Tuesday August 20, 2013
<a href="https://jpskirmse-deactivated20140709.tumblr.com/" style="text-decoration:underline;">jpskirmse-deactivated20140709</a>: Em geral, as pesquisas sobre processos evolutivos tendem a 'confirmar' a visão de seleção natural centrada no gene (mais conhecida por ser a conclusão do Dawkins), seleção centrada no indivíduo ou uma seleção natural em múltiplos níveis.?
A questão é bem mais complicada do que parece e não permite uma resposta simples, mesmo por que ela é, em vários dos seus aspectos, mais conceitual do que propriamente empírica. Ela depende, por exemplo, do que exatamente queremos dizer com termos como ‘genes’, ‘indivíduos’ e expressões como “níveis de seleção”, “alvos da seleção” ou “unidades de seleção”. Estas questões dizem respeito, desta maneira, a que tipo de entidades são ‘selecionado’ e o que características são passadas às próximas gerações, e se elas tiveram ou não uma contribuição causal relevante neste processo. Abordei parte destes tópicos ao discutir, em uma resposta anterior, sobre a seleção de grupos.
De modo geral, a perspectiva da ‘seleção de indivíduos’ é a que a maioria dos pesquisadores dedicam-se a investigar, talvez, simplesmente, por ser a mais intuitiva e fácil de acessar, uma vez que, na maioria dos estudos sobre seleção natural, o que está em foco são os organismos interagindo com o meio (e uns com outros) e as características e propriedades fenotípicas deles que fazem a diferença nesta interação, contribuindo causalmente e sistematicamente para o maior ou menor sucesso reprodutivo destes organismos - e, portanto, para a maior ou menor representação destas características nas próximas gerações, bem como o material genético a elas associadas[1]. Contudo, a chamada visão da ‘seleção de genes’ tem um forte apelo entre os cientistas (e jornalistas) que dedicam-se a divulgação científica e entre alguns biólogos teóricos e filósofos da biologia que buscam uma perspectiva meta-teórica mais simples e elegante para unificar a moderna teoria evolutiva. Uma das vantagens da abordagem da ‘seleção de genes’ (‘seleção ao nível dos genes’) é que, por meia dela, é fácil ilustrar alguns modelos de seleção bem conhecidos, como a ‘seleção de parentesco’, uma vez que conceitos mais complicados como o da ‘aptidão inclusiva’ podem ser explicados em termos da proliferação de cópias gênicas, ligadas a uma característica fenotípica, que existem tanto nos perpetradores como nos beneficiados por uma ação altruísta. Porém, esta concepção têm vários problemas e a perspectiva estritamente original de Dawkins é adotada por poucos destes teóricos, para falar a verdade. A maioria dos que adotam alguma visão derivada da de Dawkins a modificaram bastante frente as críticas que esta visão recebeu ao longo dos anos. Dawkins, entretanto, parece não ter feito o mesmo.
Por exemplo, um dos problemas é que Dawkins parece ter em mente algo muito diferente quando ele fala em ‘níveis de seleção’ (insistindo que a seleção é dos ‘replicadores’ e não dos 'veículos’) do que a maioria dos filósofos e teóricos que lidam com este tópico têm em mente. O saudoso David Hull, um importante filósofo da biologia, propôs, no lugar da dicotomia de Dawkins entre ‘replicadores’ e ‘veículos’ (com os primeiros sendo, os genes/genótipos por excelência e os segundos, os fenótipos), uma distinção mais sofisticada entre ‘replicadores’ e ‘interatores’, sendo estes últimos o locus do processo de seleção. Isso seria assim por que é entre os fenótipos dos organismos que são diferentes em uma população e que por causa disso contribuem causalmente para os sucesso reprodutivo diferencial é que há a seleção natural. A seleção é eminentemente uma teoria sobre interação ecológica e o resultado dela no sucesso reprodutivo individual. Portanto, a maioria das discussões sobre os ‘níveis de seleção’ (ou as ‘unidades da seleção’ ou os ‘alvos da seleção’) envolve definir e rastrear que são os ‘interatores’ que, diga-se de passagem, raramente são os genes, com exceção do que ocorre em ‘elementos transponíveis’ e outras formas de ‘genes saltadores’, por exemplo. Porém, na perspectiva de Dawkins esta não é a questão mais fundamental, para ele o que é crucial é que tipo de entidade é propagada ao longo das gerações e, portanto, seria o beneficiário da seleção natural e não seu locus de ação. Para muitos dos críticos de Dawkins, a questão que ele se refere é outra e mesmo assim ele o faz de maneira um tanto confusa já que em sua perspectiva os replicadores por excelência, os genes, são definidos de forma muito vaga e abstrata não necessariamente de maneira congruente ao que fazem os biólogos moleculares e mesmo os geneticistas de populações que adotam uma abordagem superficialmente centrada no gene, mas muito por questões mais pragmáticas do que conceituais mais profundas ou mesmo empíricas [1].
Portanto, de acordo com os críticos da visão de Dawkins, ele e os demais defensores desta perspectiva centrada nos genes, confundem várias questões distintas, como 1) a relacionada a já aludida incapacidade dos ‘replicadores’ capturarem a estrutura de causação do processo de evolução por seleção natural; 2) a questão relacionada qual entidade se beneficiaria da seleção natural qual ou entidade representaria a continuidade biológica e perduraria ao longo da evolução; 3) além da questão da utilização de um conceito por demais abstrato e maleável de gene. Dawkins estaria interessado em 2 e não em 1, mas francamente confundiria as questões por causa de sua postura em relação a 3 [1].
Estes pesquisadores, que criticam Dawkins, argumentam que a perspectiva da ‘seleção multiníveis’ captura melhor a pluralidade da estrutura causal dos ‘alvos’, ‘níveis’ e ‘unidades’ da seleção natural e pode mesmo ser conciliada facilmente com uma perspectiva centrada nos genes, porém, menos ambiciosa que a de Dawkins, ou seja, que separe bem as questões 1 e 2, empregando a expressão ‘seleção de genes’ como uma metáfora útil, simplesmente, por que, muitas vezes, rastreamos (e modelamos) quantitativamente as mudanças associadas a evolução por seleção natural pelo que se passa com os genes e genomas das populações de organismo, servindo como um jeito mais coloquial e simples de se referir ao processo de seleção natural. Esta visão é basicamente a de que esta abordagem serve como um dispositivo de contabilidade e registro, como colocou Gould. David Sloan Wilson, por exemplo, um conhecido proponente de modelos de seleção de grupo e multi-níveis tem enfatizado muito este ponto [2], enfatizando que ele jamais negou que seus modelos de ‘seleção de grupos de característica’ dependiam de replicadores associados ou não ao parentesco genealógico, diga-se de passagem que é o grande diferencial dos modelos de seleção de parentesco. Porém, para outros críticos, o foco nos genes obscurece outras questões como a dependência dos genes para exercerem seu papel na construção dos fenótipos e hereditariedade de outros recursos de desenvolvimento associados ao meio molecular e celular, o que está intimamente associado ao fato que podem existir vários níveis de ‘replicadores’, desde segmentos pequenos de DNA, passando por genomas e células inteiras etc, chegando, quem sabe, aos memes (que o próprio Dawkins havia sugerido). Desta maneira o que constitui um ‘replicador’, assim como um ‘interator’ deveria ser avaliado e definido caso a caso.
Esta discussão é vasta, mas espero ter ficado claro por que uma resposta simples e direta não seria possível.
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Literatura Recomendada:
Lloyd, Elisabeth, “Units and Levels of Selection”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2012 Edition), Edward N. Zalta (ed.).
Eldakar OT, Wilson DS. Eight criticisms not to make about group selection.Evolution. 2011 Jun;65(6):1523-6. doi: 10.1111/j.1558-5646.2011.01290.x.
Grande abraço,
Rodrigo