Sunday April 14, 2013
Anonymous: Quando podemos dizer que a espécie humana atual surgiu. Que se tem a respeito do surgimento dela: evolução, comportamento...?
Em relação a sua primeira pergunta, os paleoantropólogos e geneticistas evolutivos acreditam que nossa espécie Homo sapiens deva ter surgido algo em torno de 400000 anos atrás, mas os chamados seres humanos anatomicamente modernos seriam um pouco mais recentes, tendo provavelmente menos de 250000 anos [Veja esta linha do tempo interativa]. Além disso, as populações modernas de Homo sapiens sapiens teriam uma origem ainda mais recente, sendo formadas, principalmente, por descendentes das populações africanas que teriam migrado de lá África há menos de 150000 anos atrás (talvez, mesmo, a menos de 80000 anos), com algum nível de miscigenação com outras espécies do gênero Homo, como os neandertais e denisovanos,e talvez com outras subespécies de Homo sapiens. Existem evidências de que nossa espécie, especialmente se comparada a outras espécies de primatas, é bastante geneticamente homogênea, com a maior parte da variabilidade sendo encontrada em populações Africanas, o que, em conjunto, sugere que os seres humanos passaram por uma redução drástica de seu contingente populacional, o que os cientistas chamam de um gargalo de garrafa [1, 2,3, 4, 5, 6]. As estimativas para as datas de surgimento, migração e o real nível de miscigenação dos ancestrais das populações humanas modernas ainda são tópicos bastante debatidos, podendo mudar caso novas evidências sejam encontradas e novos métodos, mais precisos e robustos, desenvolvidos e, devidamente, validados.
A segunda pergunta é um pouco mais vaga e não sei exatamente ao que você se refere. O que posso dizer é que tradicionalmente se considerava que os indícios arqueológicos de inovações comportamentais que indicavam capacidade de abstração e representação simbólica, características bastante conhecidas de nossa espécie, teriam surgido, apenas, por volta de 50000 anos atrás, naquilo que alguns chamam de ’big bang da mente humana’ [7]. Não existe, entretanto, nenhuma evidência fóssil que indique alguma alteração substancial de nossos cérebros por volta deste mesmo período, o que indicaria que, seja lá o que aconteceu neste a partir desse período, pode ter sido uma mudança eminentemente cultural, associada ou não a alguma mudança, bem sutil, em nossa arquitetura cerebral, mas que não deixou vestígios fósseis. Porém, várias evidências sugerem que, na realidade, provavelmente, a cultura teve muito maior preponderância*, já que são encontrados vestígios arqueológicos semelhantes aos encontrados há 50000 anos em sítios arqueológicos e paleoantropológicos com até 90000 anos [8, 9, 10]. Alguns pesquisadores sugerem a partir daí que o maior fator responsável por esta ‘explosão cognitivo-cultural’ teria sido a demografia, ou seja, em certo momento de nossa história atingimos um número de pessoas suficiente para que a cultura pudesse se desenvolver de maneira contínua e estável, não apenas de maneira episódica e limitada, com pequenas explosões de curta duração localizadas em períodos em que nossos números fossem maiores [8, 9, 10].
Existem bons sites e muito material na internet sobre este tema. Em português, o melhor lugar para começar a procurar é o site “paleoantropologia.com.br”. Em inglês temos ainda mais opções, como a exibição online permanente sobre as origens humanas, do Museu de História Natural Smithsoniano, e a página de evolução humana do Museu de História Natural Britânico. Existem também vários posts sobre evolução humana no evolucionismo.org, como “99% confuso!” (no qual são discutidas as confusões e mal entendidos sobre as diferenças mostradas, em termos de porcentagem, entre os genes e genomas humanos e dos chimpanzés), além dos vários artigos da série 'Quem somos nós e como sabemos quem somos? Parte I , Parte II e Parte III' . Existem também artigos sobre temas mais específicos da evolução humana como “Mais vislumbres de miscigenações ancestrais no DNA humano”, “Supresas sobre as origens do cromossomo Y humano:”, e “Reajustando e recalibrando o relógio da evolução humana”, além de várias respostas deste mesmo tumblr em que são explicados vários aspectos da evolução de nossa linhagem, como aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
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Literatura Recomendada:
Lewin, Roger Human Evolution: An Illustrated Introduction, 5th Edition Oxford, Blackwell Publishing, 2004. 284 pgs [existe uma versão em Português de uma edicçaõ mais antiga: Lewin, R. Evolução humana. São Paulo: Atheneu, 1999. 526 pg.]
Lewin, R., Foley, R.A., Principles of Human Evolution, 2nd Ed., Blackwell Science Ltd, 2004. 576 pg
Wood, B. Human Evolution: A Very Short Introduction.Oxford University Press, New York, 2005. 144 pg.
Tattersall, I; Schwartz, JH Evolution of the Genus Homo Annual review of earth and planetary sciences 37: 67-92, 2009 DOI: 10.1146/annurev.earth.031208.100202
Wood, B; Baker, J Evolution in the Genus Homo Annual review of ecology, evolution, and systematics, 42: 47-69, 2011 DOI: 10.1146/annurev-ecolsys-102209-144653
Wood B, Lonergan N. The hominin fossil record: taxa, grades and clades. J Anat. 2008 Apr;212(4):354-76. doi: 10.1111/j.1469-7580.2008.00871.x. Review. PubMed PMID: 18380861; PubMed Central PMCID: PMC2409102.
Calvin, William H. ”The Mind’s Big Bang Only 50,000 Years Ago.“ plenary speech, Winter Conference on Brain Research, January, 2005.
Kline, M. and R. Boyd, Population size predicts technological complexity in oceania, Proceedings of the Royal Society (B), 277, 2559–2564, 2010, (pdf) [veja também o comentário de Matt Ridley e, sua coluna do Wall Street Journal (pdf)].
Culotta E. Archaeology. Did modern humans get smart or just get together? Science. 2010 Apr 9;328(5975):164. doi: 10.1126/science.328.5975.164. PubMed PMID: 20378790. DOI: 10.1126/science.328.5975.164 (pdf)
Richerson, P. J., R. Boyd, and J. Henrich, Gene-culture coevolution in the age of genomics, Proceedings of the National Academy of Sciences (USA), 107, 8985–8992, 2010. (pdf)
Grande abraço,
Rodrigo