Sunday December 09, 2012
Anonymous: Muita gente afirma que o Homem é o ser mais evoluído produzido pela natureza. Mas e se objetivo da evolução for a simplicidade e não a complexidade? Então uma bactéria seria "mais evoluída" do que o ser humano. O que acha dessa questão?
Na realidade, a sua premissa de partida já é bem questionável, isto é, a ideia de atribuir intencionalidade ao processo de evolução ou mesmo a natureza como um todo, personalizando-a, pelo menos, caso queiramos nos manter dentro de uma perspectiva científica. Esta visão teleológica, ainda que esteja impregnada em nossa linguagem e influencie a forma de encarar e descrever fenômenos naturais, não é considerada uma posição produtiva dentro da comunidade científica. É preciso lembrarmo-nos que ao estudarmos processos como as mutações, a deriva genética e a seleção natural bem como outros que estão por trás da evolução biológica não estamos lidando com entes inteligentes e portanto capazes de deliberação consciente. Por conseguinte, creio fazer pouco sentido considerarmos alguns organismos (espécies, linhagens etc) ‘mais ou menos evoluídos’ do que outros em qualquer sentido mais geral, já que não parecem existir quaisquer metacritérios (ou seja critérios para critérios) claros e objetivos que sejam passíveis de consenso entre os especialistas e muito menos algum critério que se ’originem da própria natureza’. Isso acaba fazendo com que as atribuições potenciais deste tipo de valoração (isto é, considerar algum organismo, espécie ou linhagem mais ou menos evoluído) sejam altamente subjetivas, dependendo das preferências dos autores que estipulam tais critérios o que em geral tem relação com os problemas específicos que eles desejam abordar. Portanto, devendo, estas qualificações, serem vistas com o devido senso crítico e cuidado para atermo-nos as suas limitações.
De fato, as coisas são até um pouco mais complicadas por que o próprio conceito de 'complexidade’ quando usado para sistemas biológicos pode ser bastante capcioso, existindo uma vasta literatura em que são discutidos os prós e contras das diversas definições e tentativas de medir esta suposta propriedade, onde fica claro que, a menos que se defina 'complexidade’ como aquilo que 'sempre’ aumenta durante a evolução (transformando-a em um truísmo sem qualquer precisão e utilidade científica), esta característica pode tanto aumentar como diminuir ao longo da evolução, sendo as melhores e mais úteis definições aquelas que assumem sua natureza dependente do contexto, destinando-se a investigar e comparar fenômenos bem específicos, tais como o processo de adaptação a um ambiente e sua relação com a mudança de sequências biomoleculares de um determinado locus em uma determinada população de um organismo em um ambiente específico. Discuti um pouco sobre este assunto em outra resposta referente a um artigo da revista New Scientist e também através da tradução de um artigo da mesma revista.
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Literatura Recomendada:
Carroll SB. Chance and necessity: the evolution of morphological complexity and diversity. Nature. 2001 Feb 22;409(6823):1102-9. Review. PubMed PMID: 11234024.
Gould, S.J. A evolução da vida na Terra. [1994] 2004 Scientific American Brasil, Edição Especial nº 5.
Adami C. What is complexity? Bioessays. 2002 Dec;24(12):1085-94. Review. PubMed PMID: 12447974.
Adami C, Ofria C, Collier TC. Evolution of biological complexity. Proc Natl Acad Sci U S A. 2000 Apr 25;97(9):4463-8. PubMed PMID: 10781045; PubMed CentralPMCID: PMC18257.
Grande abraço,
Rodrigo