Thursday January 16, 2014
Anonymous: Conheço a teoria da panspermia cósmica, que diz que a vida se originou em outro planeta e veio a Terra através de um meteoro. No entanto, existe algum planeta cujas características permitiriam a formação de vida? Além disso, haveria alguma forma de vida que sobreviveria ao impacto de um meteoro?

O que você mencionou é apenas uma das versões da teoria da panspermia, a chamada ‘panspermia não dirigida’ em que os primeiros organismos terrestres teriam originado-se, de fato, em outro planeta, tendo chegado aqui em um meteoro. A ‘panspermia dirigida’ é ainda mais ousada e defende que a vida, além de originada fora da terra, tenha sido propositalmente ou acidentalmente semeada na terra por civilizações alienígenas avançadas.
O principal problema destas (e das outras versões) da panspermia é que elas simplesmente adiam a resposta ao problema da origem da vida e não o respondem de maneira produtiva*. Então, a menos que tenhamos evidências de vida em outros planetas e, além disso, tenhamos que estas evidências indiquem que esta vida alienígena seja aparentada e mais velha do que a de nosso planeta, não tem muito que possamos ganhar com esta teoria especulativa. No entanto, é verdade que, pelo menos, algumas dessas especulações podem até serem testadas em um futuro próximo, como a hipótese de que a vida terrestre tenha se originado a partir da suposta vida antiga em marte, hoje extinta ou, pelo menos, ainda não detectada. A proximidade de marte torna esta hipótese mais plausível, mas principalmente, mais testável, pelo menos, em princípio, bastando para isso que expedições futuras ao planeta vermelho descubram o tipo de evidência que eu mencionei. Mas por enquanto não há muito o que possamos fazer para testar tais hipóteses e elas permanecem no terreno da especulação e ficção científica, talvez, como uma exceção*.
Não sabemos com certeza se alguns dos vários planetas extrassolares que temos detectado nas últimas décadas sejam realmente permissivos a vida e muito menos que ela lá exista, principalmente por que ainda não entendemos bem como a vida surgiu em nosso próprio planeta. Porém, usando o nosso planeta como modelo, existem alguns candidatos entre os planetas ditos ‘terróides’ (earth-like), ou seja, que possuem composição rochosa (em contraste com os gigantes gasosos), orbitam estrelas similares a nossa e possuem massas e tamanhos não muito diferentes da do nosso próprio planeta (veja sobre o índice de similaridade com a terra). Este planetas rochosos, cujos tamanhos e densidades variam entre 1 e 10 vezes os da terra e que por isso tem sido chamados de ‘superterras’ vem recebendo uma atenção bem especial. De fato, ente estas ‘superterras’ que, além de tamanhos e densidades bem próximas as do nosso planeta, também orbitam estrelas semelhantes ao nosso sol e, principalmente, fazem isso a distâncias consideradas dentro das ‘zonas habitáveis’ (ou dos ‘cachinhos dourados’), isto é, nem perto nem longe demais, de modo a terem órbitas estáveis, com possibilidade de [veja aqui e aqui] manterem uma atmosfera, além de poderem possuir água em estado líquido. Existem estimativas que “um em cada cinco estrelas tenham planetas do tamanho da Terra em zonas habitáveis”, ainda que os cientistas façam a ressalva que mesmo que ‘planetas possuam o tamanho da Terra e órbitas semelhantes as da terra, isso não significa que eles necessariamente sejam hospitaleiros a vida, mesmo estando nestas zonas habitáveis de uma estrela, onde a temperatura não está muito quente ou muito frio’. Porém, os detalhes sobre estes planetas ainda deixam muito a desejar e realmente não temos como dizer se são realmente bons candidatos a abrigar vida bem similar a nossa e muito menos se eles tem realmente vida.

Sem uma perspectiva de curto prazo de irmos pessoalmente nestes planetas ou mesmo mandarmos sondas robóticas procurando por seres vivos, o que os astrobiólogos agora tem tentado fazer é vasculhar (à distância) estes candidatos à procura daquilo que os cientistas chamam de ‘bioassinaturas’ ou ‘biomacadores’, isto é, qualquer tipo de indicações de atividade biogênica global que mostrem que existe uma biosfera que influencia na forma e especialmente na composição atmosférica do planeta, como por exemplo, no caso de nossa própria Terra seria a presença grandes quantidades de oxigênio livre que indicam atividade fotossintética. O problema é que não temos a menor ideia de como seriam realmente estas formas de vida alienígenas, caso não sejam aparentadas com a nossa ou não tenham convergido para formas muito semelhantes as nossas. O que fazemos é apenas supor (e torcer) que, caso existam, elas não devam ser tão diferentes assim, tendo, provavelmente, uma base celular e, mais uma vez esperamos, possuam uma bioquímica bem parecida (ou pelo menos análoga a nossa), possivelmente baseada em carbono**.
Agora, com relação a sua questão da possibilidade de vida resistir a transferência interplanetária por meio de meteoros, realmente existem evidências experimentais que sugerem que isso seja bem possível, pelo menos, para alguns tipos de microrganismos terrestres que parecem aguentar as altas temperaturas e a desaceleração associada ao impacto*. Isso sugere portanto que a ‘litopanspermia’ (mesmo que não hajam quaisquer evidências de que tenha ocorrido) é, neste sentido, plausível. Além disso, não podemos nos esquecer que nematoides, isto é, pequenos vermes lacrados em contêineres especiais sobreviveram ao acidente com a o ônibus espacial Discovery e foram recuperados dos escombros tendo os vermes descendentes destes sobreviventes sido alvos de muitos estudos [Veja “O verme que veio do espaço ou É a evolução genética previsível …”]. Por fim, mesmo que microrganismos não sobrevivam ainda assim seria possível que sua biomoléculas pudessem resistir e semear o nosso planeta com matéria orgânica e biomoléculas informacionais, como ácidos nucleicos que poderiam ter dado partido a vida por aqui.
Lembrando que este nem último exemplo (dos nematoides), nem as considerações sobre os restos de material genético e nem os experimentos com microrganismos descritos anteriormente são evidências da panspermia propriamente dita, apenas tornam o processo de transferência mais plausível mesmo que a teoria em si continue sem quaisquer evidência mais crível em seu favor.
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*Uma versão da panspermia digna de nota, entretanto, existe e pode ser mais cientificamente produtiva do que as versões mais convencionais. Esta versão sugere cenários mais explicativos em que a própria origem da vida poderia ter dependido das condições do espaço sideral, como a microgravidade ou bombardeamento por radiação cósmica, o que (de novo) em princípio poderia ser testado em condições de laboratório ou em experimentos em estações espaciais. Caso seja possível mostrar que algumas etapas essenciais para a origem e evolução inicial da vida sejam bem mais prováveis em condições extraterrestres então teríamos um bom argumento para esta versão particular da panspermia. Note que isso não é o mesmo que a ideia (esta sim bastante difundida na comunidade cientifica) que algumas moléculas orgânicas importantes para a origem da vida, como aminoácidos [Veja por exemplo os exemplos do meteorito Murchison] e precursores de ácidos nucleicos [veja aqui e aqui] tenham originado-se no espaço e tenham sido’semeados’ aqui por meio de meteoritos e cometas.. No caso, desta versão da panspermia, os primeiros sistemas autorreplicantes e protocelulares é que teriam originado-se fora da terra em condições bem específicas, mas ao nosso alcance de serem estudadas e replicadas.
** As chamadas’bioquímicas alternativas’ são outra possibilidade bastante intrigante e que é estudada por alguns cientistas, mas este é um terreno ainda mais especulativo embora a pesquisa que se faz nessa área possa trazer insights realmente importantes sobre as origens da vida
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Literatura Recomendada:
W. M. Keck Observatory, Kamuela, Hawaii One in five stars has Earth-sized planet in habitable zone Astronomy Magazine Published: Tuesday, November 05, 2013. [Link]
Kelly, Morgan [Office of Communications] Slow-moving rocks better odds that life crashed to Earth from space, News at Princeton; posted September 24, 2012. [Link]
David Warmflash et al., Survivability of microorganisms during interplanetary transfer. NASA Johnson Space Center, 4The Planetary Society, 5California Institute of Technology living interplanetary flight experiment (life): an experiment on the Workshop on the Exploration of Phobos and Deimos (2007)
Line MA. The enigma of the origin of life and its timing. Microbiology. 2002 Jan;148(Pt 1):21-7. Review. PubMed PMID: 11782495.
Fajardo-Cavazos P, Langenhorst F, Melosh HJ, Nicholson WL. Bacterial spores in granite survive hypervelocity launch by spallation: implications for lithopanspermia. Astrobiology. 2009 Sep;9(7):647-57. PubMed PMID: 19778276.
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Scharf, Caleb Paradoxo da Panspermia: Quais são os limites para a vida? Scientific American Brasil
Grande abraço,
Rodrigo
Credito da figura: LYNETTE COOK/SCIENCE PHOTO LIBRARY