Sunday January 29, 2012
Anonymous: oi, boa tarde. eu como usuario tenho varias perguntas, nao exatamente sobre evolucionismo, mas em biologia em geral. mesmo assim, vou perguntando uma pergunta de cada vez. sei que na industria de iogurtes usam lactobacilos para fabricacao destes. e tambem ouvi falar que bacterias patogenicas viram superbacterias conforme suas geracoes vao resistindo aos antibioticos, desinfetantes etc. ai esta minha pergunta: este efeito das superbacterias pode ser aplicado tambemalactobacilos(superlactobacilos)
Não sei se entendi bem a sua pergunta, mas é bom frisar que estamos lidando com duas coisas um tanto diferentes quando falamos de desenvolvimento de lactobacilos e outros probióticos, de um lado, e a evolução de resistência a antibióticos por parte de cepas de bactérias patogênicas, de outro.
No primeiro caso, o que temos é um processo planejado e com objetivos claros, como aumentar a produtividade e/ou os efeitos benéficos dos lactobacilos e outros pró-bióticos sobre a nossa microbiota intestinal. No segundo caso, temos um processo natural em que os microrganismos adaptam-se por meio da variação espontânea e da seleção natural das variantes que apresentem melhor capacidade de sobrevivência frente aos antibióticos e desinfetantes por exemplo.
Neste segundo caso, mutações herdadas ocorridas na própria linhagem ou adquiridas por transferência horizontal de genes de outras bactérias - seja a partir da transferência de plasmídios de resistência, durante a conjugação, ou de fragmentos de DNA livres ou por transdução viral - podem em certos ambientes dar vantagens aos microrganismos que as possuam em relação aos demais e assim provocar o surgimento de cepas multirresistentes. As chamadas superbactérias são exemplos deste tipo de bactérias mais que apresentam múltiplos genes de resistência que as tronam capazes de proliferar-se e infectar seres humanos e animais mesmo na presença de diversos tipos de antibióticos. Em geral fazem isso por possuírem plasmídios repletos de genes deste tipo adquiridos tanto por mutação dos próprios ancestrais como pelo encontro e trica de material genético de maneira horizontal, ou seja, de outras cepas, linhagens e até espécie. Portanto, o “super” associado a designação dessas linhagens vêm de sua imensa capacidade de resistir as medidas de controle e erradicação que nós seres humanos lançamos mão.
O que pode ocorrer de análogo, no caso do cultivo e desenvolvimento de cepas de lactobacilos, é a utilização de regimes de seleção artificial em que várias cepas geneticamente variantes de lactobacilos são triadas em função de suas propriedades mais desejáveis e, assim, cultivadas preferencialmente para que se obtenham linhagens dessas bactérias com as características desejadas. Outra coisa que pode ser considerada análoga é usar vetores plasmidianos, mas desta vez construídos artificialmente, em que os cientistas colocam os genes que produzirão proteínas de interesse e que aumentariam a performance dos microrganismos em termos de proliferação, resistência aos ácidos estomacais e, claro, em termos dos efeitos benéficos a microbiota dos usuários e de sua saúde de forma geral. Desta maneira os lactobacilos não só chegariam intactos em maior quantidade nos intestinos dos usuários, como conseguiriam trazer mais resultados positivos, se na regulação das demais bactérias que vivem por ali, seja na ajuda da absorção de certos nutrientes etc.
Este tipo de estratégia de transgenia (em que genes extras, em geral de outros organismo, são introduzidos artificialmente em novo organismo) já é utilizada em diversos setores da biotecnologia de microrganismos, mas em geral isso é feito no desenvolvimento de aplicações que podem ser mantidas em laboratórios na produção de compostos derivados dessas bactérias, mas que possam ser extraídos e purificados, como no caso da produção de insulina e eritropoietina recombinante. A utilização destes microrganismos transgênicos no ambiente natural é sempre dada a certas polêmicas, a maioria delas um tanto exagerada, mas ainda assim que merecem certa atenção e bastante cuidado. Porém, a utilização direta de bactérias transgênicas em populações humanas por causa de suas propriedades probióticas seria um pouco mais complicada, principalmente caso entre os genes introduzidos nessas cepas estivessem genes que aumentassem as taxas de proliferação e sobrevivência das cepas dentro do hospedeiro humano, pois estes poderiam ser transferidos horizontalmente à outras bactérias presentes na microbiota humana tornando-as potencialmente perigosas.
Mas creio que o ponto fundamental da questão é que a biologia evolutiva e os conhecimentos sobre a evolução por seleção natural podem sim ajudar (e já o fazem) em muito na biotecnologia e na industria farmacêutica.
Esta última semana saiu uma postagem sobre o assunto no evolucionismo.org de um de nossos colaboradores, José Antônio Dias da Silva, exatamente sobre a utilização de nossos conhecimentos de biologia evolutiva no desenvolvimento de estratégias de controle e manejo de infecções por HIV, que merece uma lida. O artigo foi inspirado em um dos capítulos do livro do geneticista brasileiro Sérgio Danilo Pena, À flor da pele: reflexões de um geneticista.
O mesmo vale para a agricultura, pecuária, exploração pesqueira, aquicultura, manejo de doenças e epidemias, e do vetores a elas associados, bem como no combate ao câncer, controle de pragas e conservação de espécies ameaçadas [veja aqui, por exemplo]. Compreender a dinâmica evolutiva de populações biológicas pode trazer grande insights e conduzir a novas aplicações e estratégias de manejo.
Não sei se era exatamente isso que você queria saber, mas caso não fosse isso, sinta-se a vontade para perguntar de novo.
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Phillips, T. (2008) Genetically modified organisms (GMOs): Transgenic crops and recombinant DNA technology. Nature Education 1(1)
Saad, Susana Marta Isay. Probióticos e prebióticos: o estado da arte. Rev. Bras. Cienc. Farm., São Paulo, v. 42, n. 1, Mar. 2006. Access on 29 Jan. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-93322006000100002.
Grande abraço,
Rodrigo