Sunday June 05, 2011
Anonymous: Vi essa notícia no site do G1 falando sobre o "mito" de atração sexual: http://g1.globo.com/dia-dos-namorados/2011/noticia/2011/06/ideia-de-que-opostos-se-atraem-e-mito-diz-terapeuta-sexual.html O antropólogo afirma: "Não existe instinto nem predestinação genética ou biológica quando escolhemos um parceiro. O que existe é uma adaptação necessária de acordo com o ambiente e a situação econômica" Isto é verdade?
É difícil comentar sobre apenas um trecho de uma entrevista traduzida do original e retirada de um contexto maior. Pelo que pude compreender, o entrevistado diz que não há predeterminações genéticas e biológicas, mas no sentido de que não somos controlados por ‘instintos sexuais’ que nos forcem a preferir sempre um tipo específico de parceiro ou usar apenas um determinado conjunto de características para a escolha dos mesmos.
O que ocorre, no entanto, é que alguns grupos de psicólogo evolutivos argumentam em prol de viéses biológicos mais específicos e mais efetivos que estariam por trás na escolha de parceiros, o que é bem diferente de falar em predeterminação genética ou biológica. De acordo com vários estudos da PE parece existir uma certa homogeneidade, através das populações, em relação a alguns fatores associados a escolha de parceiros. Além disso, muitas das diferenças mais substantivas aparecem entre homens e mulheres em relação ao tipo de características envolvidas na escolha de seus respectivos parceiros. Estas diferenças refletiriam o papel que cada sexo desempenha e desempenhou, em relação ao acasalamento e reprodução, ao longo de nosso passado evolutivo, especialmente na criação da prole. Com as mulheres arcando com os maiores custos associados a gravidez, em função do longo período de gestação pré-natal e a fragilidade dos nascituros no período pós-natal, e os homens, em contra partida, tendo como principal empecilho a incerteza da paternidade. Estas conclusões são apoiadas por vários estudos transculturais e alguns estudos experimentais, sendo hipóteses evolutivas bem plausíveis. Contudo é importante ressaltar que muitos dos estudos da PE sofrem de problemas metodológicos que dificultam sua interpretação, além de dependerem de certas suposições questionáveis, inclusive a partir do que sabemos sobre biologia evolutiva, das informações sobre outras espécies e outras oriundas de cnossos conhecimentos da neurobiologia do desenvolvimento humana. Porém, mesmo estes viéses tendo tido eventualmente uma relação causal mais direta com nossa herança biológica, influenciando a competição intra-sexual e inter-sexual, ainda assim, estes seriam apenas alguns dos fatores que influenciam nosso comportamento na escolha de parceiros e não agiriam de forma determinística.
Assim, apesar de existirem certas características - como a maior simetria facial (além de outros traços de “atracão física”) - que estão bem correlacionadas como nossos julgamentos de beleza (e podem ser indicadores de 'saúde genética e desenvolvimental’), nossas estratégias de acasalamento, busca e escolha de parceiros são bastante flexíveis e culturalmente muito influenciadas, se conformando, assim, também, às eventuais restrições socioculturais e econômicas, tais como a disponibilidade imediata, proximidade, personalidade, posição social, familiaridade e similaridade dos potenciais parceiros. Em uma espécie como a nossa esta flexibilidade inerente é bastante importante.
Como o próprio antropólogo (Volker Sommer) citado na repostagem afirma, em primatas não-humanos é possível prever (pelo menos parcialmente ) o tipo de estratégia de acasalamento e formação de pares através de características biológicas dos machos e fêmeas de cada espécie, especialmente o tamanho e a presença de dimorfismo sexual. Com espécies em que os machos são bem maiores (e mais diferenciados em relação as fêmeas), sendo em geral poligâmicas e com menor participação dos machos no cuidado da prole, e o oposto sendo mais comum entre as espécies em que machos e fêmeas são mais similares uns aos outros. Além disso, em alguns primatas como os Bonobos (Pan pansicus), não especificamente citados mas referenciados, o sexo - através da sincronização e exibição estral e da constante receptividade sexual das fêmeas - é usado no apaziguamento de conflitos. O que é bem diferente do que ocorre com os Chimpanzés (Pan trogloditas), por exemplo, em que há uma maior hierarquização e conflitos mais violentos. Nós humanos estaríamos bem no meio desses extremos. Em relação ao tamanho, exibiríamos relativamente nível intermediário de dimorfismo sexual e nossa maior ou menor semelhança em relação aos Bonobos ou aos Chimpanzés é motivo de acalorado debate. Outra diferença é que a fertilidade das fêmeas é oculta (apesar de alguns indícios uma tanto controversos do contrário), trazendo complicações adicionais. Mas além dessas diferenças, não podemos nos esquecer possuímos dezenas de milhares de anos de evolução sociocultural, que resulta num muito maior imbricamento e entre-jogo entre nossa biologia e cultura, além de podermos nos posicionar reflexivamente e criticamente quanto ao nossos impulsos e desejos.
Os genes (e nossa biologia de modo mais geral), obviamente, contribuem nesse processo. Isso é inegável. Por exemplo, certos tipos de vias neurais envolvidas no reconhecimento de indivíduos, vinculação afetiva e avaliação da atratividade, o que inclui os neurotransmissores e outra moléculas moduladoras participantes delas, são dependentes de genes e das proteínas por eles codificadas, especialmente, do padrão espacial e temporal de expressão delas durante o desenvolvimento. Tudo isso faz parte da complexa rede causal que produz nossos impulsos, desejos e, por consequência, nossos comportamentos. Mas elas não nos determinam em nenhum sentido estrito do termo, já que são moduláveis pelo aprendizado e por nossas decisões pessoais.
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Wallisch, Pascal Human mate choice as the psychologist views it: Findings, issues, problems and perspectives Englisch, 10 Seiten, 2002
Abraços,
Rodrigo