Sobre Cachorros e Lobos
No mês passado publiquei no blog Biorritmo uma matéria que dei o mesmo título acima. Coincidentemente, na mesma semana saíram duas matérias sobre o mesmo assunto que eu acreditava já tão batido: ou seja, a origem das diferenças entre cães e lobos. No meu blog foquei o assunto a partir de uma palestra proferida pelo renomado primatólogo Aldemar Coimbra Filho na sede da Associação dos Amigos do Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 2008.
Na ocasião, Coimbra Filho expôs que as numerosas raças de cães existentes são resultado da domesticação de mais de 50 subespécies de Canis lupus, o lobo, que há alguns milhares de anos vem sendo realizada pelo homem.
O primatólogo explicou também que a forma nominal do lobo europeu, Canis l. lupus, própria da Europa, possuía muitas raças geográficas distribuídas pela Eurásia. Atualmente encontra-se praticamente desaparecida, sobrevivendo precariamente na maior parte da Europa, mas ainda existente nas montanhas da Itália, nos Pirineus, na Espanha, na Serra da Estrela, em Portugal, sendo mais abundante em florestas da Europa Oriental e em muitos lugares da Ásia.
Os lobos são animais gregários, com fortes laços sociais, o que favoreceu sua domesticação, principalmente quando eventuais filhotes foram criados pelos homens, com os quais se identificavam, passando a ser membros da alcateia. Este fato não ocorre com as demais espécies de canídeos sociais, como o Lycaon pictus (African hunting dog) da África negra e o Cuon alpinus (dhole) do sudeste asiático, que têm no regurgitamento de alimento para os filhotes o seu mais importante fator de união entre os indivíduos, esclareceu o palestrante.
A notável seleção zootécnica de que foi alvo o Canis lupus resultou em mais de 400 raças de cães, várias ainda em formação e outras em fase de desaparecimento, acrescentou Coimbra Filho. Conforme o mencionei no início, dois novos estudos publicados em janeiro deste ano procuraram compreender as origens das diferenças entre esses animais. Um, da bióloga evolutiva Kathryn Lord da Universidade de Massachusetts, sugere que a diferença comportamental entre cães e lobos está relacionada com as primeiras experiências sensoriais e o período de socialização desses animais.
"A pesquisadora decidiu estudar como sete filhotes de lobo e 43 cachorrinhos reagiam a novos cheiros e estímulos visuais. Os animais foram avaliados semanalmente e concluiu-se que o desenvolvimento dos sentidos ocorrem ao mesmo tempo. Porém, as duas subespécies de Canis lupus experimentavam o ambiente de forma diferente durante o desenvolvimento conhecido como período de socialização, que acontece durante quatro semanas logo no início da vida dos filhotes." [*]
"De acordo com as observações, a pesquisadora confirmou que tanto cães quanto lobos desenvolvem os sentidos de olfato na idade com duas semanas de vida. No entanto, as duas subespécies entram no período de socialização em idades diferentes. Cachorros entram neste período com quatro semanas de vida, enquanto lobos começam com duas semanas."[*]
"Kathryn descobriu também que quando os filhotes de lobos, ainda com duas semanas de vida, andam pela primeira vez, eles ainda não enxergam nem ouvem" [*].
“Ninguém sabia isso sobre lobos, que quando eles começam a explorar o mundo, eles ainda são cegos e surdos e estão num estágio ainda primário do olfato”, disse.
“Quando os filhotinhos de lobo começam a ouvir, eles ficam muito assustados com os novos sons, assim como quando começam a enxergar, eles sentem medo do que veem. Cada novo sentido que despertava, os lobos se assustavam, o que não aconteceu com os cachorros”, completou.
"Os cães, por outro lado, só começam a explorar o mundo após o olfato, visão e audição estarem funcionando [*]."
“É quase surpreendente o quanto cães e lobos são diferentes no início da vida se levarmos em conta o quão semelhantes geneticamente eles são. Alguns filhotes de cães são incapazes de se mexer. Já os lobos são ativos exploradores que caminham com boa coordenação e são capazes até de escalar pequenos obstáculos”, disse.
O outro estudo saiu na Nature e envolve sequenciamento de genoma. Segundo Erik Axelsson e colaboradores, a assinatura genômica de domesticação do cão revela uma adaptação a uma dieta rica em amido. Eles realizaram um estudo do genoma inteiro de cães e lobos e identificaram 3,8 milhões de variantes genéticas usadas na identificação de 36 regiões genômicas que, provavelmente, representam alvos para a seleção durante a domesticação do cão. Dezenove destas regiões contêm genes importantes na função cerebral, oito dos quais estão relacionadas com o desenvolvimento do sistema nervoso central e, potencialmente, com as alterações comportamentais subjacentes para a domesticação do cão .
Dez genes com papéis-chave na digestão do amido e no metabolismo da gordura também mostraram sinais de seleção. Esses resultados indicam que as novas adaptações que permitiram aos primeiros ancestrais dos cães modernos desenvolverem uma dieta rica em amido, em relação à dieta carnívora dos lobos, constituiu um passo decisivo na domesticação inicial dos cães.
Referências:
Axelsson E, Ratnakumar A, Arendt ML, Maqbool K, Webster MT, Perloski M, Liberg O, Arnemo JM, Hedhammar A, Lindblad-Toh K. The genomic signature of dog domestication reveals adaptation to a starch-rich diet. Nature. 2013 Jan 23. doi: 10.1038/nature11837. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 23354050.
Lord, K. A Comparison of the Sensory Development of Wolves (Canis lupus lupus) and Dogs (Canis lupus familiaris). Ethology, 2013 119: 110–120. doi: 10.1111/eth.12044
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Para saber mais:
*Estudo explica por que cães e lobos são tão diferentes
Crédito das imagens:
DUNCAN SHAW/SCIENCE PHOTO LIBRARY
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