O fóssil “Ida” e a nossa história evolutiva
A fascinante busca pelas origens humanas parece estar diante de mais um capítulo: a descoberta do fóssil “Ida”, uma jovem fêmea de primata que viveu há 47 milhões de anos e que vem sendo chamada por alguns de “o elo perdido”. Encontrado por um caçador de fósseis amador em 1983 no sítio fossilífero de Messel, distrito de Darmstadt-Dieburg, Alemanha, ele foi negociado há dois anos por um revendedor de fósseis com o paleontólogo norueguês Jørn Hurum, do Museu de História Natural da Universidade de Oslo, Noruega. Desde então, uma equipe de especialistas liderada pelo próprio Hurum vem estudando o fóssil. Incrivelmente completo, devido a condições excepcionais, ele apresenta 95% do esqueleto preservado, bem como pêlos e evidências do conteúdo estomacal. Esse fato permitiu uma investigação detalhada de sua morfologia, de sua locomoção e de seus hábitos alimentares. Técnicas de radiografia foram fundamentais para o trabalho, pois neste caso não era possível a análise individual de ossos. O fóssil e os resultados do estudo foram apresentados no Museu Americano de História Natural de Nova York, Estados Unidos, por David Attenborough, em 19 de maio último, e causou sensação mundo afora. “Ida”, segundo o estudo, pertence a um novo gênero e à espécie formalmente designada Darwinius masillae, nomeada em homenagem ao bicentenário do nascimento de Charles Darwin, comemorado em 2009. Foram feitas a reconstrução de sua morfologia e da sua história de vida, e os pesquisadores concluíram que se trata de uma espécie pertencente ao grupo ancestral do qual todos os macacos, os apes (grandes macacos africanos) e os homens descendem, constituindo o grupo dos haplorrhinos. A localidade onde a espécie viveu era um tipo de floresta tropical na época Eoceno do período geológico Paleogeno (entre 55,8 e 33,9 milhões de anos atrás, aproximadamente). Interessante notar que a localidade encontra-se na Europa, e não se sabia anteriormente ao certo onde e quando a linhagem ancestral teria dado origem ao grupo em questão. O estudo permitiu entender como devem ter vivido espécies ancestrais pertencentes à linhagem basal do grupo filogenético dos haplorrhinos – ele compartilha mais características com estes do que com espécies da linhagem de lêmures e seus parentes, os strepsirrhinos. E não apenas isso. Indícios de localidade geográfica de diferenciação e diversificação do grupo destes ancestrais puderam ser elucidados. Esse fóssil é de especial importância para a ciência por se tratar de um indivíduo excepcionalmente bem preservado – as condições ambientais de florestas normalmente não são propícias à fossilização como a apresentada. Em geral ocorre rápida decomposição, mas “Ida” teve uma história única que contrariou esse padrão. Sua morte ocorreu às margens de uma lagoa vulcânica, em Messel. Os estudos com esse espécime fóssil podem ter implicações profundas para o estudo da ordem dos primatas, grupo do qual somos integrantes. A espécie pode ser nosso ancestral remoto, ou parente próximo deste, mas certamente também o é para outros grupos dentre primatas. A fascinação da humanidade pelo “elo perdido” existe há muito tempo e este seria mais um capítulo. Contudo, a denominação “elo” pode não ser adequada. Poderíamos pensar de forma diferente, como se a história evolutiva das espécies fosse um quebra-cabeça onde faltam peças – assim é a história recuperada a partir de fósseis. Nesse contexto, a espécie Darwinius masillae poderia ser considerada uma peça muitíssimo importante dentro do quebra-cabeça de relações de parentesco dentre espécies de primatas. Certamente teremos, no futuro, a adição de novas peças, novas descobertas – talvez não tão fantásticas quanto esta, mas que certamente contribuirão para o aprimoramento dos detalhes sobre a história evolutiva do grupo e, consequentemente, uma melhor compreensão desta. *** Publicado previamente na página da UnB (Universidade de Brasília - DF)