Sobre a Evolução das Leveduras dos Fermentos Biológicos
Pesquisadores da Universidade de Bordeaux, na França publicaram um artigo na PLOS ONE (que rendeu um post no blog da comunidade Plos, escrito por Tara Garnett) demonstrando que diferentes cepas de leveduras da espécie Torulaspora delbrueckii, de recente interesse comercial, sofreram intervenção humana em sua evolução. Estudos anteriores já haviam demonstrado como nosso histórico de uso de leveduras afetou a evolução de uma das espécies mais utilizadas, a Saccharomyces cerevisae , com a criação de diferentes cepas que são utilizadas para fins diferentes (pão, vinho, e assim por diante).
Para demonstrar a influência humana sobre T. delbrueckii, os pesquisadores franceses fizeram o mapeamento da arvore genealógica da espécie em questão, após coletar 110 amostras de T. delbrueckii a partir de fontes globais de uvas para vinho, produtos de panificação, laticínios e bebidas fermentadas. Possíveis microssatélites (sequências repetitivas de pares de bases, como a AT e GC), foram encontrados no DNA de uma cepa e usados para criar ferramentas que identificam sequências similares em outras linhagens. Eles usaram os resultados para identificar oito diferentes microssatélites marcadores (sequências de pares de bases) que eram compartilhados por algumas cepas, mas não por outras, para medir a variação genética em T. delbrueckii. A composição de cada estirpe foi analisada usando-se eletroforese em microchips, um processo em que os fragmentos de DNA migram através de um gel que é submetido a um campo elétrico, o que ajuda os pesquisadores a separar os fragmentos de acordo com o seu tamanho. Estes microssatélites marcadores específicos de cada estirpe permitiram produzir um dendrograma (a figura colorida aí em baixo) que ilustra o grau de similaridade entre as estirpes. Os pesquisadores também estimaram o tempo que diferentes cepas levaram para evoluir através da comparação da taxa média de mutação e do tempo de reprodução de T. delbrueckii com o nível da diferença genética entre cada cepa.
No dendrograma ao lado [retirado de Albertin et al., 2014; DOI: 10.1371/journal.pone.0094246] podem tornam-se nítidos claramente quatro grupos de cepas de leveduras que estão fortemente relacionadas as origens de cada amostra. A maioria das cepas isoladas da natureza estão contidas em dois destes grupos, mas que podem ser diferenciados um do outro: os coletados no continente americano (grupo natural das Américas) e aqueles recolhidos na Europa, Ásia e África (grupo natural do Velho Mundo). Os outros dois grupos incluem cepas de amostras de alimentos e bebidas, mas não puderam ser diferenciados pela localização geográfica. O grupo uva/vinho contém 27 cepas que foram isoladas de uvas das principais regiões produtoras de vinho do mundo: Europa, Califórnia, Austrália, Nova Zelândia e América do Sul. O grupo de 'bioprocessos' contém cepas bem variadas geograficamente que foram coletadas de outras áreas de processamento de alimentos, tais como produtos de pão, comida estragada, alimentos e bebidas fermentadas. Este grupo também contém um subgrupo de estirpes utilizadas especificamente para produtos lácteos. Em uma análise mais detalhada da variação entre as estirpes foi confirmado que, apesar dos grupos do dendrograma não conseguirem separar perfeitamente as estirpes de acordo com o uso humano (e a origem geográfica da amostra teve algum papel na diversidade), uma grande parte da estrutura da população pôde ser explicada pela fonte material da estirpe.
Os pesquisadores calcularam os tempos de divergência para os diferentes grupos e estes resultados enfatizam ainda mais a ligação entre a adoção da levedura T. delbrueckii pelos seres humanos e a evolução contínua desta espécie. O grupo das cepas 'uva/vinho' divergiu do grupo 'Velho Mundo' há aproximadamente 1.900 anos. Isso coincidiu com a expansão do Império Romano e a propagação de Vitis vinifera, a uva comum. Já o grupo de 'bioprocessos' divergiu muito antes, cerca de quatro mil anos atrás, ou seja, por volta da era Neolítica, o que mostra que a leveduras foram utilizadas para a produção de alimentos muito antes de serem direcionadas para produção de vinho.
Enquanto T. delbrueckii tem sido muitas vezes negligenciada pelos produtores em favor das cepas mais comuns de S. cerevisiae , a primeira vem recentemente ganhando força por sua capacidade de reduzir os níveis de compostos voláteis que afetam negativamente o sabor e aroma do vinho. Como esta cepa tem uma alta tolerância ao congelamento, quando usada como agente de fermentação, ela vem atraído a atenção das empresas que tentam congelar e transportar a massa com eficiência.
Tentativas de desenvolver melhores cepas deste fermento para uso comercial já haviam começado, mas anteriormente não se tinha uma compreensão do seu ciclo de vida e nem dos hábitos reprodutivos destes organismos. Agora isso mudou. Ao criarem esta árvore genealógica de T. delbrueckii, os autores acabaram ganhando uma compreensão mais profunda desta espécie como um todo e estas informações devem contribuir para um melhor desenvolvimento do uso tecnológico destes microrganismos.
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Referência:
Garnett, Tara For Yeast’s Sake: The Benefits of Eating Cheese, Chocolate, and Wine The PLOS ONE Community Blog April 25, 2014.
Leitura recomendada:
Albertin W, Chasseriaud L, Comte G, Panfili A, Delcamp A, et al. (2014) Winemaking and Bioprocesses Strongly Shaped the Genetic Diversity of the Ubiquitous Yeast Torulaspora delbrueckii. PLoS ONE 9(4): e94246. doi:10.1371/journal.pone.0094246
Setati ME, Jacobson D, Andong U-C, Bauer FF (2012) The Vineyard Yeast Microbiome, a Mixed Model Microbial Map. PLoS ONE 7(12): e52609. doi:10.1371/journal.pone.0052609
Tao X, Zheng D, Liu T, Wang P, Zhao W, et al. (2012) A Novel Strategy to Construct Yeast Saccharomyces cerevisiae Strains for Very High Gravity Fermentation. PLoS ONE 7(2): e31235. doi:10.1371/journal.pone.0031235