Saturday October 19, 2013
Anonymous: boa tarde. saberia me dizer se o albinismo, aquela deficiência de melanina, era mais comum nos animais da préhistória? se há teorias sobre a origem do albinismo?
Não conheço nenhum estudo sobre o tema e creio ser uma das coisas que não temos como pesquisar de uma maneira proveitosa e sistemática. Para sabermos disso teríamos que ter a possibilidade de estimar a frequência dos alelos associados ao albinismo (ou do próprio fenótipo) por meio da amostragem de um número grande de espécimens de vários grupos animais, extintos nos últimos 500 milhões de anos. O problema é que mal conseguimos obter amostras de DNA de fósseis de espécimens do gênero Homo já extintos, como é o caso dos Neandertais e dos Denisovanos (veja “Quem somos nós e como sabemos quem somos?”, “Quem somos nós e como sabemos quem somos?” e “Quem somos nós e como sabemos quem somos? Parte III”), que viveram há algumas dezenas de milhares de anos, e que nos permitiram inferir que houve miscigenação entre populações ancestrais de Homo sapiens e populações destes outras duas espécies de seres humanos. Também apenas muito recentemente fizemos descobertas que nos possibilitam a inferir a cor de alguns espécimens de dinossauros em virtude da forma dos melanossomas fossilizados*, [Veja aqui também] o que também não é muito comum e, como a fossilização de modo geral é um evento raro isso não nos permite fazer estimativas populacionais da eventual frequência do albinismo, caso eles existissem nessas espécies.
O que posso dizer é que como o albinismo é geralmente causado por uma mutação em um único locus (associado as vias biossintéticas de produção de melanina a partir da tirosina ou ao transporte dos pigmentos para organelas chamadas de melanossomos) não há motivos para que este fenótipo não existisse em outras espécies animais extintas que possuíssem um sistema de controle de pigmentação semelhante ao dos animais modernos, afinal animais albinos existem hoje em dia.*
O problema é que em ambiente selvagem, a falta de pigmentação é, em geral, não adaptativa e estas mutações provavelmente não se espalhariam muito pelas populações (por que os indivíduos com estas mutações e este fenótipo teriam uma baixa taxa de sobrevivência e de sucesso reprodutivo), a não ser em condições especiais, como por meio de fatores estocásticos como a deriva genética através do efeito fundador.
No entanto, existem algumas espécies de animais, como certos peixes cavernículas que são albinas. Isso sugere que, em certos ambientes e circunstâncias, como a vida em cavernas, a falta de pigmentação pode ser bem mais tolerável e expandir-se em uma população, seja pelo efeito da deriva genética (como parece ser o caso nesses peixes), como também por que a perda da pigmentação mostre-se vantajosa. O que pode ocorrer caso hajam ganhos em termos de economia metabólica ou, mais plausivelmente, caso o albinismo seja um efeito colateral de outras mutações, estas sim adaptativas. Algo equivalente parece ser o caso da redução do olhos em muitos desses peixes que, de acordo com vários estudos, estaria ligada a evolução da expansão de sistemas sensoriais nas mandíbulas, cuja base genético-desenvolvimental interfere com o desenvolvimento dos olhos.
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*Penas fósseis podem preservar a morfologia dos melanossomas associados com a coloração o que permitem reconstruir os padrões de coloração de dinossauros com penas.
**O termo mais geral seria “amelanismo”, lembrando que outros vertebrados não-mamíferos, além do pigmento melanina podem produzir outros pigmentos por outras vias biossintéticas. Neste caso a mutação em um gene associado a síntese de melanina, como a enzima tirosinase, não interfere com outros padrões de coloração não dependentes da melanina.
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Literatura Recomendada:
Zhang F, Kearns SL, Orr PJ, Benton MJ, Zhou Z, Johnson D, Xu X, Wang X.Fossilized melanosomes and the colour of Cretaceous dinosaurs and birds. Nature. 2010 Feb 25;463(7284):1075-8. doi: 10.1038/nature08740.
Vinther J, Briggs DE, Clarke J, Mayr G, Prum RO. Structural coloration in a fossil feather. Biol Lett. 2010 Feb 23;6(1):128-31. doi: 10.1098/rsbl.2009.0524.
Li Q, Gao KQ, Vinther J, Shawkey MD, Clarke JA, D’Alba L, Meng Q, Briggs DE,
Prum RO. Plumage color patterns of an extinct dinosaur. Science. 2010 Mar 12;327(5971):1369-72. doi: 10.1126/science.1186290.
Protas ME, Hersey C, Kochanek D, Zhou Y, Wilkens H, Jeffery WR, Zon LI, Borowsky R, Tabin CJ. Genetic analysis of cavefish reveals molecular convergence in the evolution of albinism. Nat Genet. 2006 Jan;38(1):107-11.
Protas M, Conrad M, Gross JB, Tabin C, Borowsky R. Regressive evolution in the Mexican cave tetra, Astyanax mexicanus. Curr Biol. 2007 Mar 6;17(5):452-4. Epub 2007 Feb 15. PubMed PMID: 17306543; PubMed Central PMCID: PMC2570642.
Jeffery WR. Adaptive evolution of eye degeneration in the Mexican blind cavefish. J Hered. 2005 May-Jun;96(3):185-96. Epub 2005 Jan 13. Review. PubMed PMID: 15653557.
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Credito da Figura:
SINCLAIR STAMMERS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
Grande abraço,
Rodrigo