'Protoaranhas' faziam seda, mas não teias
Um aracnídeo sem qualquer talento para tecer teias pode ter excretado a primeira seda de aranha 386 milhões de anos atrás.
por Anna Barnet, em Nature News, 23/12/2008
A protoaranha fossilizada, Permarachne novokshonovi.PNAS
Cientistas descobriram que a mais antiga seda de aranha que se tem notícia era aparentemente feita por aracnídeos antigos que não eram realmente aranhas, e não tinham o equipamento para tecer teias. Essas protoaranhas podem ter usado camadas de seda para delimitar tocas, embalar ovos ou até para fazer sexo.
O achado reformula o conhecimento sobre a espécie que os paleontólogos antes viam como a aranha mais antiga, Attercopus fimbriunguis. A espécie foi descrita com base em restos de cutícula fossilizada encontrados dentro de rochas de um folhelho de 386 milhões de anos originário do estado de Nova York. Entre esses restos, havia o que parecia ser uma fieira, o apêndice habilidosamente usado pelas aranhas para moldar a seda em teias e outras estruturas.¹
Mais fragmentos de Attercopus foram achados em Nova York durante os anos noventa, mas os pesquisadores precisaram estudar as amostras por anos antes que novas características começassem a aparecer, diz o paleontologista Paul Selden, da Universidade do Kansas em Lawrence. "É parecido com tentar resolver um quebra-cabeças com apenas metade das peças e sem a foto na caixa," diz ele.
Selden por fim percebeu que a criatura não tinha uma fieira. Os pelinhos ocos que excretam seda, chamados spigots, estão dispostos em fila dupla sobre placas ao longo do abdômen do Attercopus, e o que tinha sido identificado como uma fieira era na verdade uma placa dobrada.
Sem fieiras, as criaturas não poderiam ter controlado precisamente a seda que produziam. "Seria muito menos manobrável", diz Selden. Possivelmente, ele diz, a seda saía de seu ventre em lâminas enquanto andavam. Lâminas de seda poderiam ter sido usadas para reforçar as paredes arenosas das tocas, ou para fazer uma "trilha de farelo de pão" para ajudar as 'aranhas' a encontrar o caminho de volta para casa depois de caçar.
Hoje, as aranhas fêmeas embalam seus ovos em seda, e os machos ativos para cópula depositam o esperma em uma estrutura de seda chamada teia espermática. Attercopus deve ter feito o mesmo, diz Selden. Ele e seus colaboradores relatam sua descoberta no Proceedings of the National Academy of Sciences dos EUA.²
Fiando uma cauda
Outra surpresa é que essa espécie, diferente de qualquer aranha digna do nome, tem uma cauda. Attercopus mede cerca de 5 milímetros em comprimento, e 'caudas' de 1 milímetro, ou flagelos, foram encontrados entre o primeiro conjunto de fragmentos. Pensou-se que estes pertenciam a outras espécies que morreram por perto. Agora os pesquisadores encontraram um flagelo anexo à terminação posterior do animal, como acontece num grupo de aracnídeos modernos chamados escorpiões-vinagre (Uropygi).
Essa imagem, com cerca de 0,25mm, mostra um fio do que parece ser seda emergindo de um spigot de Attercopus. Pode ser o fio de seda mais antigo que se conhece no registro fóssil, com cerca de 380 milhões de anos. Selden et al. / PNAS
"O que deu certo," diz Selden, "foi que eu olhei isso denovo, e Permarachne apareceu." Permarachne novokshonovi, descrito em 2005, é um fóssil quase intacto similar a uma aranha com uma cauda notável.
Juntando Permarachne e Attercopus, "a ideia de uma aranha com cauda fazia mais sentido", diz Selden. Os pesquisadores acreditam que esses organismos vem de uma ordem antes desconhecida de protoaranhas, chamada Uraraneida, que é parte de um ramo evolutivo separado das verdadeiras aranhas.
A criação de uma nova ordem taxonômica é rara, diz o expert em aracnídeos Jeffrey Schultz na Universidade de Maryland em College Park.E porque as aranhas são predadores fundamentais em muitos ecossistemas, a descrição desses antigos parentes é muito importante, ele acrescenta. Poderia ajudar cientistas a descobrir mais sobre os ancestrais das aranhas: "A origem das aranhas e a evolução da seda das aranhas são provavelmente grandes eventos na história da vida," diz.
Selden diz que as descobertas mudam a definição das aranhas, anteriormente identificadas como aracnídeos que produzem seda em seus abdômens. Já que protoaranhas também se encaixam nessa descrição, as aranhas modernas devem ser descritas mais corretamente como aquelas que usam fieiras e não têm uma cauda, diz ele.
As evidências acumuladas apóiam essa reformulação, diz Selden. "Você continua querendo mais material. Você continua esperando aquela parte crucial. Mas agora nós achamos que conseguimos o suficiente de partes cruciais."
Referências
Shear, W. A. , Palmer, J. M. , Coddington, J. A. & Bonamo, P. M. Science 246, 479–481 (1989).
Selden, P. A. , Shear, W. A. & Sutton, M. D. Proc. Natl Acad. Sci USA 105, 20781–20785 (2008).