Sunday January 22, 2012
Anonymous: 1º) O que fundamenta evolutivamente a ética?. O egoísmo ou a altruísmo? 2º) Altruísmo e egoísmo recíproco na biologia são sinônimos? peeeeeeeeeeee
É difícil responder esta pergunta por que não sei em que sentido vc usa o termo ‘fundamenta’ em sua indagação. Em uma certa perspectiva, a ética, no sentido do estabelecimento do que é certo e errado, tem nas emoções humanas um de seus elementos impulsionadores mais importantes, e estas, por sua vez, têm obviamente uma origem evolutiva, especialmente se pensarmos em nossa capacidade de empatizar uns com os outros e mesmo com outros seres vivos. Porém, a ética também depende de considerações pragmáticas e da tradição, o que envolve as sociedade e as culturas em que estamos inseridos (além de nossas necessidades individuais, claro) e a própria reflexão racional e a discussão intersubjetiva que se segue a ele e que pode chegar a níveis bem abstratos, algo que deveria estar incluído no que chamamos de evolução cultural, em sentido bem amplo.
Em relação a sua segunda questão, a expressão correta é “altruísmo recíproco” e, mais uma vez, as coisas se complicam quando acrescentamos o tal do 'egoísmo.’ O problema é que este termo é bastante ruim quando passamos a discutir as bases biológicas da cooperação humana e animal. Isso é assim por um simples motivo. Aquilo que chamamos 'egoísmo’ em nossa linguagem comum não é a mesma coisa que está em jogo quando fala-se de “genes egoístas” e coisas do gênero.
Posso explicar a questão de duas maneiras diferentes que talvez facilitem a compreensão do problema. A primeira faz uso das categorias explicativas de Ernst Mayr, “explicações (ou causas) proximais” e “explicações (ou causas) últimas”, com o primeiro tipo de explicação envolvendo as causas de comportamentos que são diretamente relevantes a produção do comportamento nos indivíduos (fisiologia, emoções, razões conscientes etc) e, o segundo tipo, referindo-se ao contexto evolutivo que tornaram o comportamento em questão (e suas bases proximais) 'fixado’ ou 'inerente’ àquela população, espécie ou linhagem em questão.
O 'egoísmo’ do nosso senso comum que é imediatamente relevante para as discussões éticas é uma 'causa’ do primeiro tipo, isto é proximal, enquanto, o 'egoísmo’ inerente a metáfora de 'genes egoísta’ - e que é usado em modelos de explicação evolutivas, como o altruísmo recíproco direto e indireto, por exemplo – é uma 'causa’ do segundo tipo, “ultima”.
Isso nos trás à segunda maneira de explicar a distinção, já que no caso humano o termo 'egoísmo’, em nossa linguagem comum, é empregado para designar as motivações de certos comportamentos de cunho deliberado e consciente, feitos por auto-interesse, em que o indivíduo coloca-se em primeiro lugar mesmo em detrimento dos outros. O ponto é que, ao usarmos o termo 'egoísmo’ em discussões sobre a evolução de comportamentos altruístas, não usamos o termo neste sentido (linguagem comum), pois queremos explicar aqueles comportamentos que são motivados por ponderações e emoções que fazem com que algumas vezes coloquemos os interesses (e às vezes até a vida) dos outros em primeiro lugar, muitas vezes, em detrimento dos nossos próprios. Isto é, queremos explicar exatamente o contrário do que queremos dizer em geral por 'egoísmo’. Por isso, o termo 'egoísmo’ nestes casos é empregado quando, a despeito das intenções e emoções do indivíduo que pratica certas ações, o ato em si faz ou, em geral, fez com que os ancestrais deste organismo tivessem maior sucesso reprodutivo, seja de forma direta (como no caso do altruísmo reciproco, em interações reciprocas ao longo de vários anos ao longo das gerações) ou mesmo indireta, como é o caso dos modelos de seleção de parentesco (ao aumentar o número de descendentes dos parentes do organismo, que também possuem a base hereditária para expressar a característica, disseminando-a assim na população ao longo das gerações, mesmo que o individuo que a expresse não deixe descendentes diretos) e seleção de grupo (ao aumentar o sucesso relativo de grupos com mais indivíduos com a característica altruísta); ou ainda acidentais, como nas hipóteses de atribuição equivocada de parentesco que combinam a seleção de parentesco com trade-offs associados a dificuldade de reconhecer especificamente os parentes de verdade que seria trocada por reconhecimento de indivíduos próximos e criados juntos, a despeito de seu real parentesco, que em geral acabaria por privilegiar parentes, mas que, com o tempo e aumento dos grupos humanos, terminaria por criar empatia generalizada.
Assim, comportamentos perfeitamente altruístas (isto é motivados pelas mais 'puras’ das emoções e levados a cabo pela decisão consciente de ajudar os outros e calcados em um senso moral que valoriza mais os interesses alheios) podem, ainda assim, 'pagarem-se’ evolutivamente e adaptativamente, ao trazer 'vantagens’ aos indivíduos, e/ou parentes desses indivíduos, e/ou grupos de característica ao qual pertence esses indivíduos etc que, no final das contas, permitam que o comportamento (e as emoções que lhe dão base) se espalhe, apesar de, em uma avaliação superficial, poder parecer que estes comportamentos levariam a aniquilação dos indivíduos, linhagens e das variantes hereditárias que os causam.
Espero que tenha ficado mais claro.
Grande abraço,
Rodrigo