Perguntas e respostas do Formspring:
Começamos hoje a trazer de volta (com algumas revisões e, sempre que possível, atualizações perguntas e respostas publicadas em nossa antiga página do formspring)
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É possível extrair material genético, vasos sanguíneos, células (possivelmente com núcleos) e a matriz extracelular dos ossos de fósseis de dinossauros como o T-Rex ou o hadrossauro? Refiro-me aos estudos como da Dra Mary H. Schweitzer et al e outros [Link]. (perguntado por Anônimo)
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Em princípio sim, mas ainda existem algumas dúvidas, sobretudo em relação a alegação de recuperação de restos de células e vasos sanguíneos, oriundos de fósseis com dezenas de milhões de anos. Desde 2005, quando foi anunciada a descoberta de restos de tecido biológico ‘intactos’ em amostras fósseis com milhões de anos de idade, uma controvérsia se instalou na comunidade científica, com alguns cientistas alegando que tais amostras poderiam ser, simplesmente, o resultado de contaminação posterior. Ainda não temos um veredito final sobre a questão (se é que isso é possível em ciência), mas alguns dos achados originais parecem ser muito robustos.
O que começou esta polêmica foi a descoberta de estruturas que seriam supostamente partes das paredes dos vasos originais e restos de células do próprio animal fossilizado. Tudo isso em um fóssil de um T. rex de 68 milhões de anos atrás. No ano passado, na revista Science, a mesma equipe que havia relatado as descobertas anteriores, relatou encontrar mais tecidos orgânicos em outro fóssil, desta vez, proveniente de um Hadrossauro de 80 milhões de anos da espécie Brachylophosaurus canadensis. Porém, neste meio tempo, no ano 2008 (do PLoS One), o material fossilizado que aparentemente seria formado por restos de tecidos vasculares, foi re-interpretado, por um outro grupo independente, como sendo produtos de biofilmes bacterianos, aumentando ainda mais controvérsia.
É importante lembrar que em muitos fósseis certas moléculas como o carbonato de cálcio, das conchas, e o hidróxido de apatita, dos ossos originais, ainda estão presentes nos fósseis. O problema é com biomoléculas mais frágeis, como proteínas, ácidos nucleicos etc, que, em amostras tão antigas com as de dinossauros - mesmo que estas sejam formadas em circunstâncias anóxicas como é típico dos processos de fossilização, teriam sido, muito provavelmente, degradas há muito tempo. Pelo menos, a menos que eventos fenômenos muito específicos conseguissem isolar alguns fragmentos celulares protegendo-os das intemperes e da ação de microrganismos.
Contudo, em restos mais recentes, nos quais existe uma maior abundância de material, como é o caso dos restos de Neandertais, estes achados são muito menos controversos, já que o grau de controle é bem maior, e tem sido cada vez mais aceitos pela comunidade científica.
Claro, existem diferenças em relação a estabilidade e durabilidade dos diferentes compostos orgânicos. Por exemplo, enquanto o DNA rapidamente se fragmenta (e o problema é achar fragmentos suficientemente grandes para serem informativos), as proteínas, em algumas condições, podem ser estabilizadas e durar bastante bem mais tempo, o que por exemplo poderia acontecer com a matriz colágena que está na base dos tecidos moles dos animais*.
De fato, tudo indica que o grupo de Schweitzer conseguiu isolar proteínas de colágeno do T. rex e de um fóssil de mastodonte e, após, sequenciá-las, notaram que a sequência de aminoácidos do colágeno do mastodonte era muito mais próximas das dos elefantes modernos, enquanto o colágeno dos restos do T. rex era muito semelhante ao das aves modernas, os seus parentes vivos mais próximos, sendo estes achados completamente coerentes com o que sabemos. Este é ainda o achado mais forte que o grupo trouxe em seu artigo de 2005 e ainda não foi refutado, permanece extremante sugestivo.
Em contrapartida, o artigo de 2008, levantou a possibilidade de que os túbulos ramificados e os glóbulos encontrados nos fósseis de T. rex sejam, apenas, biofilmes bacterianos, como sugerido pela análise espectroscópica. Algumas das amostras analisadas em 2008, datadas por radiocarbono, sugerem, inclusive, que estas estruturas teriam poucas décadas de idade, mas isso ainda é bastante discutível e o mais provável, parece ser, que os biofilmes datariam do começo do processo de diagênese, milhões de anos atrás. Porém, mesmo se aceitarmos as análises deste artigo, seus resultados não explicam as moléculas de colágeno isoladas e, muito menos, os padrões de semelhança absolutamente consistentes com as filogenias moleculares modernas.
Mesmo assim, antes de termos mais confiança neste tipo de descoberta é preciso eliminar, o máximo possível, a possibilidade de contaminação ou outros tipos de artefatos. Neste trabalho de 2009, e em outros mais recentes do grupo de Schwetzer, buscou levantar objeções contra a interpretação dos biofilmes e, além disso, aduzir outros argumentos e mostrar linhas de evidência complementares para corroborar a interpretação de que os restos são sim tecidos biológicos de dinossauros.
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*O interessante é que algumas moléculas orgânicas, como certos ácidos graxos, são habitualmente utilizados como marcadores de biotas ainda mais antigas por que são incrivelmente resistentes. A chamada paleontologia molecular utiliza-se destes tipo de bio-marcadores orgânicos, juntamente com outros bio-marcadores inorgânicos (como certos isótopos tipicamente concentrados por seres vivos), como indicadores de atividade biogênica e até mesmo das circunstâncias paleoecológicas de períodos muito remotos.
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Literatura Recomendada:
Hurd, Gary S. [Posted: May 20, 2005] Dino Blood Redux The TalkingOrigin Archive, acessado em 22/12/2010.
Kaye TG, Gaugler G, Sawlowicz Z. Dinosaurian soft tissues interpreted as bacterial biofilms. PLoS One. 2008 Jul 30;3(7):e2808. PubMed PMID: 18665236;PubMed Central PMCID: PMC2483347.
Marota I, Rollo F. Molecular paleontology. Cell Mol Life Sci. 2002 Jan;59(1):97-111. Review. PubMed PMID: 11846037.
Schweitzer MH, Zheng W, Organ CL, Avci R, Suo Z, Freimark LM, Lebleu VS, Duncan MB, Vander Heiden MG, Neveu JM, Lane WS, Cottrell JS, Horner JR, Cantley LC, Kalluri R, Asara JM. Biomolecular characterization and protein sequences of the Campanian hadrosaur B. canadensis. Science. 2009 May 1;324(5927):626-31. PubMed PMID: 19407199.
Service RF. Paleontology. 'Protein’ in 80-million-year-old fossil bolsters controversial T. rex claim. Science. 2009 May 1;324(5927):578. PubMed PMID:19407170.
Carl Zimmer resume as opiniões de alguns especialistas sobre o artigo de 2008 que propõem que os túbulos e glóbulos encontrados seriam provenientes de biofilmes bacterianos relativamente recentes. As opiniões se dividem e mostram como certas questões metodológicas são complicadas e muito importantes de serem bem compreendidas antes que possamos tirar conclusões mais sólidas.
Zimmer, Carl [August 1st, 2008 ] Slime versus dinosaur Blogs/, The Loom, acessado em acessado em 22/12/2010.
Zimmer C. Paleontology. Is dinosaur 'soft tissue’ really slime? Science. 2008 Aug 1;321(5889):623. PubMed PMID: 18669828.
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Atualizado em 26/11/2013:
Um estudo recente pesquisadores estimaram que a meia-vida das moléculas de DNA estaria por volta de 521 anos, o que significa que, depois de 521 anos, metade das ligações entre os nucleotídeos teriam sido rompidas. Assim, de acordo com os pesquisadores, mesmo que o material estivesse presente em um osso em uma temperatura ideal de preservação, ou seja, algo em torno de - 5 ºC, todas ligações efetivas já teriam sido destruída em um máximo de 6,8 milhões de anos. Claro, bem antes disso, o DNA deixaria de ser legível, talvez, em menos de 1,5 milhões de anos quando os segmentos restantes seriam pequenos demais para que pudéssemos obter qualquer informação significativa a partir deles. Esses resultados, portanto, tornam tremendamente improvável que recuperemos DNA de restos fósseis de organismos mortos há mais de alguns milhões de anos, mas são consistentes com os achados de paleogenética antropológica moderna (como os dos Neandertais e Denisovanos) e nos dão esperanças de encontrarmos DNA preservado, de espécimens de homininas extintos ainda mais antigos dos atualmente conhecidos, do qual poderemos ainda obter informações preciosas sobre a evolução de nossa linhagem.
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Referências:
Kaplan, Matt DNA has a 521-year half-life: Genetic material can’t be recovered from dinosaurs — but it lasts longer than thought. Nature 10 October 2012 doi:10.1038/nature.2012.11555.
Allentoft ME, Collins M, Harker D, Haile J, Oskam CL, Hale ML, Campos PF, Samaniego JA, Gilbert MT, Willerslev E, Zhang G, Scofield RP, Holdaway RN, Bunce M. The half-life of DNA in bone: measuring decay kinetics in 158 dated fossils.Proc Biol Sci. 2012 Dec 7;279(1748):4724-33. doi: 10.1098/rspb.2012.1745.
Grande abraço,
Rodrigo