão de mundo, com seus vários poderes, tendo sido originalmente insuflados em poucas formas, ou em apenas uma; enquanto este planeta continuou girando segundo as leis da gravidade, desde o mais simples começo, infindáveis formas, as mais belas e mais maravilhosas, evoluíram ou estão evoluindo."
Darwin escolheu-a para esta passagem porque quis constrastar o fluxo do desenvolvimento orgânico com a fixidez de leis físicas como a gravidade. Mas era uma palavra por ele usada raramente, já que Darwin rejeitava explicitamente equacionar o que agora chamamos de evolução com qualquer noção de progresso.
Num famoso epigrama, Darwin faz uma recomendação a si próprio, para não dizer jamais "superior" ou "inferior" ao descrever a estrutura dos organismos - porque, se uma ameba está tão bem adaptada a seu meio ambiente quanto nós ao nosso, quem pode dizer que somos nós as criaturas superiores? Assim, Darwin evitava chamar de evolução a descrição de sua descendência com modificação, tanto por seu significado técnico ir contra as crenças que defendia, quanto por não se sentir à vontade com a noção de progresso, inerente a seu sentido vernáculo.
A palavra evolução entrou na língua inglesa como sinônimo de "descendência com modificação" através da propaganda de Herbert Spencer, aquele incansável vitoriano, doutor em quase tudo. Evolução, para Spencer, era a lei máxima de todo desenvolvimento. E, para um perfeccionista vitoriano, que outro princípio poderia reger os processos de desenvolvimento do universo senão o progresso? Assim, Spencer definiu a lei universal em seu First Principles (Primeiros Princípios) de 1862: "Evolução é uma integração da matéria e concomitante dissipação de movimento durante a qual a matéria passa de uma homogeneidade indefinida, incoerente, a uma heterogeneidade coerente".
Dois outros aspectos do trabalho de Spencer contribuíram para a atual acepção da palavra. Primeiro, ao escrever o popular Principles of Biology (Princípios de Biologia), 1864-67, Spencer usou constantemente "evolução" para descrever a mudança orgânica. Segundo, não via o progresso como uma capacidade intrínseca da matéria, mas sim como o resultado de uma "cooperação" entre forças (ambientais) externas e internas. Esse ponto de vista se enquadra muito bem na maior parte dos conceitos do século XIX sobre a evolução orgânica, uma vez que os cientistas vitorianos equacionavam facilmente mudança orgânica com progresso orgânico. Portanto, o termo estava à disposição quando muitos cientistas precisaram de uma palavra mais sucinta para a descendência com modificação de Darwin. E, uma vez que a maioria dos evolucionistas encarava a mudança orgânica como um processo voltado para o aumento de complexidade (isto é, para nós), a apropriação do termo usado de maneira geral por Spencer não causou danos à definição.
Ironicamente, porém, o pai da teoria evolucionista permaneceu praticamente sozinho, insistindo em que a mudança orgânica conduz apenas a uma maior adaptação entre os organismos e seu meio ambiente, e não a um ideal abstrato de progresso, definido por sua complexidade estrutural ou crescente heterogeneidade - nunca diga superior ou inferior. Se tivéssemos seguido os conselhos de Darwin, teríamos evitado a enorme confusão e os mal-entendidos atualmente reinantes entre cientistas e leigos. Isso porque a visão de Darwin triunfou entre os cientistas, que abandonaram, há muito, o conceito de laços necessários entre evolução e progresso, como sendo um dos piores preconceitos antropocêntricos imagináveis. Mesmo assim, a maioria dos leigos equaciona evolução com progresso, e define a evolução humana não como uma mudança apenas, mas em termos de maior inteligência, maior altura, ou qualquer outra medida de hipotética melhoria.
No que pode perfeitamente vir a ser o mais divulgado documento anti-evolucionista dos tempos modernos, o panfleto da seita Testemunhas de Jeová, Did Man Get Here by Evolution or by Creation? (Como o Homem Chegou até aqui: pela Evolução ou pela Criação?), proclama: "A evolução, em termos muito simples, quer dizer que a vida progrediu de organismos unicelulares até seu estado mais alto, o ser humano, através de uma série de mudanças biológicas ocorridas durante milhões de anos... Mera mudança dentro de um tipo básico de ser vivo não deve ser considerada evolução".
Esta equação falaciosa entre evolução orgânica e progresso continua tendo consequências nefastas. Historicamente, gerou os abusos do Darwinismo Social (a respeito do qual o próprio Darwin nutria suspeitas). Essa desacreditada teoria classificava grupos e culturas humanas de acordo com seu suposto nível de conquistas evolutivas, colocando (o que não é de surpreender) os europeus brancos no topo e os habitantes das colônias conquistadas na base da pirâmide. Hoje em dia, permanece como componente primordial de nossa arrogância global, de nossa crença no domínio, não na convivência, com mais de um milhão de outras espécies que habitam nosso planeta. Já está escrito, porém, e não há mais nada que se possa fazer. Ainda assim, é uma pena que os cientistas tenham contribuído para um mal-entendimento fundamental, ao escolher uma palavra com um sentido de progresso para descrever a menos eufônica, mas mais acurada, "descendência com modificação" de Darwin.
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Retirado de Gould (1987): Darwin e os Grandes Enigmas da Vida