Saturday July 21, 2012
Anonymous: Olá Rodrigo, a tempos não trocamos idéias. Bem, me deparei com uma questão e queria saber sua opinião. Como posso ligar os conceitos de micro e macroevolução com a dinâmica dos ecossistemas? Grato.

Está é uma ótima e pertinente questão, pois as interações ecológicas, e portanto a dinâmica dos ecossistemas, não são apenas o pano de fundo estático sobre o qual ocorre a evolução, mas são parte integrante do próprio fenômeno evolutivo, causas e produtos do mesmo na medida que os indivíduos de uma mesma população, de populações ou mesmo de comunidades distintas interagem entre si e com seus ambientes físicos, como podemos facilmente perceber nas relações entre presas e predadores, parasitas e hospedeiros, competidores intra e interespecíficos, simbiontes, comensais e inquilinos e através das análise das cadeias tróficas, dos processos de bioturbação e dos ciclos biogeoquímicos, e de processos como a disponibilização ou sequestro de nutrientes por organismos vivos etc. Isso torna-se mais óbvio quando compreendemos que processos ditos microevolutivos, do tipo que interessam aos geneticistas de populações, ecologistas genéticos e etologistas etc (como seleção natural e sexual e os cruzamentos preferenciais ou aleatórios, deriva genética aleatória, hibridização, endogamia, fluxo gênico e os vários processos de isolamento reprodutivo que, em conjunto, definem os destinos das variantes genéticas surgidas por mutação e recombinação), são essencialmente frutos da dinâmica ecológica.
Porém, apesar de poder parecer menos óbvio, quando nos debruçamos sobre escalas geográficas e principalmente temporais mais vastas - nos detendo nos padrões de originação, extinção e modificação das linhagens e de ocupação de habitas e preenchimento de novos ou antigos e vagos nichos - é possível também perceber o papel pivotal da dinâmica ecológica de longo prazo e de larga extensão. Embora, certos aspectos da dinâmica ecológica em relação aos eventos macroevolutivos ainda seja muito debatida - mesmo por que a escala de tempo em que tais fenômenos ocorrem escapa a nossas capacidades de investigação experimental direta -, existe um bom acordo sobre a importância de eventos historicamente contingentes sobre os ecossistemas e biomas, particularmente aqueles associados a tectônica de placas, vulcanismos, impactos de asteróides, mudanças nos regimes de circulação atmosférica e de correntes marítimas, bem como as glaciações e os diversos ciclos planetários e solares a eles associados. Estes processos podem desencadear grandes mudanças ecológicas, principalmente os que provocam grandes extinções que podem mudar as regras do jogo ecológico, favorecendo diferentes características e grupos a medida que os ecossistemas se recuperam ou se estabilizam em um novo tipo de ‘equilíbrio’.
Assim, muitos cientistas, especialmente paleontólogos, acreditam que de fato os processos microevolutivos e macroevolutivos possam ser, em um certo nível, 'desacopláveis’, ou seja, existiriam certas características comuns às linhagens como um todo - e não simplesmente aos indivíduos que as compõem, como as estratégias de reprodução e a amplitude de distribuição geográfica, por exemplo - que poderiam resultar em taxas de originação, extinção e longevidade de espécies diferenciais. Portanto a uma dinâmica evolutiva em operando em níveis mais altos das hierarquias biológicas. Essas características, sobretudo, após modificações ambientais mais dramáticas, e particularmente durante a recuperação de grandes eventos de extinção em massa, modificar-se-iam na medida que novas interações entre múltiplas populações, espécies e comunidades, que se dariam em diferentes habitates e em diferentes contextos, fossem se constituindo na sequência dos eventos de desestabilização. Desta maneira, processos como a triagem e a seleção de espécies, para citar dois dos mais discutidos, poderiam ter uma grande importância ao definirem as tendências das biotas por meio dos seus efeitos nas taxas de extinção, duração e originação de linhagens, sendo exemplos de como a dinâmica ecológica em larga escala afetaria a macroevolução de uma maneira bem ampla.
Voltando as grandes mudanças climáticas e geológicas e às extinções em massa, quando compreendemos que estes eventos fragmentam, unem ou extinguem habitats, alteram padrões de migração, tornam hábitos e modos de vida mais ou menos difíceis e têm impactos diferentes nos vários níveis tróficos e nos vários nichos existentes, percebemos como a dinâmica ecológica é significativa para a evolução em larga escala, afetando o sucesso relativo de certas linhagens e de suas linhagens filhas e mesmo as taxas com elas se dividem, dando origem a outras linhagens, e se extinguem. Um exemplo bem recente e bem interessante que se refere a como as extinções influenciam nas taxas de originação de novas linhagens, ilustra bem a questão [Veja o post “Extinções em massa reajustam o passo da evolução”].
David Jablonski e Andrew Z. Krug - primeiro autor do artigo que foi publicado mês passado na revista Geology - analisando um período que vai de 200 milhões de anos à 10 mil anos atrás em que várias faunas de moluscos são avaliadas, mostraram que após grandes extinções não apenas ocorrem mudanças nas taxas de originação logo em seguida a estes eventos, no período de recuperação, mas que durante o restante dos intervalos estudados (de cerca de 50 milhões de anos) até às extinções subsequentes, as taxas de originação tendem a se manter estáveis seguindo os moldes do período de recuperação, às vezes mais lentas, às vezes mais rápidas, que as dos períodos anteriores. Portanto, as extinções em massa ajustam o passo de processos macroevolutivos, provavelmente por meio de mudanças na dinâmica ecológica emergente.
Douglas Erwin, em artigo de 2008 do Trends in Ecology & Evolution, enfatiza que algumas da atividades desempenhadas pelos organismos vivos modificam o regime seletivo de sua própria população ou espécie, em um processo conhecido como 'construção de nicho’, e em outras situações influência o sucesso ecológico de outras espécies em sua comunidade, o que ele chama de 'engenharia de ecossistemas’ e, desta maneira, interfere com as suas perspectivas evolutivas. Erwin defende, em consonância com os dados e conclusões de Jablonski e Krug, que muitos desses processos produzem efeitos que persistem ao longo do tempo geológico, modulando os padrões macroevolutivos e de biodiversidade.
Outro exemplo interessante pode ser encontrado no artigo, publicado na revista Paleobiolgy e abordado no post “Ver ou não ver? Eis a questão do fanerozóico?” do evolucionismo, sobre o impacto da evolução de olhos formadores de imagens em diversas linhagens e nos padrões de diversificação do fanerozóico que se deram possivelmente pelo escalonamento de corridas armamentistas evolutivas na forma de interações múltiplas entre predadores e presas que devem ter 'movimentando’ bastante a dinâmica ecossistêmica do cambriano para cá.
___________________________________________
Krug, Andrew Z. and Jablonski, DavidLong-term origination rates are re-set only at mass extinctions.Geology [First published online June 29, 2012], doi: 10.1130/G33091.1
Erwin, Douglas H. Macroevolution of ecosystem engineering, niche construction and diversity, Trends in Ecology & Evolution, Volume 23, Issue 6, Pages 304-310, ISSN 0169-5347, June 2008, doi: 10.1016/j.tree.2008.01.013.
Aberhan, M., Nürnberg, S., & Kiessling, W. (2012). Vision and the diversification of Phanerozoic marine invertebrates Paleobiology, 38 (2), 187-204 DOI: 10.1666/10066.1
Literatura Recomendada adicional:
Jablonski, D. 2005. Evolutionary innovations in the fossil record: The intersection of ecology, development and macroevolution. Journal of Experimental Zoology. Part B, Molecular and Developmental Evolution 304B: 504-519. [pdf link]
Hunt, G., K. Roy, and D. Jablonski, 2005. Heritability of geographic range sizes revisited. Am. Nat. 166: 129-135. [pdf link]
Jablonski, D., K. Roy, and J. W. Valentine, 2003. Evolutionary macroecology and the fossil record. In: T.M. Blackburn and K. J. Gaston, eds., Macroecology: Concepts and consequences. Oxford: Blackwell Science, 368-390. [pdf link]
Recentemente um simpósio sobre o assunto foi realizado em Londres (“Integrating Ecology into Macroevolutionary Research”) onde foram discutidos muitos tópicos relevantes sobre a interface entre macroevolução e ecologia e cujas palestras podem ser vistas aqui:
McInnes L, Baker WJ, Barraclough TG, Dasmahapatra KK, Goswami A, Harmon LJ, Morlon H, Purvis A, Rosindell J, Thomas GH, Turvey ST, Phillimore AB. Integrating ecology into macroevolutionary research. Biol Lett. 2011 Oct 23;7(5):644-6. Epub 2011 Apr 28. PubMed PMID: 21527505; PubMed Central PMCID: PMC3169080. [PDF]
Grande abraço,
Rodrigo