Saturday March 17, 2012
Anonymous: Existem evidências do Desing inteligente?
A resposta curta é: Não!! Mas isso não é mais do que esperado devido a maneira com que se estrutura o movimento do Design Inteligente (DI) e o criacionismo de maneira mais geral, pois são movimentos de lobby social e político, e de caráter puramente ideológico. Sendo que seus adeptos não parecem possuir qualquer intenção de levar adiante o conhecimento científico ou mesmo empregar seus procedimentos e seu rigor às questões sobre origem do universo, da vida etc.
O movimento do Design Inteligente é, simplesmente, uma forma de criacionismo disfarçada que tenta afirmar-se como ciência e afastar-se (nem sempre de forma muito cuidadosa) das formas de criacionismo mais tradicionais como o da ‘terra-antiga’ e, especialmente, da ‘terra-jovem’, de modo a conseguir mais legitimidade frente as cortes dos EUA e comitês escolares. Por isso prefiro me referir a ele como Criacionismo do Design Inteligente (CDI). Este tipo de criacionismo funciona como um projeto guarda-chuva em que os argumentos criacionistas tradicionais (às vezes ipsis litteris) são requentados e colocados de uma forma em que não pareçam tão vinculados aos dogmas bíblicos dos seus proponentes que, de fato, são a real motivação por trás do movimento [1]. Isso é muito claro ao percebermos a continua tentativa de caracterizar a evolução como fruto do puro acaso, continuamente afirmando que existem somente duas possibilidades, que seriam: ‘Acaso’ e ‘Design’, o que, para dizer o mínimo, é uma ridícula simplificação das modernas teorias da biologia evolutiva, das ciências geológicas e da moderna cosmologia.
Esta visão, por exemplo, deixa completamente de lado o papel de processos como a seleção natural e auto-organização que são, em certo sentido, a antítese do acaso, bem como o fato do processo evolutivo ser contingente, ocorrer em múltiplas tentativas (e não necessariamente com uma ‘tentativa’ depois da outra) e não possuir alvos pré-especificados [veja por exemplo o artigo John Wilkins e o de Ian Musgrave sobre o papel do acaso na evolução e nos estudos sobre origem da vida.]
O DI não é uma teoria científica não só por que não é empiricamente testável, mas por que não têm qualquer conteúdo substantivo próprio que possa ser usado para criar um programa de pesquisa científico autônomo bem definido e empiricamente sustentável que nos dê respostas realmente úteis intelectualmente. Basicamente, o CDI existe como uma série de [maus]argumentos que só fazem por negar (nisso aproximam-se muito de outras formas de negacionismo) a capacidade da moderna biologia evolutiva em explicar a origem de certos sistemas, órgãos e estruturas biológicos, sem, entrtanto, apresentar qualquer alternativa mecanicística coerente ou, pelo menos, uma maneira direta de testar o papel do suposto Designer, tentando forçar uma dicotomia tola e falaciosa: “Se a Biologia Evolutiva não explica então sópode ser produto de um Designer”. Mas além desta abordagem ser um non sequitur, os argumentos dos CDIstas não são nem minimamente efetivos em estabelecer que as lacunas em nosso conheciemento sejam de fato relevantes a questão, dependendo da distorção de informações científicas através da apresentação incorreta de fatos, modelos e teorias que é empregada a estratégica e dissimulada retirada do contexto original de citações de cientistas respeitados (a famosa 'mineração de citações’ ou ’quote mine’), de maneira que pareçam que as lacunas em nosso conhecimento são muito maiores do que realmente são e que as polêmicas internas à biologia evolutiva dizem respeito a sua factualidade, quando isso não é nem de longe verdade.
Isso quando os defensores do CDI não simplesmente inventam problemas e lacunas em nosso conhecimento científico, o que fica patente quando afirmam que não se conhecem mecanismos capazes de aumentar a informação genética nos seres vivos, quando tal afirmação é completamente falsa [5, Sobre isso veja também “A origem de Nova informação genética” parte I e parte II]. Assim como o hábito correlacionado de afirmar e reafirmar que mutações só destroem informação [para exemplos do contrário veja aqui, aqui e aqui], o que basicamente ignora o simples fato que, em geral (com exceção de mutações muito extensas ou que interfirem com alguns sistemas biológicos fundamentais de modo drástico), é o contexto bioquímico, genômico, fisiológico e ecológico-demográfico, especialmente a aptidão dos demais indivíduos, que define se uma mutação é benéfica, maléfica, ou, como em muitos casos, neutra ou efetivamente neutra.
O CDI, como as outras formas de criacionismo, é completamente parasitária da literatura científica. Vivendo de criar conceitos pseudoprofundos (‘complexidade irredutível’ ou ‘complexidade especificada’) e termos e supostas métricas pseudomatemáticas (“profundidade ontogenética” e “lei da conservação da informação”), usando e abusando do jargão da Teoria da Informação, mas sem, entretanto, definir sua utilização dos termos dessa teoria a contento, além de tentar usá-los para refutar caricaturas pálidas das ideias propostas pelos cientistas que trabalham com evolução biológica e não os reais modelos, hipóteses e princípios propostos por eles defendido e que fazem parte da biologia evolutiva [Também vale a pena ser conferida a série de ensaios sobre o mesmo tema presentes no sites Talk Origin, de Musgave e Baldwin, e Phylointelligence.com]. E é bom sempre lembrar que os [pseudo]argumentos dos adeptos do CDI já foram sistematicamente refutados em várias ocasiões [2, 3, 4] [Veja também os artigos dos sites Talk Origin, Talk Reason, Talk Design e Phylointelligence].
Porém, aquela que talvez seja a maior falácia dos proponentes do CDI, em minha opinião, é o abuso da nossa familiaridade com artefatos realmente planejados, isto é que exibem um design proposital em sentido estrito, como forma retórica de tornar mais palatável a ideia de Design nos organismos vivos que, na realidade, como as pesquisas em biologia evolutiva revelam, são produtos de processos históricos naturais cegos (não pessoais e, portanto, não conscientes) - mas também não puramente aleatórios como querem os criacionistas - de evolução biológica.
A aparência de design (que a partir dela os criacionistas esperam poder inferir ‘um Designer’), de acordo com a moderna biologia evolutiva, resulta da interação do acaso (mutação, deriva genética, recombinação etc), das leis físicas e químicas (e alguns poderiam acrescentar princípios epigenéticos e desenvolvimentais) com as diversas formas de seleção natural que são, apenas, o resultado das interações ecológico-demográficas entre os organismos que definem de maneira causal e sistemática suas taxas de nascimento e morte sua relação com os genótipo e fenótipos dos mesmos. Este processo é o que mantém o ajuste obrigatório (pois, sem o qual ocorre morte os extinção) entre os organismos e seu meio-ambiente - que, aliás, é muito mais do que um pano de fundo passivo já que também é produto da atividade dos organismos vivos que coevoluem com ele - e que agindo cumulativamente pode produzir estruturas, sistemas e órgãos complexos e funcionais.
Mas a simples verdade é que, enquanto, o design inteligente (com minúsculas) que estamos acostumados (especialmente o humano, mas também o de certos animais não-humanos) é completamente natural, e o que nos faz reconhecê-lo como ‘design’ é nossa experiência com os designers (animais humanos e não-humanos), seus métodos, suas necessidades, suas intenções, limitações e até motivações extras. Por isso, campos como a arqueologia e as ciências forenses, e até mesmo empreitadas como a SETI que usam pressupostos similares, bem como a etologia e a psicologia comparativa fazem todo o sentido como disciplinas sérias. Essas disciplinas não se baseiam em uma abstrata intuição de que o ‘design inteligente’ tem como marca um certo nível de complexidade - e que possa, desta maneira, ser calculado em termos probabilísticos - e que seu reconhecimento, assim, prescinda da familiaridade com os (e da investigação dos) métodos, intenções e limitações dos seus perpetradores.
Por isso tudo, de fato, não fazemos a menor ideia de como seria um Design Inteligente, no sentido de um projeto de origem ‘superhumana’, caso esta superioridade fosse muito grande, e muito menos como seria um Design de origem sobrenatural (como pretendem os adeptos do CDI ser o seu Designer de escolha por trás do Design), vindo, portanto, da mente não-física de um SER com recursos, conhecimentos e poderes ilimitados e motivações, métodos e intenções completamente fora de nossa capacidade de escrutínio. Isso é que torna o CDI uma simples forma de argumentar pela ignorância baseada na incredulidade pessoal de seus defensores, e não uma teoria científica que valha a pena ser levada a sério. O biólogo molecular Emile Zuckerkandl discute de maneira soberba algumas dessas questões e explica em maiores detalhes a futilidade do movimento do DI e sua total vacuidade intelectual.
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Literatura Recomendada:
Zuckerkandl E. Intelligent design and biological complexity. Gene. 2006 Dec 30;385:2-18. Epub 2006 Aug 5. Review. PubMed PMID: 17011142.
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Referências:
Forrest, Barbara, and Paul R. Gross. Creationism’s Trojan Horse: The Wedge of Intelligent Design. Oxford: Oxford University Press, 2004.
Pennock, RT Tower of Babel: The Evidence Against the New Creationism Cambridge, MA: The MIT Press - Bradford Books. 1999
Pennock, R.T. God of the Gaps: The Argument from Ignorance and the Limits of Methodological Naturalism In Andrew Petto & Laurie Godfrey (editors) Scientists Confront Creationism: Intelligent Design and Beyond. W.W. Norton & Co. 2007, pp. 309-338.
Sober, E. What Is Wrong with Intelligent Design? Quarterly Review of Biology, 2007, 82: 3-8.
Chandrasekaran , C. & Betrán , E. (2008) Origins of new genes and pseudogenes. Nature Education 1(1)
Grande Abraço,
Rodrigo