Quem somos nós e como sabemos quem somos? Parte II
Dando continuidade a série de posts sobre evolução humana, inspirada no artigo de perguntas e respostas do BMC Biology, “Q&A: Who is H. sapiens really, and how do we know?” de Liang & Nielsen (2011), exploramos a segunda pergunta e as respostas para ela dadas pelos autores, com alguns comentários adicionais:
2) “O que é um hominíne arcaico, exatamente?”
Segundo o artigo, os “hominines” (hominin[1]) são os seres humanos e seus ancestrais extintos mais estreitamente relacionados. Em um post no tumblr bioevolutiva, eu havia comentado sobre os seres humanos arcaicos. De acordo com Lewin e Foley (2004), muitos antropólogos concordam que desde cerca de 2 milhões de anos atrás até o aparecimento dos Homo sapiens arcaicos, por volta de 300.000 ou 400.000 anos atrás, a robustez dos sistemas músculo-esqueléticos nossa linhagem aumentou progressivamente antes de finalmente chegar a um platô, diminuindo mais tarde, especialmente nos últimos 10 mil anos. O termo ‘arcaico”, desta maneira, em paleoantropologia é utilizado para incluir linhagens próximas as do Homo sapiens, como Homo heidelbergensis, Homo rhodesiensis, Homo neanderthalensis e, mesmo, Homo antecessor que ainda não possuíam as características mais típicas dos humanos anatomicamente modernos. Esses hominines possuíam crânios mais espessos, testas protusas e faltavam neles um queixo proeminente.
Porém, o termo também pode ser utilizado para fazer distinções entre nossa própria espécie, por exemplo, ao distinguir os Homo sapiens sapiens de variedades mais antigas (portanto, “arcaicas”) de Homo sapiens, como o chamado Homo sapiens idaltu, que seriam, apesar de muito semelhantes aos humanos modernos[2], ainda assim, diferentes dos H. sapiens sapiens em função de uma maior robustez craniofacial, de um maior comprimento antero-posterior do crânio, e da grande distância dos planos glenóide-oclusais; além de se distinguirem dos exemplares ‘tipos’, ou seja de referência, de hominines diferentes contemporâneos a eles, como H. Rhodesiensis, por possuírem uma capacidade craniana maior, bem como uma fronte mais vertical com uma rosto menor, juntamente com uma topografia média facial mais marcada. Contudo, ainda assim, esses restos destes Homo sapiens arcaicos apresentavam muitas características de H. sapiens anatomicamente modernos, como a face plana, com maçãs do rosto proeminentes, porém sem as saliências supraciliares sobressaltadas que caracterizam espécies de hominines antigos como os próprios Neandertais. Além disso, todos estes espécimens exibiam uma caixa craniana mais arredondada em formato de uma bola de futebol que também é bem mais típica de seres humanos modernos, em contraste com os crânios com formato de bolas de futebol americano de ancestrais humanos mais remotos.
Os Denisovanos (e os Neandertais) foram portanto hominines que viveram até cerca 30.000 anos atrás; e, assim como ocorreu com os Neandertais (cujos fósseis foram encontrados pela primeira vez em 1856, no Vale do Neander, região que deu nome a espécie), os Denisovanos, foram batizados a partir do local onde seus restos foram encontrados.
Enquanto, após os primeiros achados no vale de Neander, outros espécimens de H. neadertalensis foram encontrados em uma grande variedade de locais, incluindo o Oriente Médio, Ásia Central além da Europa Ocidental e Central, até o momento, os únicos restos descobertos dos Denisovanos são um osso do dedo e dois dentes descobertos em uma caverna em lugar chamado Denisova, na Sibéria. Com base na análise genética do osso do dedo, Reich et al. (2010) concluiu que os Denisovans representam uma população profundamente divergente distinta de outros Neandertais. Ainda não é claro se os Neandertais e Denisovanos compreendem espécies distintas, e, provavelmente, seria mais uma questão de semântica do que outra coisa e, de qualquer jeito, não poderá ser respondida sem amostras adicionais de restos dos Denisovanos, como afirmam Liang e Nielsen (2011).
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[1]A chamada tribo hominine, em algumas classificações incluiria os chimpanzés e bonobos, neste caso o táxon mais exclusivo dos representantes do gênero Homo - e de alguns de seus ancestrais diretos e ramos colaterais, após a divergência com a linhagens dos chimpanzés - seria a subtribo ‘hominina’ que seria o táxon irmão de ‘panina’, este último incluindo os chimpanzés e bonobos. Estas questões são minucias que não atrapalham o argumento geral e o que foi discutido até o momento. São mais importantes para os profissionais da área que procuram o máximo de precisão em seus sistemas de classificação para que estes reflitam mais acuradamente a estrutura de parentesco e derivação dos grupos estudados.
[2]O Homo sapiens arcaico tinham uma média de tamanho do cérebro entre 1200-1400 centímetros cúbicos, que se sobrepõe com a gama de variação dos seres humanos modernos.
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Referências:
Liang M, Nielsen R. Q&A: who is H. sapiens really, and how do we know? BMC Biol. 2011 Mar 31;9:20. PubMed PMID: 21453556; PubMed Central PMCID: PMC3068989.
Reich D et al. Genetic history of an archaic hominin group from Denisova Cave in Siberia. Nature. 2010 Dec 23;468(7327):1053-60. PubMed PMID: 21179161.
Lewin, R. 1999. Evolução Humana. São Paulo: Atheneu Editora.
Lewin, R., Foley, R.A., Principles of Human Evolution, 2nd Ed., Blackwell Science Ltd, 2004.
White, Tim D.; Asfaw, B.; DeGusta, D.; Gilbert, H.; Richards, G. D.; Suwa, G.; Howell, F. C. (2003), “Pleistocene Homo sapiens from Middle Awash, Ethiopia”, Nature 423 (6491): 742–747, doi:10.1038/nature01669,PMID 12802332
Roach, John (11 de junho de 2003) “Oldest Homo Sapiens Fossils Found, Experts Say” National Geographic News
Wood, B. Human Evolution: A Very Short Introduction.Oxford University Press, New York, 2005. 144 páginas
Créditos das Figuras:
JOHN READER/SCIENCE PHOTO LIBRARY
RIA NOVOSTI/SCIENCE PHOTO LIBRARY
hairymuseummatt [http://en.wikipedia.org/wiki/File:Sapiens_neanderthal_comparison.jpg]