Thursday November 08, 2012
Anonymous: Qual a diferença entre macro e microevolução? li alguns textos que tentam defender uma mas negam a outra. sites de cunho religioso, por isso fiquei na duvida da propria definicao que eles apresentam.
Tocamos neste assunto em pelo menos três outras ocasiões em respostas de nosso tumblr (aqui, aqui e aqui) e abordamos fenômenos e processos macroevolutivos em vários de nossos artigos do evolucionismo.org, como nas postagens, “Extinções em massa reajustam o passo da evolução”, “Ver ou não ver? Eis a questão do fanerozóico?”, “A Explosão Cambriana: Uma introdução”
O primeiro ponto que pretendo esclarecer é que os termos ‘microevolução’ e ‘macroevolução’ são legítimos, inclusive sendo costumeiramente usados entre os biólogos evolutivos e paleontólogos. Havendo consenso portanto que os dois fenômenos ocorrem, apesar dos criacionistas tentarem apropriar-se destes termos, muitas vezes admitindo que a microevolução ocorreria, mas, a mesmo tempo, negando que este seja também o caso da macroevolução. Eles alegam, por exemplo, que não existiriam evidências para a macroevolução, o que é falso. De fato, as evidências são abundantes e reconhecidas pela comunidade científica desde que a teoria evolutiva e a ideia de evolução biológica começaram a ser mais amplamente aceitas. Os criacionistas geralmente negam a factualidade da macroevolução basicamente distorcendo o conceito de macroevolução e os vários conceitos envolvidos no estudo deste fenômeno (especialmente conceitos como os de formas de transição). Isso quando simplesmente eles não negam completamente a evidência comparativa oriunda da biologia moderna, esquecendo-se que, na investigação científica, boa parte das evidências empregadas são indiretas, mesmo porque seria muito complicado observarmos processos e padrões que demoram milhões de anos para emergirem. Você pode ler mais sobre isso nos artigos da paleontóloga Penny Higgs sobre o assunto que traduzimos para o evolucionismo.org, “Uso e Abuso do registro fóssil: Definição dos Termos Parte I” e “Uso e Abuso do registro fóssil: o caso do “Peixíbio” - Parte II”.
Para compreendermos melhor esta questão precisamos primeiro ter claro que a evolução biológica diz respeito às mudanças nas características herdáveis (genéticas e fenotípicas) das populações de seres vivos que ocorrem através das gerações e a divergências dessas populações ao longo do tempo que acabam por produzir o padrão de ancestralidade comum que observamos entre os seres vivos. Tendo isso em mente, a principal distinção entre estes dois fenômenos (micro e macroevolução) é a escala temporal em que consideramos estas mudanças e amplitude dos grupos envolvidos nelas. Assim, normalmente, considera-se com sendo microevolução aqueles fenômenos de mudança transgeracional das características herdáveis das populações de seres vivos que ocorrem dentro das espécies, sendo resultados de processos evolutivos e ecológicos mais tradicionais como mutação, recombinação, deriva genética, seleção natural, dispersão, vicariância, isolamento geográfico etc. Estes fenômenos e os mecanismos que os produzem, em geral, podem ser diretamente observados e até alvo de experimentação em laboratório ou mesmo de campo, pelo simples fato de muitos destes mecanismos e processos, especialmente aqueles envolvendo populações de organismos de rápido tempo geracional, ocorrerem durante o tempo de vida (ou das carreiras) dos pesquisadores ou pelo menos de algumas poucas gerações de pesquisadores. A macroevolução, por outro lado, envolve as mudanças evolutivas a partir do nível das espécies e que ocorrem em grupos ainda mais amplos, o que obviamente envolve escalas espaciais e temporais muito maiores e que demandam formas de investigação e evidências mais indiretas, mas tão ou mais robustas do que a de muitos processos investigados mais diretamente, por que geralmente as evidências macroevolutivas advém de várias linhas de investigação complementares.
A principal discussão que existem nos círculos científicos não é, portanto, se a macroevolução ocorreu ou não ocorreu, pois as séries de fósseis transicionais entre grandes grupos de organismos, bem como a extensa documentação fóssil das mudanças de biotas ao longo do tempo, a distribuição biogeográfica de várias espécies de seres vivos e as similaridades anatômicas, embriológicas e moleculares entre as espécies e mesmo entre linhagens bem distantes de seres vivos, são evidências mais do que suficiente para convencer a comunidade científica de que a macroevolução é sim um fenômeno autêntico. A discussão que perdura e que divide parte da comunidade de pesquisadores de biologia evolutiva é a chamada a questão da suficiência dos processos microevolutivos (mutação, recombinação, deriva genética, seleção natural, isolamento geográfico etc) para explicar a macroevolução. É aí que acontece o debate!
Muitos pesquisadores (geralmente os que trabalham com genética populacional e evolutiva), tendem a considerar que a macroevolução é simplesmente a microevolução quando esta ocorre por centenas de milhares, milhões e mesmo bilhões de anos, com os mesmos mecanismos evolutivos que podemos investigar nas populações biológicas, e que são responsáveis pelas suas mudanças e eventual divergência e extinção, sendo os relevantes nas duas escalas temporais, talvez com a adição de eventos geológicos e climáticos em larga escala que alteram de maneira mais ou menos contingente e aleatória as relações ecológicas e portanto as pressões evolutivas e as características das populações. Outros pesquisadores, porém, principalmente os que seguem tradição paleobiológica, tendem a divergir neste ponto, pois, apesar de considerarem que mecanismos microevolutivos são também importantes em grandes escalas temporais, defendem que grupos taxonômicos como espécies, famílias e ordens, por exemplo, são mais do que meros agregados arbitrários de indivíduos. Para estes cientistas estes grupos compartilhariam uma série de propriedades e características distintivas, como sua distribuição e amplitude geográfica, certas particularidades de sua dinâmica ecológica e reprodutiva, que não fazem sentido de serem atribuídas aos indivíduos das diversas populações que compõem estes grupos, mas que, como as características individuais, também interagiriam com os outros fenômenos locais e globais (como a tectônica de placas, ciclos planetários), típicos das longas escalas de tempo, contribuindo para a alteração da dinâmica ecológica das populações comunidades dos organismos de maneira mais organizada, produzindo uma certa disjunção entre os processos micro e macroevolutivos. Assim, de acordo com estes pesquisadores, estes fenômenos que acontecem em longos períodos de tempo não poderiam ser completamente reduzidos aos mecanismos microevolutivos, pelo menos como tradicionalmente concebidos, demandando a apreciação de processos que interferem com originação, duração e extinção diferencial de linhagens que ocorreriam em função de propriedades que estas linhagens (populações, metapopulações, espécies, gêneros, famílias) possuiriam como um todo, podendo inclusive herdá-las em um certo sentido, levando a postulação de mecanismos como a triagem e seleção de espécies, seleção de clados, etc.
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Literatura Recomendada:
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Erwin DH. Macroevolution is more than repeated rounds of microevolution. Evol Dev. 2000 Mar-Apr;2(2):78-84. PubMed PMID: 11258393.
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Jablonski, David, Benton, Michael J., Gastaldo, Robert A. Marshall, Charles R. and Sepkoski Jr, J. John. 1997 Macroevolution in the 21st Century Paleo21.
Jablonski, D. (2007). Scale and Hierarchy in Macroevolution. Palaeontology, 50(1), 87-109.
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Grande abraço,
Rodrigo