Sunday June 17, 2012
<a href="https://whalesswimming.tumblr.com/" style="text-decoration:underline;">whalesswimming</a>: Como o evolucionismo explica o Homeobox?
Não compreendi bem a sua pergunta. Eu precisaria de mais informações para saber qual é exatamente a sua dúvida sobre o domínio homeobox e sua evolução.
Por exemplo, você gostaria de saber qual a função desta sequência de aminoácidos codificado por esta sequencia de nucleotídeos encontrado, especialmente, em genes como genes hox e homólogos associados a formação do eixo antero-posterior, em vertebrados e invertebrados, e membros e dedos em vertebrados tetrápodes? [Além dos animais esses domínios são encontrados também em plantas e fungos.] Ou você que saber por que eles são tão conservados em termos filogenéticos? Ou você quer saber a origem dos genes que possuem regiões que codificam esses domínios ao longo da evolução dos grupos?
Essas e outras questões são tratadas pela biologia evolutiva especialmente pela Evo-Devo e todas podem estar implícitas na sua questão “Como o evolucionismo explica o Homeobox?”.
Respondendo a grosso modo essa três: O homeobox corresponde a uma seqência de 180 pares de bases que codificam um domínio proteico contendo 60 aminoácidos, conhecido como homeodomínio [cuja sequência de consenso é: RRRKRTA-YTRYQLLE-LEKEFLF-NRYLTRRRRIELAHSL-NLTERHIKIWFQN-RRMK-WKKEN] que tem como função a ligação ao DNA, sendo um motivo característico de certas famílias de fatores de transcrição (Fatores Trans) que são proteínas que ligam-se a certos trechos do DNA associados a controle da expressão de genes como certas sequências Cis-regulatórias.
Portanto, essas sequências têm um papel importante na regulação gênica, especialmente na que ocorre durante o desenvolvimento dos embriões de animais com simetria bilateral, na especificação de padrões do eixo anteroposterior (cabeça-cauda) ao longo da morfogênese. Esse papel central torna esses genes muito sensíveis a eventuais mutações já que desempenham um papel importante da formação dos corpos dos animais e alterações neles podem inviabilizar o desenvolvimento ou, pelo menos, fazer com que partes erradas apareçam em certas regiões do corpo dos animais, como é o caso das mutações homeóticas - como antennapedia, por exemplo, em que no lugar de uma antena desenvolve-se uma pata [Veja aqui].
Por causa disso esses genes devem estar constantemente sujeitos ao que se convencionou chamar de ‘seleção purificadora’ ou 'seleção negativa’, já que indivíduos com mutações nestes genes que interfiram demais em suas funções biológicas não vão adiante, morrendo cedo ou deixando muito poucos descendentes, explicando a alta conservação desses genes e dos motivos homeobox*. Isso nos leva a terceirra questão que é como devem ter surgido os genes com este domínio especialmente os do grupo hox. O fato de serem expressos colinearmente** em relação a sua localização cromossômica (e que, nos vertebrados, existirem em quatro agrupamentos semelhantes), além de sua semelhança geral, indicam que se originiram por duplicação em tandem.
Este tipo de mutação associada (ao mal pareamento cromossômico pro exemplo) tem como vantagem não interferir com a função original do gene, liberando uma das cópias à mutar sem grandes consequências fenotípicas já que a outra pode manter a função original. Desta maneira a cópia que muta pode adquirir uma nova função, em um processo que se chama 'neofuncionalização’. Ao mesmo tempo, caso ambas as cópias sofram mutações diferentes interferindo apenas parcialmente em sua função original, mas que compensam uma a outra, em um processo chamado 'subfuncionalização’, temos um mecanismos natural e relativamente direto de complexificação das redes regulatórias.
A duplicação gênica, associada a neofuncionalização e subfuncionalização das cópias, podem explicar o processo de evolução destes genes homeóticos. Pequenas modificações em suas sequências regulatórias de cópias extras e até mesmo nos próprios segmentos homeobox que codificam os homeodomínios poderiam mudar seus territórios de expressão e alterar a afiniddae a certas sequências regulatórias, aos poucos alterando os processos desenvolvimentais, levando a duplicação de segmentos e alterações na forma e local de aparecimentos de apêndices.
Bem, espero que pelo menos algumas de suas dúvidas sobre a questão tenham sido esclarecidas, mas caso você tivesse em mente alguma questão diferente das abordadas, por favor, não deixe de perguntar.
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*Além da relevância funcional desses motivos que tornam mutações neles mais passíveis de serem negativamente selecionadas, existem certos processos homegeneizadores que ocorrem nos genomas dos eucariontes que podem também ajudar a explicar a conservação desses domínios e até o fato deles serem mais parecidos entre si (os parálogos de um genoma de um mesmo organismo) do que com os genes equivalentes funcionalmente em organismos próximos (ortólogos), aquilo que os cientistas chamam de ’evolução em concerto’. Processos envolvidos no reparo de erros da replicação gênica e pareamento anormal de cromossomos, como a ’conversão gênica’ (e especialmente a 'conversão gênica enviesada’, assim como outros que as vezes são coletivamente reunidos sobre a alcunha de ’impulso molecular’, termo criado pelo geneticista Gabriel Dover) podem explicar a extrema conservação desses genes e sua evolução conjunta em conserto, conjuntamente a ação da seleção purificadora.
Dover G. Molecular drive: a cohesive mode of species evolution. Nature. 1982 Sep 9;299(5879):111-7. PubMed PMID: 7110332.
Ohta T, Dover GA. The cohesive population genetics of molecular drive. Genetics. 1984 Oct;108(2):501-21. PubMed PMID: 6500260; PubMed Central PMCID: PMC1202420.
Dover GA, Tautz D. Conservation and divergence in multigene families: alternatives to selection and drift. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 1986 Jan 29;312(1154):275-89. PubMed PMID: 2870522.
Dover, Gabriel A.Molecular drive in multigene families: How biological novelties arise, spread and are assimilated Trends in Genetics, Volume 2, 159-165, 1 January 1986 doi:10.1016/0168-9525(86)90211-8
Liao D. Concerted evolution: molecular mechanism and biological implications. Am J Hum Genet. 1999 Jan;64(1):24-30. Review. PubMed PMID: 9915939; PubMed Central PMCID: PMC1377698. [Link]
Berglund J, Pollard KS, Webster MT (2009) Hotspots of Biased Nucleotide Substitutions in Human Genes. PLoS Biol 7(1): e1000026. doi:10.1371/journal.pbio.1000026 [Link]
**A organização em cluster e expressão colinear, apesar de bastante comum em vertebrados e também em invertebrados com simetria bilateral, não é geral, havendo espécies animais em que os gens hox encontram-se mais espalhados, talvez por causa da menor relevância da sua ordem de expressão ou por causa da existência de mecanismos adicionais de controle esta organização teria se fragmentado nesses animais. Portanto, a história evolutiva dos genes Hox e dos motivos homebox são mais complicadas do que meu breve esboço:
Garcia-Fernàndez J. The genesis and evolution of homeobox gene clusters. Nat Rev Genet. 2005 Dec;6(12):881-92. Review. PubMed PMID: 16341069.
Duboule D. The rise and fall of Hox gene clusters. Development. 2007 Jul;134(14):2549-60. Epub 2007 Jun 6. Review. PubMed PMID: 17553908.
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Literatura Recomendada:
Gilbert, Scott F. Developmental Biology. 9th Edition, Sinauer Associates, USA, 2010. 711 pages
Myers, P. (2008) Hox genes in development: The Hox code. Nature Education 1(1) [Link]
Phillips, T. & Hoopes, L. (2008) Transcription factors and transcriptional control in eukaryotic cells. Nature Education 1(1) [Link]
Grande abraço,
Rodrigo
Créditos das Figuras:
Modelo do Homeodomínio complexado ao DNA: Asymmetric Unit of 1NK2 - VND/NK-2 HOMEODOMAIN/DNA COMPLEX, NMR [PDB]