Sunday March 03, 2013
Anonymous: O que diferencia o Australopithecus de um primata qualquer para que este seja considerado um hominídeo?
Primeiro de tudo, o termo hominídeo designa a família de primatas que inclui, além das diversas espécies do gênero Homo e das diversas espécies coletivamente chamadas de Australopithecus (veja o verbete Australopithecines), os grandes macacos sem cauda como chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos. O grupo menos inclusivo, ao qual você deve querer se referir e que engloba os Australopithecus e as várias espécies do gênero Homo, é a subtribo hominina que inclui, um grupo taxonômico irmão a subtribo ‘panina’ que atualmente é representada pelos chimpanzés e bonobos que são nossos parentes vivos mais próximos, por sinal, ou seja, sendo mais próximos de nós do que de outros primatas [Veja histórico de mudanças da classificação dos hominoides].
Em segundo lugar, qualquer espécie é uma amálgama de característica primitivas e derivadas, o que é uma decorrência do processo de divergência de linhagens que caracteriza a evolução e que pode ser bem errático e contingente. Por causa disso, os agrupamentos taxonômicos são sempre feitos tendo-se em vista o conjunto das características dos organismos vivos, com as características consideradas compartilhadas derivadas (as ’sinapomorfias’) sendo usadas na definição dos clados, ou seja, dos grupo monofiléticos que são aqueles formados apenas pelo ancestral comum e todos os seus descendentes, ninguém mais, ninguém menos. Com praticamente todos os sistematas e taxonomistas modernos concordando que só devemos dar nomes aos grupos monofiléticos, surge um problema. Como mostra o ’evograma’ a seguir, os Australopithecus não parecem formar um grupo realmente monofilético. Podemos ver uma série de formas entre o Ardipithecus e Homo na ordem de ramificação das linhagens que são todas coletivamente chamadas de Australopithecus [Veja aqui para maiores detalhes e para uma visão mais ampla sobre filogenias veja aqui].
O problema é que,como podemos observar, algumas formas, tais como Australopithecus africanus estão mais próximas dos seres humanos modernos do que de outros Australopithecus, como A. afarensis e outros. Veja que, com exceção de A. afarensis, todos os outros Australopithecus e espécies do gênero Homo compartilham “dentes molares aumentados e mandíbulas” porque eles todos têm um ancestral comum mais recente do que tem com A. aferensis. Esta confusão surge como resultado da taxonomia tradicional inicialmente não seguir os princípios de uma classificação evolutiva, não dispondo de um método rigorosos e sistemático, como temos hoje me dia. Com o tempo, as várias formas acabaram ganhando novos nomes do gênero que reflitam melhor a monofilia dos grupos e assim a real estrutura de parentesco inferida pela sistemática moderna. Por isso devemos nos concentrar mais do que em nomes, como “Australopithecus” no padrão de características compartilhadas entre as diversas espécies e o nosso clado Homo [Veja aqui para maiores detalhes].
Feitos estes esclarecimentos, como já havia dito, as diversas espécies que são coletivamente chamadas de Australopithecus são atualmente classificadas dentro da subtribo hominina e entre as diversas características que fazem com que estas espécies sejam agrupadas juntamente com as do nosso gênero e não com os chimpanzé, por exemplo, estão a forma de locomoção bipedal (e as concomitantes modificações do esqueleto pós-craniano como as pernas e especialmente a pelves que são mais semelhantes as nossas do que a dos chimpanzés), ainda que os primeiros representantes de nossa subtribo ainda não exibissem a postura completamente ereta, como a nossa.
Assim, como nos seres humanos modernos, mas ao contrário do que ocorre em outros primatas modernos (mesmo os chimpanzés e bonobos), os ossos do quadril destas espécies eram encurtados de cima para baixo, assumindo a forma de uma bacia. Esta mudança tornava a pélvis mais estável dando maior apoio ao peso do torso quando o indivíduo estava em pé ou em movimento sobre as duas pernas, em franco contraste com o proporcionado pela pélvis de outros primatas (que não são da subtribo hominina) que são adaptados para a locomoção quadrúpede, mesmo adotando posição bipedal eventual. As pernas destes hominines primitivos, bem como os seus ossos dos pés, também eram já muito mais parecidos com os nossos do que com os dos demais macacos sem cauda. Os Chimpanzés (Pan troglodytes), Bonobos (Pan paniscus) e demais primatas têm braços mais longos do que as pernas e não possuem os arcos nas plantas dos pés, típicos de nossa anatomia que já podem ser observados em vários Australopithecus. Além disso, seus dedos grandes dos pés são divergentes de seus outros dedos polegares muito como em nós, humanos [Veja aqui para maiores detalhes].
].
Os dentes também são mais semelhante aos nossos do que aos dos chimpanzés,s, especialmente os caninos que eram menores, por exemplo, enquanto a forma da mandíbula é bem intermediária. Porém, apesar dos australopitecos serem realmente mais semelhantes aos seres humanos anatomicamente moderno em relação aos esqueletos pós-cranianos, isto é, abaixo do pescoço, os crânios, mandíbulas e faces eram significativamente diferentes dos nossos, com o tamanho do cérebro adulto destas espécies sendo estimado em algo em torno de 1/3 do volume dos cérebros dos seres humanos modernos [Veja aqui para maiores detalhes].
Desta maneira, existem várias características que mostram que estas espécies em questão eram realmente, em relação a muitas características e aos seus estados de derivação, mais semelhantes a nós do que a outros macacos sem cauda, como os chimpanzés, tendo adquirido estas similaridades de ancestrais comuns que compartilharam com nossos ancestrais após a separação com a linhagem panina que deu origem aos chimpanzés e bonobos. Ao mesmo tempo estas espécies também mostram características mais primitivas similares, aos antepassados comuns tanto a nós, humanos modernos, e demais hominina, e aos panina, o que deixa claro que eles são claramente, neste sentido formas de transição. Note bem que algumas linhagens colaterais tem suas próprias sinapomorfias que as caraterizam e que nossa linhagem não possui, o que mostra como a evolução não é um processo de progressão linear.
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Literatura Recomendada:
Lewin, R., Foley, R.A., Principles of Human Evolution, 2nd Ed., Blackwell Science Ltd, 2004.
Wood, B. Human Evolution: A Very Short Introduction.Oxford University Press, New York, 2005. 144 páginas
Lewin, R. Evolução humana. São Paulo: Atheneu, 1999. 526 pg.
Grande abraço,
Rodrigo