Quando Não Havia os Genes Hox
Pode parecer ridículo, mas eu estudei numa época em que a última palavra de modernidade em termos de biologia evolutiva era a teoria de Haeckel, aquela famosa que afirmava que "a ontogenia recapitula a filogenia". E olha que não sou tão velho assim, nasci em 1967 e me graduei em 1990. Considerando que a metodologia da Sistemática Filogenética proposta em 1950 por Willy Henning (1913-1973) só teve ampla divulgação depois de traduzida do alemão para o inglês em 1965. E que aqui no Brasil essa metodologia foi introduzida mais de 10 anos depois, nos cursos de pós graduação em Sistemática e Taxonomia e levou cerca de 20 anos para chegar aos cursos de graduação e mais de 10 anos para chegar ao ensino médio. Vendo por este lado, até que tive uma formação bem "atualizada".
Para quem nunca ouviu falar em Haeckel e nem em sua teoria esclareço: o zoólogo alemão Ernst Haeckel (1834-1919) foi o responsável pela frase "a ontogenia recapitula a filogenia", a qual data de uma publicação do Quaterly Journal of Microscopical Science de 1872 (foi Haeckel quem inventou os termos "ontogenia"e "filogenia", além do hoje familiar "ecologia"). Haeckel denominou esse processo de "lei biogenética". [A Ontogenia Recapitula a Filogenia]
A versão de Haeckel, com uma visão verdadeiramente mais evolucionária, foi inspirada, é claro, na Origem das Espécies (1859), de Darwin, traduzida para o alemão em 1860 [A Ontogenia Recapitula a Filogenia].
A teoria de Haeckel trouxe consigo a antiga questão de como os organismos tomam forma. Como assinalou Aristóteles, os embriões dos animais parecem virtualmente informes, no início. Ele estava inclinado a acreditar que o crescimento ocorre em três estágios distintos, durante cada um dos quais uma nova forma é impressa a partir do exterior no embrião.
Haeckel estava tão convencido de sua Lei Biogenética que ele estava disposto a forjar evidências que a confirmassem. A verdade é que o desenvolvimento dos embriões não se encaixa no progresso estrito que Haeckel alegava. Equidnas, por exemplo, desenvolvem seus membros muito depois da maioria dos mamíferos. Mas em suas ilustrações de embriões de equidnas, Haeckel enganosamente omitiu membros nos primeiros estágios de formação, apesar do fato que esses membros em formação existissem naquele estágio de desenvolvimento. Na própria época de Haeckel, alguns biólogos perceberam seu truque, contudo a Lei Biogenética se tornou muito popular e ilustrações de Haeckel ainda encontraram seu caminho em livros de biologia.[Evolução e Desenvolvimento primitivos: Ernst Haeckel (1/2)]
“Se fosse estritamente verdadeira, a ideia de que a ontogenia recapitula a filogenia prediria, por exemplo, que no curso do desenvolvimento da galinha, ela passaria pelos seguintes estágios: um organismo unicelular, um ancestral invertebrado multicelular, um peixe, um réptil similar ao lagarto, um pássaro ancestral e, finalmente, um pintinho.” [Ontogenia e Filogenia]
“Esse claramente não é o caso – um fato reconhecido por muitos cientistas mesmo quando a ideia da ontogenia recapitulando a filogenia foi introduzida. Se observarmos o desenvolvimento de uma galinha, você verá que o embrião da galinha pode parecer com os embriões de répteis e peixes em algum ponto de seu desenvolvimento, mas ele não recapitula as formas de seus ancestrais adultos.”[Ontogenia e Filogenia]
Mesmo em uma escala menor, a teoria de Haeckel é geralmente, falha:
“Por exemplo, o axolote evoluiu de uma salamandra ancestral que tinha brânquias internas na fase adulta. Entretanto, o axolote nunca se desenvolve a um estágio com brânquias internas; suas brânquias permanecem externas em uma flagrante violação da ontogenia recapitula a ontogenia.” [Ontogenia e Filogenia]
(Fonte das imagens: Ontogenia e Filogenia )
Se a Lei Biogenética de Haeckel fosse completamente verdadeira, faria com que a construção de filogenias fosse muito mais fácil. Poderíamos estudar o desenvolvimento de um organismo e ler sua história diretamente. Simples assim.
Até então não havia os genes Hox.
Os genes Hox são um subgrupo dos genes Homeobox (conjunto de genes que desenvolvem importante função no desenvolvimento a partir do controle das partes do embrião que se desenvolverão em órgãos e tecidos específicos). Esse subgrupo de genes controla o desenvolvimento e a diferenciação posicional das células no embrião, sendo a sua disposição ao longo do cromossomo, colinear em relação às partes do embrião que os mesmos irão regular [Genes Hox].
Em outras palavras, os genes Hox ajudam a estabelecer a forma básica do corpo de muitos animais, incluindo humanos, moscas e larvas. Eles ajustam a organização da “cabeça aos pés”. Podemos pensar neles como instruções diretas conforme um embrião se desenvolve: “Ponham a cabeça aqui! As pernas vão para lá!”
“Eles são de aplicação geral no sentido de que eles são similares em muitos organismos; não importa se é a cabeça de um rato ou de uma mosca que está sendo construída, o mesmo gene dirige o processo. Pequenas alterações em genes controladores tão poderosos ou alterações nos genes que são ligados por eles, podem representar uma enorme fonte de mudanças evolutivas.” [Genes Hox ]
Atualmente, zoólogos e biólogos evolucionistas têm recorrido ao estudo dos genes Hox para solucionar questões de relacionamentos filogenéticos nos mais variados grupos. Genes Hox codificam fatores de transcrição que definem identidades celulares ao longo dos eixos principais e secundárias do corpo. Sua expressão coordenada no espaço e no tempo é fundamental para a modelagem embrionária. Estudos recentes revelaram que, além de fatores de transcrição, os padrões dinâmicos de marcas de histonas e estrutura da cromatina de ordem superior são importantes determinantes da regulação dos genes Hox [Soshnikova, N., 2013].
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PARA SABER MAIS:
Soshnikova, N. (2013) Hox genes regulation in vertebrates. Dev Dyn. 2013 Jul 5. doi: 10.1002/dvdy.24014.
Véras, R. (2013). O genoma do celacanto e a evolução dos vertebrados terrestres. evolucionismo.org, 21 de abril.
Genes Hox In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Genes_Hox>; Acesso em: 20 out 2013.
Ontogenia e Filogenia em “Entendendo a Evolução”
Genes Hox em “Entendendo a Evolução”
Evolução e Desenvolvimento primitivos: Ernst Haeckel (1/2) em “Entendendo a Evolução”