Sunday December 25, 2011
Anonymous: Quem foi o H. sapiens idaltu?
O chamado Homo sapiens idaltu é uma subespécie de Homo sapiens arcaico tida por alguns cientistas como ancestral direta dos Homo sapiens sapiens, ou seja, dos seres humanos anatomicamente modernos. A expressão Homo sapiens arcaico designa um tanto vagamente uma série de variedades de espécie da Homo sapiens que se distinguem dos chamados humanos anatomicamente modernos, representantes de nossa subespécie, Homo sapiens sapiens, que teriam vivido a partir de 500 ou 400 mil anos atrás. O termo Homo arcaico é uma expansão deste termo que é utilizado para incluir linhagens próximas as do Homo sapiens, como Homo heidelbergensis, Homo rhodesiensis, Homo neanderthalensis e às vezes Homo antecessor [1, 2]. Esta distinção é sutil pois dentro da Paleoantropologia existem disputas taxonômicas envolvendo a abrangência da espécies que dividem o campo entre os separadores e os amontoadores, com os primeiros propondo taxonomias menos inclusas que multiplicam o número de espécies e os últimos juntando muitas dessas espécies em um número menor de espécies, neste caso, os termos Homo sapiens arcaico e Homo arcaico seriam sinônimos.
Os seres humanos modernos, acredita-se, teriam evoluído a partir de estoques populacionais de Homo sapiens arcaicos, que por sua vez, teriam evoluído de Homo erectus. As variedades arcaicas de Homo sapiens são incluídas sob esta alcunha binomial, pois seu tamanho cerebral é muito semelhante à dos humanos modernos. O Homo sapiens arcaico tinha uma média de tamanho do cérebro entre 1200-1400 centímetros cúbicos, que se sobrepõe com a gama de seres humanos modernos. Os seres humanos arcaicos se distinguem dos humanos anatomicamente modernos por terem um crânio espesso, testa protusa e a falta de um queixo proeminente [1, 2, 3].
A aparição dos seres humanos anatomicamente modernos é estimada como tendo acontecido algo em torno de 200.000 anos atrás, como as populações mais modernas possivelmente sendo derivadas de estoques populacionais que existiram após 70.000 anos atrás, após o evento toba, uma enorme erupção catastrófica que teria eliminado várias populações humanas arcaicas e modernas. Apesar de existirem muitas evidência de variedades não-modernas tendo sobrevido pelo menos até depois de 30.000 anos atrás, e, em alguns casos, provavelmente, até períodos tão recentes quanto 10.000 anos atrás.
Existe um certo consenso entre os antropólogos que as linhagem do gênero Homo a partir de sua origem, cerca de 2 milhões de anos atrás, até o surgimento dos Homo sapiens arcaicos por volta de 300.000 ou 400.000 anos atrás, passaram por um aumento da robustez dos esqueletos de forma contínua e estável até chegar a um platô. Esta robustez se traduzia em indivíduos com crânios mais espessos e com membros mais musculosos do que os vistos em média atualmente. Este processo ocorreu de forma concomitante ao aumento do volume cerebral que foi de 900 centímetros cúbicos para mais de 1400 centímetros cúbicos. Esses seres humanos arcaicos eram muito mais fortes do que a maioria das populações atuais, refletindo o seu padrão de subsistência árdua, enquanto os primeiros seres humanos anatomicamente modernos, que apareceram por volta de 200.000 anos atrás, eram significativamente menos robustos do que as espécies arcaicas, mas ainda muito mais do que as pessoas de hoje em dia.
Esta robustez desses primeiros humanos modernos diminuiu gradualmente durante um longo período, mas essa redução se acentuou de forma mais dramática após o fim da era Glacial, cerca de 10.000 anos atrás, gerando um padrão bastante geral, ainda que não universal, já que populações de aborígines australianos e fueganos patagônios, por exemplo, ainda mantém aspectos músculo-esqueléticos que são relativamente robustos, especialmente em seus crânios. Esta perda de robustez, onde ela ocorreu, deu-se, principalmente, entre 10.000 e 5.000 anos atrás e foi acompanhada por reduções similares no tamanho médio do cérebro (para 1300 centímetros cúbicos), no tamanho dos dentes e dos maxilares, e na estatura média dos indivíduos, seguindo todas padrões semelhantes, mas em graus diferentes.
Os fósseis desta subespécie de H. sapiens idaltu foram encontrados em um sítio na Etiópia em 1997, embaixo de camadas vulcânicas, pelo paleoantropólogo Timothy D. White, sendo os resultados das análises desses fósseis publicados em artigo na revista Nature apenas em 2003. Três restos de crânios fossilizados bem preservados foram encontrados, com o mais preservado deles sendo o de um homem adulto cuja capacidade cerebral foi estimada em 1450 cm cúbicos. Além deste exemplar, os outros dois eram um crânio parcial de outro adulto e o outro de uma criança que, quando morreu, tinha por volta de seis anos de idade. As camadas em que os restos fósseis foram encontrados foram datadas por radioisótopos como tendo entre 154 a 160 mil anos de idade [2].
As características morfométricas dos fósseis os colocam em um lugar sui generis pois possuem várias características consideradas arcaicas se comparadas aos crânios de populações mais recentes como as de Cro-Magnon e, especialmente, as mais modernas de seres humanos, ainda que nossos crânios variem através das diversas populações humanas atualmente existentes [Veja verbete da wiki]. Ao mesmo tempo são distintos de outras espécies de representantes do gênero Homo, como o Homo nendertalensis. Como, apesar das diferenças, ainda assim, existirem várias similaridades com os crânios de populações posteriores e modernas de H. sapiens sapiens, e também por que as datações os colocam em um período logo antes da primeira grande migração para fora da África, este achado fez com que seus descobridores propusessem que essas populações seriam ancestrais diretas das populações de seres humanos modernos que migraram da África e se espalharam pelo mundo dando origem às populações atuais de H. sapiens sapiens [2, 3, 4].
De acordo como o relatado no artigo da Nature, a partir das diferenças encontradas nas amostras disponíveis, mas limitadas, achadas na Etiópia, os pesquisadores inferiram preliminarmente que os fósseis da subespécie H. sapiens idaltu diferenciavam-se de seres humanos anatomicamente modernos H. sapiens sapiens em função de uma maior robustez craniofacial, de maior comprimento antero-posterior do crânio, e da grande distância dos planos glenóide-oclusal, além de se distinguirem dos exemplares (‘tipos’) de referência de H. rhodesiensis por possuirem uma maior capacidade craniana, uma fronte mais vertical com uma face menor, assim como uma topografia média facial mais marcada, como a da fossa canina, por exemplo [2]. Porém, ainda assim esses restos destes Homo arcaicos apresentavam muitas características de H. sapiens anatomicamente modernos, como a face plana, com maçãs do rosto proeminentes, porém sem as saliências supraciliares sobressaltadas que caracterizam espécies de hominideos antigos ou mesmo neandertais. A caixa craniana mais arredondada que se assemelha a uma bola de futebol também é bem típica de seres humanos modernos, em contraste com os crânios com formato de bolas de futebol americano de ancestrais humanos mais remotos e dos neandertais [3].
Estes fósseis corroboram o modelo de origem das populações humanas atuais em uma expansão para fora-da-África que havia sido proposto a partir de dados de análise da variação genética de pessoas vivas hoje em dia, principalmente por que as evidências paleoantropológicas e arqueológicas entre 100.000 a 300.000 anos atrás eram bastante escassas. Esses fósseis, segundo o paleoantropólogo Timothy White e colaboradores, preenchem uma importante lacuna no registro arqueológico, apoiando a ideia de que as populações de Neandertais não deram contribuições substanciais às populações modernas, constituindo-se em um estoque genético à parte, sendo um ramo co-lateral de nossa genealogia humana, ainda que achados recentes tenham detectado certo nível de mistura genética em populações Eurasiáticas modernas que ainda guardam variantes genéticas originárias de intercruzamentos ancestrais com populações de Neandertais [veja aqui].
Esses restos foram considerados, por um certo tempo, os fósseis mais antigos de Homo sapiens, mas mais recentemente em 2005 os sítios de Omo (I e II) nos quais foram encontrados restos de outros Homo sapiens com características mais modernas, tiveram sua origem estimada em cerca de 196 mil anos, sendo agora considerados os restos de seres humanos modernos ou semi-modernos mais antigos, o que complica um pouco a análise e a hipótese de que H. sapiens idaltu seria a população ancestral dos seres humanos modernos [5].
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Literatura Recomendada:
Lewin, R. 1999. Evolução Humana. São Paulo: Atheneu Editora.
White, Tim D.; Asfaw, B.; DeGusta, D.; Gilbert, H.; Richards, G. D.; Suwa, G.; Howell, F. C. (2003), “Pleistocene Homo sapiens from Middle Awash, Ethiopia”, Nature 423 (6491): 742–747, doi:10.1038/nature01669, PMID 12802332
Roach, John (11 de junho de 2003) “Oldest Homo Sapiens Fossils Found, Experts Say” National Geographic News
Joyce, Christopher (11 de junho de 2003) Oldest Human Fossils Found: Ancient Skulls Provide Crucial Details of Evolution
McDougall, I.; Brown, F. H.; Fleagle, J. G. (2005), “Stratigraphic placement and age of modern humans from Kibish, Ethiopia”, Nature 433 (7027): 733–736, Bibcode 2005Natur.433..733M, doi:10.1038/nature03258, PMID 15716951
Grande abraço,
Rodrigo