Saturday June 11, 2011
Anonymous: http://www.youtube.com/watch?v=Epka-JBVmdg&feature=share Achei interessante esse documentário. Ele demonstra o como a natureza é auto-suficiente e produz fenômenos "do nada" que nós consideramos inteligentíssimo e aparentemente conscientes, que vai do design de uma zebra ou vaca até as ramificações de uma arvore que é a mesma que existe em nossos vasos sanguíneos e nossa rede de neurônios, entre outros. Tudo isso através de uma matemática, de regras incrivelmente simples, que a partir disso a complexidade. surge espontaneamente. Eu só fiquei curioso como que essas "regras ou princípio matemáticos" ocorreram em listras da zebra ou manchas da vaca e em tantas outros "design", se p. ex. mancha da vaca é produto da seleção natural, provavelmente(creio eu) sexual sobre mutações(modificações genéticas). Essas "regras" acabam entrando em impulsos sexuais, emoções e instintos que por sua vez se transforma em seleção, a sexual por ex.? È isso ou esse documentário é mais um "besteirol" pseudo-cientifico ou meras especulações ou eu entendi tudo errado ahaha? até mais, peeeeeeeeeee
O documentário não um “besteirol pseudo-científico”, não se preocupe. É apoiado em intensa pesquisa conduzida sob a alcunha de “ciências da complexidade”, uma área de interface entre a matemática, físico-química, física estatística, ciência da computação, biofísica, biologia teórica e outras disciplinas. [Aliás, comentamos sobre auto-organização e complexidade, e suas relações com biologia e evolução, em alguns posts do evolucionismo.org (a, b e c)].
O surgimento espontâneo de padrões espaço-temporais bastante intrincados em certas condições e em certos tipos de sistemas (termodinamicamente abertos e, em geral, formados por muitos componentes) é uma realidade. Alguns desses fenômenos (como nos processos de auto-montagem de complexos macromoleculares como os capsídeos virais) dependem basicamente da minimização local de energia em sistemas perto do equilíbrio termodinâmico. Outros, auto-organizados (como vários dos exemplos dados no documentário), acontecem em sistemas mantidos “longe do equilíbrio termodinâmico” em que há um gradiente de energia e fluxo constante de matéria, como as chamadas ‘estruturas dissipativas’ estudadas pelo prêmio Nobel em química Ilya Prigogine.
O estudo dos sistemas dinâmicos não-lineares (ou 'sistemas adaptativos complexos’) é uma área bem conhecida e tremendamente multidisciplinar centrada na modelagem matemática e simulação computacional intensa, além da análise experimental de sistemas modelo. Muitos chamam este campo de “ciências da complexidade” e inclui matemática, físico-química, física estatística, ciência da computação, biofísica, biologia teórica etc.
Nos anos 80 e 90 houve uma certa 'hype’ sobre o tema e muitos entusiastas, às vezes agiam, como se imaginassem que o estudo do caos e da complexidade resolveria todos os problemas, revolucionando as ciências biológicas. As coisas se mostraram mais complicadas e abordagens mais parcimoniosas acabaram por prevalecer. Nelas as ferramentas matemáticas e conceituais desta disciplina (ou conjunto de disciplinas) são utilizadas para a investigação de problemas biológicos específicos, caso a caso, de forma menos abstrata, levando-se em conta os vários detalhes empíricos de cada sistema que está sendo analisado ou modelado. Por isso, os insights sobre a dinâmica de sistemas adaptativos complexos não-lineares e sua capacidade de auto-organização não podem ser desprezados, assim como os conceitos e ferramentas destas áreas. Muito da pesquisa sobre redes de interação conduzida dentro da biologia computacional e bioinformática, com vastas aplicações no estudo do desenvolvimento e da evolução de novas funções e estruturas, são derivadas do estudo de sistemas dinâmicos.
Agora, falando sobre seleção natural, é preciso lembrar que muitas das características biológicas são produtos do acaso e das contingências históricas, como se fossem acidentes congelados. Mesmo características que desempenham um papel funcional chave, portanto, indicando a ação da seleção natural, podem refletir apenas uma entre muitos desfechos (ou 'soluções’) possíveis em um dado contexto ecológico-demográfico, sendo, também, resultados contingentes da evolução. Subprodutos indiretos da evolução adaptativa de outra característica também são bastante comuns e o fato de que mais tarde possam ser eles mesmos, em um contexto diferente, funcionais e vantajosos para os organismos que os possuam (passando a ser alvo da seleção natural) complicam ainda mais a situação. As marcas da história, do acaso, das leis da física e das propriedades intrínsecas dos materiais estão imbricadas no processo de evolução adaptativa.
No caso das vacas não podemos nos esquecer que são animais domesticados e selecionados em função da produção de leite, carne, capacidade de engorda etc. Seus padrões de manchas, portanto, não precisariam ter qualquer papel adaptativo. Neste ponto o padrão de manchas das zebras seria mais instrutivo, já que ele pode realmente ter uma papel adaptativo mais claro ao ajudar a quebrar a silhueta do animal na perspectiva de um predador ou algo assim [Veja aqui]. Desta forma poderíamos pensar em um cenário evolutivo para a evolução desta característica sobre pressão da seleção natural em relação a evitação da predação. Porém, este tipo de cenário não nos diz muito como a característica pode ter se originado pela primeira vez e mesmo mudado aos poucos em função de alterações no padrão de crescimento do animal e de suas células pigmentares. Falta uma explicação proximal, ou seja, ao nível bioquímico, celular e embriológico, que permita fazer um ponte entre mutações em genes que controlam a síntese e alocação de pigmentos e proliferação e migração celular com a evolução via seleção natural. Falta, portanto, um mecanismo de ’formação de padrões’. E é exatamente esse de tipo de mecanismo (a ponte entre mutações, desenvolvimento e o sistema adulto) que alguns dos sistemas não-lineares apresentados no documentário, como os sistemas de reação e difusão de Turing, podem fornecer.
Os complexos padrões espaço-temporais do sistema de Turing surgem em certos sistemas a partir de moléculas que ao se difundirem vão reagindo em um determinada taxa gerando certos produtos que passam também a reagir reciclando alguns dos componentes originais sustentando a reação. Existem, como o documentário mostra, uma série de outros sistemas auto-organizados que exibem padrões oscilatórios complexos além do modelo de reação e difusão de Turing, como as reações de Belousov-Zhabotinsky (BZ) e as células de instabilidade de Rayleigh-Bernard. Tais sistemas auto-organizados ilustram como propriedades coletivas podem emergir de interação não-lineares entre os componentes de um sistema, como retro-alimentação positiva (amplificação) e negativa (auto-inibição), limiares de reação etc. Esses princípios na verdade são bastante gerais, podem estar presentes em diversas níveis hierárquicos e diferentes escalas espaciais e temporais, portanto, tem uma certa independência e podem ser compreendidos de forma mais abstrata.
Os seres vivos, entretanto, são muito mais complicados que as reações oscilantes relativamente simples que ocorrem em uma placa de Petri, mas os princípios mais gerais implícitos nos sistemas químicos e físicos descritos por estes modelos são os mesmos por trás do processo de formação de padrão em tecidos biológicos. Só que neste caso de sistemas vivos dependem não só das taxas de difusão e reação, mas do transporte de moléculas através de membranas, de sua interação com receptores de membrana ou intracelulares e da intrincada maquinaria de síntese protéica, transporte de vesículas e moléculas associadas ao citoesqueleto, proliferação e migração celular, interação mecânica entre tecidos adjacentes etc.
Mais recentemente modelos mais consistentes com os detalhes dos sistemas biológicos usando o sistema de reação e difusão de Turing têm sido construídos e explorados como forma de explicar como padrões morfológicos podem ser gerados em sistemas biológicos. Trabalhos com a distribuição das células foliculares em camundongos, assimetria esquerdo-direita, padrões de listras em peixes do gênero Pomachantus mostram o poder desta abordagem.
Voltando a seleção natural, a auto-organização e os mecanismos formadores de padrão nos ajudam a compreender as complicações do chamado mapeamento genótipo-fenótipo que está longe de ser simples. Como já comentei me outras ocasiões, os genes agem na forma biológica através de seus produtos diretos proteínas e RNAs, mas fazem isso de maneira muito indireta. Muitos deles agindo em vários processos, fases e tecidos diferentes, e dependendo sempre da interação com os produtos de outros genes, com os quais formam módulos ou 'circuitos genéticos’. As interações entre os produtos gênicos e os resultados dessas interações no organismos seguem estas regras emergentes muito semelhantes a dos processos de auto-organização que estamos discutindo.
O que ocorre é que mesmo que os indivíduos variem aleatoriamente (em relação aos seus genes) os mecanismos de formação de padrão coagem esta variação. Desta forma, as mutações fazem seu trabalho ao alterar certos parâmetros dos sistemas - analogamente a mudança nas taxas de reação e difusão no modelo de Turing - modificando a dinâmica bioquímica e celular dos processos. Algumas mutações podem simplesmente causar pouca ou nenhuma alteração no padrão morfológico, enquanto outras podem ultrapassar um limiar crítico e causar mudanças mais substanciais. ou até drásticas demais, até mesmo desestabilizando todo o sistema Seu efeito dependerá de como o sistema é arranjado e de sua robustez a perturbações. Esta robustez em parte pode também evoluir. Ao longo da evolução outras mutações em outros genes podem influenciar também o processo, quem sabe, tornando-o mais confiável, rápido ou estável e, dependendo do efeito na sobrevivência e reprodução do organismo (ou por efeito da deriva genética ou outro processo estocástico), fazendo com que seja incorporado aos sistema de controle do padrão morfológico subjacente, adicionando uma camada de complexidade extra ao controle do sistema.
Assim, a seleção natural agiria sobre os resultados de diferentes variações no controle dos mecanismos formadores de padrão, sendo assim restringidas pelas propriedades emergentes do sistema que enviesam a variação disponível, definindo o que é possível e o que é mais ou menos provável.
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Literatura recomendada:
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Abraços,
Rodrigo