Sunday June 12, 2011
<a href="https://0eliezer-blog.tumblr.com/" style="text-decoration:underline;">0eliezer-blog</a>: Uma coisa chata de se debater com criacionistas é quando você mostra evidências da evolução (por ex. as bactérias que passaram a sintetizar nylonase, as "ring species", as mutações genéticas...), eles sempre vem com o argumento: "Ah, isto é micro-evolução, nós não somos contra a micro-evolução, mas não existem provas em laboratório de macro-evolução, é tudo conjectura". Macro-evolução não seria somente uma sequência de milhares de micro-evoluções? Logo admitir a micro-evolução é admitir o mecanismo da evolução e pronto.
Esta é uma questão recorrente e lidamos com ela algumas vezes no formspring (formspring_1 e formspring_2).
Criacionistas têm realmente muita dificuldade tanto em compreender como em aceitar os conceitos e evidências da biologia evolutiva e da paleontologia, muitas vezes se apropriando de termos e expressões científicas apenas para distorce-los. Muito da oposição dos criacionistas mais tradicionais advém (pelo menos alegadamente) da incapacidade de observarmos a macroevolução, o que nem é inteiramente verdade, como comentarei mais adiante. Essa objeção é obviamente tendenciosamente explorada por eles, já que boa parte de nosso conhecimento depende de evidências indiretas que usamos para chegar a conclusões sobre nosso passado. Na verdade muitas das crenças particulares que eles defendem, como muitas outras que partilham com todos nós, são dependentes de documentação, artefatos e restos biológicos, todas evidências indiretas e históricas, investigadas por historiadores, arqueólogos e antropólogos.
A biologia evolutiva apenas expande o horizonte temporal a partir dos conhecimentos das ciências da terra e planetárias, como a geologia, que em última instância são muito bem calcados na química e na física experimental e teórica (incluindo astrofísica e cosmologia). Mas pior do que isso é simplesmente constatar que boa parte da ciência experimental, como a física de partículas por exemplo, dependem também de evidências indiretas adquiridas em experimentos bem complicados orientados por teorias muito bem pensadas. Então, o fato de não podermos observar alguns dos eventos macro-evolutivos mais extremos não impede que possamos atestar sua factualidade e tirar conclusões sobre eles usando a imensa variedade de evidências empíricas disponíveis, e métodos analíticos e comparativos existentes atualmente, guiando-nos pela teoria evolutiva.
O primeiro e principal ponto é que a chamada macroevolução está muito bem estabelecida. Foram exatamente os padrões mais gerais de semelhança entre as biotas de diferentes lugares e diferentes épocas (em diferentes fases do desenvolvimento) as primeiras evidências para a evolução. Outro ponto importante é que o processo de especiação é um processo macroevolutivo pelos cientistas. A divisão de linhagens é a base do processo que produz a diversificação biológica que tanto conhecemos. Isso é macroevolução. Desta maneira, os estudos em espécies em anel ou em clinas e a investigação das zonas de hibridização ‘capturam’ a macroevolução em progresso.
Os grandes padrões macroevolutivos podem ser traçados de várias formas, como a partir do registro fossilífero (identificando séries fósseis que nos permitam reconstituir a origem e a progressão de determinadas características evolutivas); da distribuição das espécies, ou seja, biogeografia (uma elemento essencial do modelo Darwiniano-Wallaciano); e da análise filogenética de espécies extintas e atuais. Os estudos filogenéticos, por sua vez, podem se conduzidos através da comparação de características morfológicas (de adultos, formas juvenis e embriões) e, no caso das espécies atuais, através da comparação dos extensos dados moleculares (especialmente frutos do sequenciamento de genomas, proteomas etc). Essas diferentes abordagens podem ser utilizadas para informar e validar umas as outras e todos estes tipos de estudos atestam a macroevolução em sentido mais restrito, ou seja, mostram os grandes padrões de divergência e alteração morfológica ao longo da evolução das linhagens, o surgimento de novos grupos, as radiações adaptativas e conquistas de novos ambientes, as grandes transições e extinções entre biotas e o padrão genealógico das mesmas.
Isso está muito bem estabelecido e precisaríamos, na verdade, levar mais deste tipo de informação às pessoas em geral e, principalmente, aos alunos de ensino médio, como insiste o paleontólogo Kevin Padian.
A questão, entretanto, é que os criacionistas às vezes co-optam um outro tipo de debate que aparece na literatura especializada, mas que não diz respeito a factualidade da macroevolução. Este debate abrange apenas aos processos e mecanismos que levaram as mudanças ao longo do tempo, particularmente, aos padrões de biodiversidade que vemos hoje e ao longo da coluna geológica ao redor do mundo. Neste contexto bastante específico é que existe uma certa discussão. Embora muitos pesquisadores (especialmente geneticistas evolutivos) realmente adotem a perspectiva de que as causas da macroevolução são as mesmas da microevolução (ou seja aquilo que ocorre dentro das populações, como mutações e recombinação, seleção natural, migração/fluxo gênico, deriva genética aleatória e etc, claro, conjuntamente com processos que culminam em isolamento reprodutivo, como fragmentação de habitats etc), apenas somando-se ao longo de milhões e bilhões de anos, muitos outros pesquisadores, em geral, paleontólogos, defendem que as grandes mudanças das biotas (como as diferenças nas taxas de extinção e especiação de diferentes linhagens) e grandes eventos geológicos, atmosféricos e até astronômicos (ao influenciar o equilíbrio ecológico e a dinâmica das populações, comunidades e biomas) interajam, enviesam e coajam os mecanismos microevolutivos para produzir esses grandes padrões. Esses pesquisadores advogam que ao estudarmos a evolução ao longo de grandes períodos de tempo, alguns processos extras são necessários para explicar certos padrões. Claro, todos eles perfeitamente naturais e empiricamente investigáveis.
Alguns desses pesquisadores sugerem, inclusive, que processos mais complexos envolvendo escalas mais amplas de tempo - análogos a seleção natural que ocorre com os indivíduos em populações de uma dada espécie- como a 'seleção (e o 'sortig’) de espécies’ tem, de fato, um papel muito importante nas grandes mudanças evolutivas. Existem mesmo alguns indícios moleculares que o tipo de mutações envolvidas na (micro)evolução dentro das espécies sejam um tanto diferentes das envolvidas na (macro)evolução entre espécies, com o primeiro tipo dependendo de mutações em regiões codificadoras dos genes e o segundo tipo em regiões Cis-regulatórias, especialmente, em genes que ocupariam uma certa posição hierárquica nas redes genéticas de controle do desenvolvimento dos organismos (Veja os trabalhos de Stern e Orogozo, por exemplo. Discuti algumas dessas questões, no evolucionismo.org).
É neste ponto que existe um debate real (inclusive entrando em questões conceituais importantes como referentes aos níveis e unidades da seleção natural. Discuti algumas dessas questões em resposta anterior, formspring_3) e não sobre o fato da macroevolução ter ou não ocorrido ou de se há ou não evidências para ela. Esta perspectiva insere-se na visão hierárquica da evolução biológica por seleção natural, me que a seleção atuaria em vários níveis de organização biológica, gerando mesmo alguns conflitos. Isso não tem qualquer relação com dúvidas sobre a ancestralidade comum ou falta de fósseis de transição entre grandes grupos de seres vivos etc. Como disse, a macroevolução é extremamente bem corroborada, portanto, é um fato científico que não é posto em dúvida pela comunidade científica. Os criacionistas ou não conseguem compreender estas diferenças ou simplesmente as ignoram para fins retóricos jogando em favor da distorção de conceitos e questões científicas.
________________________________________________
Literatura recomendada:
Arthur W. Editorial: From the horseman’s mouth. Evol Dev. 2000 Mar-Apr;2(2):61-2. PubMed PMID: 11258390.
Erwin DH. Macroevolution is more than repeated rounds of microevolution. Evol Dev. 2000 Mar-Apr;2(2):78-84. PubMed PMID: 11258393.
Grantham, T. (2007), Is macroevolution more than successive rounds of microevolution?. Palaeontology, 50: 75–85. doi: 10.1111/j.1475-4983.2006.00603.x
Jablonski, David, Benton, Michael J., Gastaldo, Robert A. Marshall, Charles R. and Sepkoski Jr, J. John. 1997 Macroevolution in the 21st Century Paleo21.
Jablonski, D. (2007). Scale and Hierarchy in Macroevolution. Palaeontology, 50(1), 87-109.
Jablonski, D. 2008. Species selection: Theory and data. Annu. Rev. Ecol. Evol. Syst. 39: 501-524.
Leroi AM. The scale independence of evolution. Evol Dev. 2000 Mar-Apr;2(2):67-77. Review. PubMed PMID: 11258392.
Padian, K. (2010). How to Win the Evolution War: Teach Macroevolution! Evolution Education and Outreach, 3(2), 206-214.
Pigliucci, Massimo. Is there such a thing as macroevolution? Skeptical Inquirer 31.2 (2007): 18+.Academic OneFile. Web. 27 Nov. 2010.
Stern DL, Orgogozo V. The loci of evolution: how predictable is genetic evolution? Evolution. 2008 Sep;62(9):2155-77. Epub 2008 Jul 4. Review. PubMed PMID: 18616572; PubMed Central PMCID: PMC2613234.
Stern DL, Orgogozo V. (2009) Is genetic evolution predictable? Science. 2009 323: 746-751.
Yukilevich R, Lachance J, Aoki F, True JR. Long-term adaptation of epistatic genetic networks. Evolution. 2008 Sep;62(9):2215-35. Epub 2008 Jun 28. Erratum in: Evolution. 2008 Nov;62(11):2951. PubMed PMID: 18564374.
Theobald, Douglas (2004) 29+ Evidences for Macroevolution The Scientific Case for Common Descent The TalkOrigin Archives.
Abraços,
Rodrigo